Cultos, alertas e chamados movem a bancada evangélica no Congresso
Grupo conta com 82 deputados e aprovou em comissão emenda à Constituição para proibir qualquer tipo de aborto no País
Eduardo Cunha, fiel da Assembleia de Deus e então presidente da Câmara dos Deputados, retardava o início dos trabalhos no plenário da Casa naquele 24 de setembro de 2015. Comprava tempo para que uma comissão especial concluísse a votação do Estatuto da Família.
Apresentado por um deputado evangélico, o projeto que define a família como entidade formada pela união de um homem com uma mulher passou por 17 votos. Doze deles vieram de parlamentares evangélicos.
A aprovação mostrava, logo nos primeiros meses da nova legislatura, que o grupo estava unido na defesa de seus interesses. Mostrava também o esforço dos deputados evangélicos de manter – e quiçá aumentar – o poder político alcançado nos quatro anos anteriores, quando ocuparam a Comissão de Direitos Humanos com o pastor Marco Feliciano (PODE-SP). Para esses deputados, Deus tem poder. A bancada evangélica precisa ter também.
O grupo é uma força em ascensão no Congresso Nacional. A cada legislatura, cresce em tamanho, capacidade de organização e influência. Levantamento do Estado indicou que, atualmente, essa bancada é composta por ao menos 84 parlamentares: 82 deputados e dois senadores.
É mais do que o dobro do número de parlamentares federais evangélicos que se elegeu em 2006, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o Diap. (Não há um dado oficial sobre o tema.)
Esses congressistas estão organizados na Frente Parlamentar Evangélica (FPE). Oficialmente, há 182 integrantes em exercício nela. No entanto, 105 deputados pertencem a outras religiões. Lá entraram com suas assinaturas somente para viabilizar a criação da frente, anabolizando a representação parlamentar evangélica na Casa. Para chegar à formação da bancada atual, o Estadão/Broadcast procurou cada um dos congressistas listados na FPE, além de parlamentares indicados pela presidência da Frente e deputados com atuação próxima ao grupo.
Os 84 parlamentares representam 23 Estados, 21 legendas e 19 denominações evangélicas. Uma vez no Congresso, porém, para boa parte deles as diferenças regionais e partidárias são esquecidas em prol da união em torno de pautas morais – ou de costumes, como alguns preferem classificar.
Votações que marcaram essa legislatura, como o impeachment de Dilma Rousseff ou a votação da PEC do teto de gastos, não entraram nas conversas da bancada. Não se trata de um grupo homogêneo. O que os une é a defesa dos “valores cristãos e da família”. Organizam-se para aprovar projetos favoráveis a essa plataforma e, especialmente, para barrar projetos desfavoráveis a ela. Na bancada evangélica, portanto, não há problema fiscal – não como um problema político a ser enfrentado. Ali não persevera o debate econômico.
Moscas
“
Não é no grito que vamos conseguir o que queremos, é no voto. Daí a importância de estarmos organizados, presentes. Não podemos comer mosca.”
Leonardo Quintão
DEPUTADO DO MDB – MG
Esse grupo de parlamentares sabe que abundam projetos de cunho moral. Por isso, o grupo evita pautas polêmicas e mantém uma estratégia bem definida de atuação política. Há prioridades claras e declaradas: impedir a realização de abortos, o debate sobre identidade de gênero nas escolas, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a liberação dos jogos de azar, a legalização das drogas (veja quadro abaixo).
Os Objetivos
Aborto
Impedir o avanço de projetos que ampliem as autorizações para aborto e restringir as possibilidades já previstas em lei.
União Homoafetiva
Bloquear iniciativas que reconheçam o direito ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Jogos de Azar
Vetar autorização para operação de bingos, cassinos e empreendimentos do tipo no País.
Identidade de Gênero
A bancada é contrária à abordagem do tema nas escolas.
Escola sem Partido
Aprovar lei que estabelece que o professor tem de respeitar o “direitos dos pais a que seus filhos recebam educação moral” de acordo com suas convicções.
Legalização das Drogas
A bancada se opõe à legalização de venda e consumo de drogas.
Orientação do grupo é bloquear iniciativas contra ‘valores cristãos’
Corria a manhã em Brasília quando o celular do deputado Hidekazu Takayama (PSC-PR) iluminou-se com alertas. O parlamentar e outros 156 fiéis participantes do chat “FP Evangélica” eram avisados pelo WhatsApp de que o relatório da Proposta de Emenda à Constituição 181 seria votado ainda naquela quarta, 8 de novembro de 2017. Era preciso que todos ouvissem o chamado.
A tarde caminhava para o fim quando a votação na comissão especial foi encerrada e o texto aprovado. A PEC 181 marcava um avanço na ousadia política dos evangélicos. Originalmente, era uma proposta para ampliar o tempo de licença-maternidade em caso de parto prematuro. No meio do caminho legislativo, um deputado da Frente Evangélica desfigurou o projeto. Este passou a incluir a ideia da “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”, tornando ilegal todo tipo de aborto – hoje permitido em casos de estupro, de risco à vida da mãe ou de bebês anencéfalos.
Graças às manobras do grupo, uma proposta claramente progressista tornava-se um projeto conservador de altíssimo impacto, com chances de prosperar na Câmara. De pé, braço erguido em celebração, Takayama, que é pastor da Assembleia de Deus Cristo Vive e presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), e duas dezenas de colegas reuniram-se ao redor da mesa que conduzia os trabalhos. “Vida sim! Aborto não!, entoaram, em comemoração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário