quinta-feira, 2 de junho de 2022

AS JOIAS DA COROA

Museu do Tesouro Real em Lisboa: joias da coroa portuguesa passam a exposição permanente pela primeira vez na História

O Museu do Tesouro Real abriu portas ao público, na quarta-feira (1 de junho), na nova ala poente do Palácio Nacional da Ajuda. Um projeto de oito anos com um investimento de 31 milhões de euros, que resultou numa das maiores caixas-fortes do mundo onde se reserva o acervo régio português alargado a mais de mil peças históricas e únicas em termos de valor artístico e singularidade. Como diz a própria instituição, este acervo é de um “valor patrimonial inestimável”. 


Coroa de diamantes e safiras, que pertenceu à rainha D. Maria II de Portugal - Instagram: @lostsplendor


Trata-se de uma exposição permanente, que pode ser visitada todos os dias, das 10 às 19 horas, estando dividida em 11 núcleos: ouro e diamantes do Brasil, moedas e medalhas da Coroa, joias do acervo do Palácio Nacional da Ajuda, ordens honoríficas, insígnias régias, objetos de uso civil de prata lavrada, coleções particulares, ofertas diplomáticas, Baixela Germain e viagens do tesouro real.

Uma grande fatia do tesouro real português perdeu-se, porém, com o terramoto de 1755 seguido de um incêndio feroz, que destruiu o paço de madeira e o seu recheio, o que recentemente também motivou um centro de interpretação. 


 

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Esta abertura assinala ainda a conclusão das obras do palácio, que começaram há mais de 220 anos, o qual é agora o fiel depositário da grande maioria do espólio real que nunca teve uma casa permanente, encontrando-se até então disperso por palácios e museus e até arrecadações, mormente as joias, mantos reais e sem fim de peças de ourivesaria.

O novo edifício de três pisos, que alberga a rica e excelente coleção de artes da antiga Coroa portuguesa, é também já polémico pela arquitetura contemporânea minimalista, que se sobrepõe à fachada neoclássica inacabada do antigo palácio onde o rei D. Luís I se instalou definitivamente em 1861, mandando-o decorar ao gosto romântico para a sua futura rainha, Maria Pia de Saboia, filha do então novo e primeiro rei de Itália Victor Emanuel II, que lhe fez outras tantas alterações. E aí nasceram os filhos Carlos e Afonso sempre cercados de colecionismo e arte.


Coroa Real de Portugal - Instagram: @luxuryportugal


O percurso expositivo é quase todo feito às escuras por uma questão de conservação das peças e uma vez que se dá a conhecer ao público algumas das mais raras e valiosas joias, insígnias e condecorações, moedas e peças de ourivesaria, como testemunho da riqueza e poder da monarquia portuguesa. Há ainda retratos régios de época de quem os encomendou, sendo que em muitos deles se identificam as joias, os mantos e outros objetos patentes na exposição que retrata várias épocas da monarquia, em especial da quarta dinastia de Bragança.

A ausência de luz também evidencia e potencia o brilho, cor e eminência das várias peças de artes decorativas.

O novo edifício estende-se a 40 metros de comprimento, 10 metros de altura e 10 de largura, reservando no interior a caixa-forte com portas blindadas de cinco toneladas. Está munido por sofisticado equipamento de segurança e videovigilância, vitrinas com controlo de temperatura e humidade e vidros à prova de bala.

Foi o seguro das Joias da Coroa roubadas em 2002, em Haia, de cerca de 4 milhões de euros, que ajudou a suportar a feitura do novo museu orçamentada num total de 31 milhões de euros. A maior fatia do valor, 18 milhões de euros, foi garantida pelo Fundo de Desenvolvimento Turístico de Lisboa. Já o Ministério da Cultura e a Direção-Geral do Património Cultural investiram quatro milhões e 800 mil euros e a Associação Turismo de Lisboa, nove milhões de euros.


Ampla coleção de prataria, particularmente barroca - Instagram: @luxuryportugal


O projeto museológico do espaço é assinado pelo arquiteto João Carlos Santos da DGPC; o layout da exposição é da responsabilidade da Providência Design e a execução das obras da Associação Turismo de Lisboa (ATL), por incumbência da Câmara Municipal de Lisboa; o Palácio Nacional da Ajuda fica encarregado da gestão científica e histórica; a gestão operacional é da ATL.

Ao entrarmos no lobby, nas arcadas da ala poente, a depuração e o branco dos revestimentos chega a ferir os olhos, captando para si toda a luz branca característica de Lisboa. No interior, sente-se o peso da sombra para fazer vibrar os tesouros, começando pela própria caixa-forte toda ela dourada, que surge como isolada, à imagem dum coração do edifício, e como que a flutuar.

O protocolo obriga a passar por um detetor de metais, uma máquina de raio-x e uma porta giratória de identificação corporal, entre outros sofisticados equipamentos de segurança e videovigilância. Não obstante, todas as peças estão protegidas em vitrinas com controlo de temperatura e humidade, sendo os vidros à prova de bala como frisamos anteriormente.


Coroa Real de Portugal encimada por retrato do rei D. João VI, entre outras pinturas, joias e objetos pessoais da descendência - Instagram: @luxuryportugal


Esta extensa coleção de pompa, poder e luxo, que o Museu do Tesouro Real considera ser “uma das mais importantes coleções mundiais”, tanto pela sua dimensão, raridade e qualidade, destaca coroas, ceptros, tronos, e outras preciosidades de exceção integradas no aparato que se exigia nos salões reais.

A História reconta-se assim através de algumas das peças que foram levadas para o Brasil por D. João VI e retornaram; ou de outras que se perderam por espólios estrangeiros, mormente por casamento de princesas portuguesas (e outras questões), mas acabaram por ser encontradas; e ainda daquelas que foram mesmo roubadas e recuperadas.

O primeiro núcleo focado no ouro e diamantes do Brasil, como seja o período barroco do rei D. João V, distingue amostras de metais e gemas em bruto que evidenciam este período farto de importante monopólio da coroa na extração dos mesmos. As grandes jazidas de ouro e de diamantes no Brasil forneciam a matéria-prima a uma Corte que a transformava em símbolo de poder e dignidade, opulência e ostentação. As joias passaram a ser afetivas, muito mais do que decorativas, e as encomendas sucediam-se

Já o espólio numismático da coleção é composto por dotes régios, dádivas, heranças e gestos diplomáticos consagrados em moedas e medalhas, que eram usadas como instrumentos de prestígio e poder. No núcleo singular de joias, encontram-se igualmente as ordens honoríficas, insígnias régias e outros objetos. 


Edifício contemporâneo, que se sobrepõe às existências da fachada neoclássica inacabada do Palácio Nacional da Ajuda - Instagram: @camara_municipal_lisboa


A prataria de aparato conta também com um núcleo próprio, onde se encontram as coleções particulares do rei D. Fernando II e do filho, D. Luís I, ávidos colecionadores, bem como uma secção dedicada às ofertas diplomáticas e cerimónias religiosas.

De destacar a famosa Baixela Germain, também com direito a um núcleo particular, encomendada em 1756, pelo rei D. José I, ao ourives da realeza francesa, François-Thomas Germain (também marchant de joias), em Paris, o qual desenhou e executou um serviço de mesa à la française constituído por mais de mil peças em prata fundida, repuxada, gravada e cinzelada.

Por fim, o tesouro real que acompanhou desde sempre a família real, constituído por joias, têxteis, serviços de mesa, peças de arte, etc., e que atravessou o Atlântico em 1807, aquando das invasões francesas, por fuga do rei D. João VI, da sua Corte, artistas e artífices, acabou por regressar também com o mesmo rei em 1821, como consequência da Revolução do Porto, embarcando uma parte significativa para Londres sem jamais tornar a Lisboa.

Isto, sem esquecer as tantas peças que se foram perdendo por terras de França e Itália, entre outras, confundindo-se os brasões portugueses com os locais e lesando o nosso tesouro, tornando-o irrecuperável no todo. 


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