Um dia na rampa (1955) é filme do tempo da rampa do Mercado Modelo de Salvador Bahia Brasil. O mercado modelo original popular, não o da atual antiga alfândega, presente mercado para turista.
O mercado do tempo do filme pegou fogo numa tarde de domingo, no paralelo da hora do futebol do Vitória contra o Bahia: evidências de um crime.
Cenas de Mestre Bugalho displicentemente jogando capoeira na beira do cais, retiradas de Um dia na rampa e inseridas no filme documento do processo público de inventariado da capoeira, constituem imagens decisivas no ganho de causa da capoeira: patrimônio imaterial do Brasil.
Mestre Bugalho em Um dia na rampa é uma aparição fantasmagórica, a concretude de uma realidade espiritual, alma da capoeira.
A imagem de um mandacaru envernizado para cena de filme de Jean Manzon é assombração manifesta.
Tudo é documento – vale o escrito –, mas cinematografia em sua essência lexicográfica pretende-se escrita da luz.
Um dia na rampa ainda em tempo de, no século XXI, anunciar a novidade cinematográfica de 1957: tempos de filmagem/ 1958: tempos de finalização. Mais ou menos por aí.
Um dia na rampa já era documentário de invenção, documentário poético e até documentário sensorial.
É do tempo do moderno. É filme sinfonia, filme de Neorrealismo, filme de Cinema Novo.
Um dia na rampa é dos precursores do Cinema Novo brasileiro.
Diante da máxima afirmativa anterior, é fundamental alardear a importância da compreensão da desnaturalização nos processos ideológicos que levam à memória e ao esquecimento. Memória não existe sem esquecimento e ambas são ações, conveniências, construções, embate contínuo de forças a serviço de poderes que necessitam ora lembrar, ora esquecer.
Quero dizer que, quando alguém diz sobre Um dia na rampa – ah, existe esse filme –, isso não é coisa do tempo. É coisa dos homens.
Somente para evocar mais um dos alardeados jargões culturais da contemporaneidade, declaro: por seu formato de produção, Um dia na rampa já era um coletivo dos artistas: Luiz Paulino dos Santos, Valdemar Lima, Marinaldo da Costa Nunes, David da Costa Nunes, Orlando Alcovia Rêgo, Luiz Ludwig, Genaldo da Costa Nunes e Fausto da Costa Nunes, mais agregados.
E, sem conversa, o filme alinhavava ficção e documentário para fazer um filme de cinema. Interessava era fazer o cinema.
No dizer do próprio Luiz Paulino dos Santos: “é um filme de 10 minutos que é como você pegar uma garrafa com água e despejar o conteúdo. Não precisa de narração, não precisa de texto, e o filme é claro e escorrido assim.”
Filme fluido: fluxo de Um dia na rampa, música das imagens em montagem eisensteiniana, língua de ideogramas, cada dois três planos um haikai baiano, sintonia oriental de Luiz Paulino dos Santos, intuição de quem havia sido estafeta e corrido as ruas todas de Salvador entregando telegramas.
O Brasil não pertence ao Ocidente.
André Sampaio
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