quarta-feira, 23 de novembro de 2016

SOBREVIDA

Emanuela Carvalho

Há dois anos fui aprovada num concurso e designada a trabalhar no subúrbio. Não na avenida suburbana, linda, que passa na propaganda do prefeito, mas lá dentro, numa escola improvisada em contêineres.
Achei que Deus estava me castigando. Havia acabado de chegar da Europa, morando dois anos numa cidade linda, calma e agora estava numa realidade completamente diferente de tudo o que eu conhecia.
Chorava, pensava em desistir... Mas fui ficando e aprendendo a conviver com a realidade absurda do tráfico, da pobreza, da falta de investimento do poder público.
Hoje, sem demagogia e sem vergonha de assumir a minha soberba, na época movida pelo medo do desconhecido, agradeço a Deus pela oportunidade de mudar o meu olhar sobre a vida, sobre as pessoas, principalmente sobre mim mesma.
Ontem uma mãe me disse que o seu benefício do bolsa família havia sido cancelado, com a justificativa de que a criança era ausente na escola. A criança pouco falta, é ótima aluna, mas o que me doeu foi saber que ela recebe R$35,00 do governo (ou recebia), porque a criança recebe a pensão do pai de R$150,00.
Num cruzamento de dados, o governo chegou a esse valor. E agora suspendeu o pagamento.
Eu não consigo evitar... Sempre me coloco no lugar das pessoas... Penso em como seria, desempregada, cuidar de minha filha com R$180,00.
Penso tanto, que a tristeza chega e eu preciso me forçar a parar de pensar.
Não sei o que eu diria sobre isso há dois anos, antes de conviver diariamente com a realidade dessas pessoas, mas hoje, eu tenho certeza, isso não é vida... É sobrevida.

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