sábado, 14 de novembro de 2020

UMA MESA FORMAL



Já sei. O Facebook é agente da CIA e somos vigiados 25 horas por dia. Mas eu curto redes sociais. Só evito falar das bombas que colocarei nos quarteis e das criancinhas que devorei. Cruas e bem temperadas. Foi assim que entrei numa polêmica absurda que nunca existiria sem o FB.

Alguém publicou uma imagem com o título “Como pôr uma mesa formal”, assinada pelo Gourmet de Portugal. Uma versão que eu chamaria de “simplificada”, pois, em tempos remotos, já sentei em mesas até mais complexas. Impressionante foi a chuva de críticas e piadinhas que esta simples imagem provocou. Ora, não se tratava mais do que a representação de como colocar pratos, copos e talheres num cerimonial clássico. Qualquer diplomata saindo do Instituto Rio Branco sabe disso e nunca se atrapalhará ao sentar-se em uma mesa de complexa geografia. Aliás, a fama de excelência desta nobre casa é internacional.

Cada elemento compondo a mesa responde a rigorosa lógica. Da mesma forma que os pratos serão sempre servidos pela esquerda do participante e retirados pela direita. Regras e códigos de comportamento são essenciais para conviver em qualquer forma de sociedade. Podem ser transgredidos claro, mas isso terá um custo. Nossas maneiras à mesa são frutos de uma longa evolução, como a gastronomia, a saúde e a higiene. Até o século XI comia-se com os dedos. Quando Teodora, princesa bizantina, teve a audácia, em Veneza, de usar um garfo de dois dentes, aquilo foi considerado heresia pela Igreja, o talher sendo símbolo do Diabo.

Nos países árabes, a etiqueta exige que se coma com a mão, em vasto prato comum. Isso não significa que não haja regras. Só se deve usar três dedos da mão direita e unicamente a porção de comida que lhe corresponde. Nada de pegar um pedaço de carne além de sua área ideal. Lavam-se as mãos antes e depois da refeição. Em certas culturas arrotar é sinal de satisfação, de agradecimento.

Muitos países asiáticos usam palitos. A tigela ou o prato será levado, especialmente o arroz, bem perto da boca e o barulho de sução não será considerado inconveniente.

Em todas as culturas tradicionais a refeição é um ato de comunhão que pode até incluir reza. Senta-se à volta da mesa e cada um se servirá conforme a idade ou o parentesco. Quando um estranho é convidado a participar, ele será o primeiro servido.

No mesmo debate, uma pessoa declarou que, com ela, nada destas frescuras; “Pego meu prato, vou sentar no sofá e ligo a televisão”. Foi exatamente aquilo que me aconteceu quando, recém-chegado ao Brasil, fui convidado a almoçar em casa amiga. Levei isso como ofensa pessoal, como declaração de desrespeito, pois nunca tinha passado por esta situação e quase abandonei o recinto, desistindo do almoço.

Dimitri Ganzelevitch

Jornal A Tarde 14/11/20

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