quinta-feira, 14 de outubro de 2021

O SEGUNDO TAMAL


A Espanha deixou de herança para a América Hispânica a cultura da praça municipal chamada, conforme o país, Plaza Maior, Zócalo ou Plaza de Armas. Um grande retângulo formado por edifícios elegantes encabeçados pela igreja ou governadoria. Ou ambos. No meio, árvores sombreiam bancos públicos e o incontornável coreto que nenhuma administração ousaria derrubar sob pretexto de modernização.  

É justamente num daqueles bancos de ferro fundido, ostentando as armas da cidade que sentei para observar o povo passeando numa manhã de domingo no zócalo de Mérida. Cheguei no México no último dia de outubro para mergulhar no Dia dos Finados em Cuernavaca, hospedado por Maurício Maillé, hoje responsável pela prestigiosa coleção de arte contemporânea da Televisa. Entre outras recomendações, nunca-jamais comer na rua. Males terríveis me aguardam, podendo até virar jacaré. Durante quase um mês andei um pouco ao acaso, sem agenda nem pressa. No Yucatan ziguezagueei de Campeche a Chichen Itza e de Valladolid a reserva de Celestun com seus pelicanos, fragatas, íbis, garças, alcatrazes e os famosos, magníficos flamengos rosa, aos milhares.  

Hoje deve ser dia de festa. Gente entrando e saindo da catedral. Crianças correndo, mães caprichosamente vestidas com seu mais belo huipil branco bordado de flores, longa e pesada trança nas costas. Estou em terra maia. Povo baixo e forte, de traços generosos. Durante a noite, barracas foram montadas à volta da praça. Um grupo de mariachi, camisa branca e calça preta costurada a ouro, afina seus instrumentos. Chegou a hora do rango e eu com fome começando a rondar as barracas. Afinal, sempre gostei de comida de rua, seja em Damasco, Salvador, ou Bogota e nunca fiquei doente. Porque resistiria a tão convidativo perfume? Sento no banco de uma longa mesa ocupada por alegres nativos. Peço um tamal. Mas minha presença logo foi criando um silêncio. Não passo de gringo turista. Fazer o quê? O tamal vem quentinho na sua folha de bananeira, primo direto de nosso abará, só que de milho em vez de feijão. É uma viagem ao mundo encantado da gula. Impossível resistir a um segundo. De repente a mesa inteira, até então emudecida, se anima, sorri. Uma vizinha me pergunta: “Le gustó nuestro tamal? ”. Pronto! Fui adotado. Gostam de saber que não sou ianque. Agora o diálogo irá correndo fácil. As trombetas do mariachi tocam Amor Eterno.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 16 de outubro 2021

                                                                                         

Um comentário:

  1. Comi muchos tamales en el Peru, en donde vivi seis meses. Hay tamales dulces y salados y la hoja del platano tiene un olor y sabor inolvidable. Gracias por me recordar el sabor de los tamales.

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