Argélia 1961 Soldado raso, durante vinte e seis meses nunca andarei armado. Sou jornalista para o exército. Caneta e Rolleiflex. O comandante da revista semanal me manda um dia no meio do deserto, o outro nos montes da Kabília.
Desta vez
estou num helicóptero a caminho do Atlas saariano, pelos lados de Aïn Sefra,
perto da fronteira com Marrocos, para escrever algo sem o mínimo interesse
sobre o magnânimo espírito de sacrifício das tropas. O Alouette II foi
concebido para três passageiros e o piloto. Costuma voar em baixa altitude. Parece
uma bolha de sabão. A visão é ampla. Diria que de 300 graus. Ao princípio não
me sentia muito seguro, um pouco angustiado. Mas já me acostumei.
A terra vai mudando de cor. Depois da estreita
faixa de verde ao longo do mar Mediterrâneo, aos poucos o solo torna-se mais
árido, amarelado, rios intermitentes, vilarejos esparsos. Chegamos aos contrafortes
da serra. Inóspita, rochosa, dura, com matizes do bege seco ao cinza sepulcral.
Será que, fora escorpiões e serpentes, tem alma viva neste deserto
montanhoso?...
Calor
intenso. Barulho ensurdecedor da hélice. De repente sobrevoamos algo como uma
improvável miragem. No meio dos picos íngremes, um lago de águas turquesas, perfeitamente
ovalado, rodeado de uma faixa branca que não conseguimos definir. Uma só casa, branca
também, imensa, apalaçada. Algumas palmeiras. Sobrevoamos por menos de um
minuto, mas um minuto que ficará para sempre na minha memória.
Ainda
levaremos um bom tempo até chegar ao acampamento. O helicóptero pousa sem
dificuldade num pequeno espaço verdejante, no meio de uma floresta de cedros. A
meu encontro vem o coronel com dois oficiais. Todos em uniforme de combate e
armados. É para mim sempre uma secreta ironia, já que o único galão que ostento
é o do jornal, ser recebido com certo decoro por militares de alta patente que
esperam uma boa repercussão de nosso encontro. Como é hora de almoçar, o
coronel me convida a sentar à sua mesa. E que mesa! Ampla, coberta com uma
toalha branca generosamente bordada, talheres de qualidade. Meu anfitrião é um
homem culto. Colocou como música de fundo um concerto. Mozart, Scarlatti ou
Haydn, não me lembro. Falamos de cinema, do último livro que leu. Aos poucos as
distâncias vão diminuindo. Está perto de se aposentar e a grande incógnita é
saber como irá se adaptar à vida civil. “No exército, é muito fácil. Cada um
tem seu lugar bem definido na hierarquia. Você sabe exatamente como se
comportar conforme a graduação. Mas no dia em que estarei vestido como qualquer
um, de paletó e gravata, como serei avaliado? E para mim, quais serão os signos
exteriores para adivinhar o nível do interlocutor? ”.
Que resposta
você, leitor, daria?
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde 28 / 11/ 2020.
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