No livro
“Manuel Quirino criador da culinária popular baiana” que o antropólogo Jeferson
Bacelar escreveu em parceria com Carlos Alberto Dória e tão gentilmente mandou levar
a minha casa, o capítulo sobre a presença dos franceses na Bahia do século XIX trouxe
à minha memória imagens de minha própria chegada nesta terra de tantas
santarias.
Vim pela
primeira vez em 1971 do Rio de Janeiro a tiracolo do académico Orígenes Lessa
na ocasião do casamento do João Jorge Amado. Voltaria dois anos mais tarde, com
dois amigos, logo a seguir ao carnaval. Daquela estada só me lembro termos ido
à Moenda, um estabelecimento onde havia samba ao vivo. Extraordinário. Em 1974,
pela terceira vez, voltei a Salvador, exausto após longa navegação pelo
Amazonas. Desembarquei num sábado de carnaval e muita chuva, me hospedando no
hotel Villa-Romana, rua Greenfeld.
O carnaval era
do tipo bonachão. Começava pelas 10 da manhã e terminava às onze horas da noite,
com o último transporte. Havia índios, crentes e pierrôs. Ao longo do percurso,
os moradores colocavam bancos e cadeiras na calçada para ver as alegorias dos
Mercadores de Bagdá passarem.
A Barra era
então um bairro unicamente residencial, muito tranquilo, longe das folias da
Avenida Sete. De manhã ia à praia do Farol e almoçava numa casa da Rua Alfonso
Celso com algumas mesas no quintal, bem básico, onde engolia uma macarronada
inexpressiva. Na segunda-feira resolvi me aventurar pela orla até Placafor.
Praia totalmente deserta, não fosse uma puxada de rede, igualzinha a um
inesquecível momento do balé do Katherine Dunham que vira, ainda adolescente,
em Casablanca.
Acabei finalmente me mudando para este país tropical em 21 de maio de 1975. Chovia. De novo. Era difícil encontrar açougueiro de qualidade e higiene. O pão, mesmo na Favorita, não me entusiasmava. Sem falar que o patrão, atrás da caixa, ostentava sempre uma máscara de poucos amigos. Nem bom dia, nem obrigado. Acabei desistindo da padaria.
Restaurantes, havia poucos. Na encantadora Casa da Gamboa, nos Aflitos, para que a fila de fregueses não desanimasse, Dona Conceição oferecia um delicioso licor de pitanga. Três franceses: Chez Bouillon, com seu famoso bife, Chez Bernard – cassoulet e profiterolles – e Chez Suzanne, no Porto da Barra, onde nunca cheguei a entrar. De italianos, o Bela Napoli, no Relógio de São Pedro. Massa sem sofisticação, mas pratão generoso. Bem perto a sorveteria Primavera me tinha como freguês assíduo, assim como as guloseimas europeias do Nubar, no Campo Grande. No passeio Público, com vista deslumbrante sobre a baía, o Perez era um porto sempre seguro.
Enfim, desde
minha Galeria da Sereia, atravessava o largo do Pelourinho na hora do almoço
com o diretor do IPAC e alguns funcionários. Naquela época, era tradicional a
batida de limão no histórico subsolo “O Tempo” do magérrimo Joaquim. Ele tinha
conseguido domesticar um urubu que reinava, soberbo, numa pilastra do fundo do
quintal. Nas prateleiras uma coleção de cachaças com folhas e até cobras!
Quase meio
século...
Lembro do Joaquim e do urubu!
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