quarta-feira, 15 de novembro de 2023

A FACE AGRÁRIA DE ARTHUR LIRA

 

De Olho nos Ruralistas detalha em novo dossiê a face agrária de Arthur Lira e seu clã em Alagoas


Donos de 20 mil hectares, ao lado dos Lira, os Pereira criam gado em terra indígena e vendem carne para prefeituras controladas pela família; relatório “Arthur, o Fazendeiro” revela violências, despejos e uso político sistemático da máquina pública

Por Alceu Luís Castilho e Luís Indriunas

Dossiê revela a dimensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira.

Ao ser perguntado sobre a origem de seu patrimônio, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), costuma dizer que enriqueceu graças aos bois. “Durante uma vida toda, desde os 16 anos de idade, tenho atividade pecuária”, disse no programa Roda Viva, da TV Cultura, em junho de 2023.

Gado e voto se misturam na trajetória de Lira: a ocupação de prefeituras e estatais por primos do deputado retroalimenta os negócios da família, que investe os lucros dos bois nas cavalgadas e vaquejadas eleitorais do clã no Agreste. Do clientelismo ao coronelismo, do patrimonialismo à truculência.

Durante seis meses, o núcleo de pesquisas do De Olho nos Ruralistas investigou as conexões agrárias e políticas das famílias Lira e Pereira, sobrenomes paterno e materno do presidente da Câmara. O resultado é o dossiê “Arthur, o Fazendeiro”, lançado nesta segunda-feira, 13 de novembro.

Com mais de 70 páginas, o documento detalha a dimensão do império agropecuário construído pela família. A equipe identificou 115 fazendas, que somam 20.039,51 hectares. Com elas, um histórico de violações de direitos humanos contado de forma inédita. Da criação de gado na Terra Indígena Kariri-Xocó ao despejo de uma família de camponeses.

A pesquisa revela a criação de uma rede de prefeituras e consórcios intermunicipais que atuam em benefício do clã, em diálogo direto com as verbas federais: dos tratores às cavalgadas, das escavadeiras às vaquejadas protagonizadas por Arthur e seu filho Alvinho.

Arthur César Pereira de Lira é filho de Benedito de Lira, o Biu, um velho político ruralista que comanda os dois clãs. Vem da mãe o sobrenome Pereira, tradicional família de fazendeiros e políticos de Alagoas. As famílias possuem, juntas, 17.321,10 hectares em Alagoas e 2.718,31 hectares no Agreste pernambucano, segundo levantamento do observatório.

Clique aqui para baixar o dossiê.

Dossiê identificou 115 fazendas pertencentes aos clãs Lira e Pereira. (Cartografia: Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)

CONFLITOS COM INDÍGENAS E CAMPONESES: O LADO OCULTO DO CLÃ

Parte do patrimônio dos clãs Lira e Pereira tem origem na compra de terras reivindicadas por povos indígenas e camponeses. É o caso de seis fazendas administradas pelos herdeiros de Adelmo Pereira — primo da mãe de Arthur — em São Brás (AL), às margens do Rio São Francisco. Os imóveis estão sobrepostos a 2 mil hectares da TI Kariri-Xocó, homologada por Lula em abril deste ano.

Bois da família Pereira pastam sobre área homologada da TI Kariri-Xocó. (Foto: Ilana Costa/De Olho nos Ruralistas)

Liderada pelo filho mais velho de Adelmo — o prefeito de Craíbas (AL), Teófilo Pereira — a família vende os bois criados dentro da terra indíigena para o frigorífico Dom Grill, fundado por um dos netos do patriarca. Esse gado é abatido em um matadouro público construído por outra parente, a ex-prefeita de Campo Alegre Pauline Pereira.

“Quando eles compraram, o Adelmo sabia, porque muita gente disse para que ele não comprasse essa terra”, diz o cacique Nadinho, um dos líderes do território. “O Adelmo disse: “Eu vou pegar essa briga com os índios”. Foi isso que nós soubemos”.

Em março de 2016, o Ibama embargou uma dessas fazendas pelo desmatamento de 259,60 hectares dentro da TI, em área próxima do Ouricuri, zona sagrada para a etnia. Em 2011, o MPF ajuizou uma ação civil pública contra Adelmo e outros três fazendeiros por destruírem, com “correntão”, 158,5 hectares de área indígena.

As fazendas dos Pereira são hoje o principal obstáculo à expansão dos Kariri-Xocó, que vivem confinados em uma área de 600 hectares no município de Porto Real do Colégio. “Nós queremos nossa área coberta é de mato”, conta o pajé Julio Queiróz Suíra. “O mato é o que garante a terra e a sobrevivência de quem vive dentro dela”.

Em Quipapá (PE), na outra ponta do império agropecuário do clã, é o próprio Arthur Lira quem promove as violências. Em agosto de 2023, os agricultores Cícero e Maria José Silva foram obrigados a sair do seu sítio, onde viviam há mais de 50 anos, por causa de uma reintegração de posse movida pelo presidente da Câmara.

A área de cinco hectares faz parte da Usina Engenho Proteção, comprada por Lira em 2008. “Meus sete filhos foram quase todos criados lá”, contou o agricultor ao De Olho nos Ruralistas. Os camponeses foram despejados e agora são obrigados a pagar aluguel na cidade.

Dossiê identificou seis imóveis sobrepostos à Terra Indígena Kariri-Xocó. (Cartografia: Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)

EMPRESAS DOS PEREIRA LUCRAM COM PREFEITURAS COMANDADAS PELA FAMÍLIA

De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos treze licitações para fornecimento de carne e outros materiais em benefício do clã. Os contratos foram firmados entre empresas do clã Pereira e seis prefeituras comandadas por familiares. As atas de registro de preços já totalizam pelo menos R$ 8,31 milhões.

Pauline Pereira em reunião com Renan Filho: ao lado, Nicolas (Dom Grill) e Jó Pereira. (Foto: Divulgação/Adeal)

A primeira licitação encontrada foi entre o frigorífico Dom Grill e a prefeitura de Campo Alegre. No dia 17 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial dos Municípios de Alagoas uma ata de registro de preços para a aquisição de 8,55 toneladas de carne de boi moída e resfriada da Dom Grill, pelo valor de R$ 102.514,50.

A Dom Grill, uma marca gourmet com lojas em Arapiraca e Maceió, é a mesma que compra bois de terras indígenas e patrocina os leilões de gado e as vaquejadas da família. Seu dono é Nicolas Agostinho Pereira, filho de Noêmia Pereira, prima de Pauline Pereira, que era prefeita de Campo Alegre na ocasião. Antes de vencer a licitação, Nicolas contou com o apoio da reforma do abatedouro municipal do mesmo município.

A prima Pauline, apontada no relatório como principal elo entre os negócios e a política, é irmã de Joãozinho Pereira, superintendente regional da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) em Alagoas.

Ex-prefeito de Teotônio Vilela, outro município com licitações entre parentes, Joãozinho Pereira tornou-se peça fundamental para a política de Arthur Lira, garantindo a concentração de poder no Estado a partir do orçamento federal.

Licitações beneficiam negócios rurais do clã Pereira. (Cartografia: Eduardo Carlini/De Olho nos Ruralistas)

NA CODEVASF, PRIMO DE LIRA GARANTE PALANQUE CONTRA OS CALHEIROS

A relação entre Codevasf e Arthur Lira vem de antes da entrada do primo Joãozinho na estatal. A companhia foi o veículo para o “tratoraço”, o braço agrário do orçamento secreto, que distribuiu R$ 3 bilhões em equipamentos superfaturados para os aliados do governo Bolsonaro.

Entre os beneficiários estava o município de Junqueiro, onde o pai de Joãozinho, conhecido pelo apelido “Prefeitão”, comandou por quatro mandatos. Seu sucessor foi o próprio filho, Fernando Pereira (PP), hoje deputado estadual. Joãozinho entrou na Codevasf um mês após estourar o escândalo.

Arthur e Joãozinho Pereira comemoram a entrega de tratores do orçamento secreto ao lado de Fernando Collor. (Foto: Facebook/Joãozinho Pereira)











Com a eleição de Lula, em 2022, Lira traçou uma nova estratégia para manter o fluxo de emendas parlamentares para sua base eleitoral. Enquanto os tratores e obras da Codevasf continuavam sendo entregues por Joãozinho, o presidente da Câmara fortaleceu as ações junto ao Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano (Conagreste), comandado por dois aliados regionais — um deles, seu primo Teófilo Pereira.

“Todo o desenvolvimento foi feito na Câmara para que os consórcios recebam as emendas diretamente, sem passar mais pelos governos dos estados”, explicou o próprio Arthur Lira durante um evento de entrega de tratores e equipamentos agrícolas para prefeituras em 28 de junho, em Arapiraca (AL).

Por trás dos bois e tratores está a disputa política pelo controle de Alagoas, cujo governo está hoje em mãos do grupo político do senador Renan Calheiros (MDB), principal rival de Lira no estado.

Em 2022, o Conagreste criou um serviço consorciado de inspeção sanitária municipal (SIM) que prescinde da anuência da Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal). A operação beneficia os próprios negócios da família: o matadouro municipal de Campo Alegre, onde o frigorífico Dom Grill abate seus bois, é um dos estabelecimentos fiscalizados pelo SIM Conagreste.

TRUCULENTO, PRIMO DE LIRA COMANDA O INCRA E PROJETA A PREFEITURA DE MARAGOGI

Wilson César de Lira Santos é filho de Eliete de Lira Santos, uma das irmãs mais próximas de Benedito de Lira. Foi do tio — e não de Arthur — a indicação para que ele chefiasse o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas. A esposa de César, Livia Costa Saleme, foi secretária parlamentar de Biu no Senado.

César Lira prestigia reeleição de Arthur na Câmara ao lado do primo Sérgio, prefeito de Maragogi. (Foto: Instagram/César Lira)

César Lira assumiu o órgão, em 2017, no governo Michel Temer. Seis anos depois, ele continua no cargo, mesmo enfrentando protestos de movimentos sociais e repetidas acusações de agressão.

De Olho nos Ruralistas ouviu diversos relatos de intimidação a camponeses protagonizados pelo primo de Arthur Lira. Inclusive com violência física. Em 10 de agosto de 2020, o camponês Gilvan Emidio da Silva, ex-presidente do Assentamento Prazeres, de Flexeiras (AL), participava de uma reunião, quando foi interrompido com empurrões e tapas por César Lira.

Enquanto se mantém no Incra, ele prepara terreno para disputar as eleições de 2024, substituindo outro primo. Em seu segundo mandato em Maragogi, Sérgio Lira (PP) tenta fazer de César seu sucessor na prefeitura de um dos principais destinos turísticos do litoral alagoano. O superintendente tem dado atenção especial ao município: em  sete anos, as ações do órgão cresceram 980% e mais de 500 títulos de terra foram distribuídos.

Ao mesmo tempo em que enfraquece os movimentos de luta pela terra, César reproduz outra prática comum da família: a entrega de serviços públicos em troca de apoio político.

ARTHUR LIRA APOSTA NO FILHO CAÇULA PARA CONTINUAÇÃO DA DINASTIA

Dentro da lógica coronelista, Arthur Lira prepara os filhos para a pecuária e a política, assim como fez seu pai. Arthurzinho, o mais velho, passa boa parte de seu tempo em Brasília, onde negocia verbas de publicidade através de sua agência, a Omnia360º.

Frigorífico Dom Grill promove leilões e vaquejadas dos clãs Lira e Pereira. (Foto: Divulgação/Dom Grill)










O caçula Álvaro, ou Alvinho, aparece quase sempre no pódio dos torneios realizados no Parque Arthur Filho. Apaixonado por cavalos e, como o pai, puxador de vaquejadas, ele acompanha de perto os negócios da família, dividindo o tempo entre as visitas ao pai e o dia a dia nas fazendas em Alagoas. Os dois jovens são fruto do relacionamento de Lira com Julyenne Lins e romperam relações com a mãe.

É em Alvinho que Arthur deposita as esperanças de perpetuar o clã político. Prestes a completar a maioridade, ele deve debutar na política ainda em 2024: ele quer disputar uma vaga de vereador em Maceió.

Para seguir os passos do pai, Alvinho conta com o apoio incondicional do clã Pereira. Nas redes sociais, ele exibe sua habilidade em cima do cavalo, durante provas de vaquejada disputadas no Parque Evânio Higino, em Campo Alegre. Ao fundo, em destaque, um balão exibe a logo do frigorífico Dom Grill — aquele dos contratos com prefeituras.

Seja dentro ou fora da vaquejada, a família Pereira patrocina Arthur Lira.

Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |

| Luís Indriunas é roteirista e editor-assistente do observatório. 



Prefeituras comandadas por primos de Arthur Lira contrataram R$ 8 mi de empresas da própria família

IN DE OLHO NA POLÍTICADE OLHO NO AGRONEGÓCIODE OLHO NO CONGRESSOEM DESTAQUEPRINCIPALÚLTIMAS
Arthur Lira recebe a prima Pauline Pereira em comício. (Foto: Facebook/Pauline Pereira)

Dossiê “Arthur, o Fazendeiro” identificou 13 licitações vencidas por empresas do clã Pereira em municípios comandados por parentes do presidente da Câmara em Alagoas; frigorífico que compra bois em terra indígena e filho da ex-prefeita Pauline Pereira são os principais beneficiários

Por Katarina Moraes e Bruno Stankevicius Bassi

Pauline de Fátima Pereira Albuquerque exerce um papel central no clã comandado por Arthur Lira (PP-AL). Ela é a principal ponte entre o império agropecuário e a face política da família em Alagoas. Entre os bois e as urnas mora o uso da máquina pública para beneficiar os negócios dos Pereira.

Dossiê revela a dimensão do império agropecuário dos clãs Lira e Pereira.

Publicado na segunda-feira (13/11), o dossiê “Arthur, o Fazendeiro” esmiúça a face agrária do líder do Centrão. A partir de bases de dados da Receita Federal, De Olho nos Ruralistas identificou pelo menos 47 empresas que têm, como sócios, integrantes das família Lira e Pereira, os dois braços do presidente da Câmara em Alagoas. Desse total, 33 constam como ativas no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). A partir da lista, nossa equipe vasculhou os portais de transparência de seis municípios alagoanos geridos, nos últimos doze anos, por familiares de Arthur Lira.

O levantamento identificou pelo menos treze licitações de fornecimento de carne e outros materiais, firmados entre essas empresas e as prefeituras de Campo Alegre, Junqueiro e Teotônio Vilela. Os contratos somam R$ 8,31 milhões.

O maior beneficiário das contratações é o Frigorífico Dom Grill, de Nicolas Agostinho Pereira dos Santos, que adquiriu 472 cabeças de gado oriundas da área demarcada da Terra Indígena Kariri-Xocó: “Família de Arthur Lira destruiu mata sagrada dos Kariri-Xocó em Alagoas“. Dos cinco contratos assinados pela empresa, apenas três tiveram os valores divulgados. Estes somam R$ 3,9 milhões.

A primeira parceria firmada entre Nicolas e seus primos ocorreu em Campo Alegre, no último ano da gestão da prefeita Pauline Pereira. No dia 17 de junho de 2020, foi publicada no Diário Oficial dos Municípios de Alagoas uma ata de registro de preços para a aquisição de 8,55 toneladas de carne de boi moída e resfriada da Dom Grill, pelo valor de R$ 102.514,50. A ata de preços é um documento de caráter vinculante utilizado na administração pública, cuja assinatura pressupõe uma obrigação entre as partes e precede a formalização do contrato de serviços.

O frigorífico venceu outras duas licitações abertas por Pauline e finalizadas em 2021, durante o mandato de seu sucessor, Nicolas Teixeira Tavares Pereira, o Colinha (PP). Na principal, os lotes adquiridos do frigorífico somam R$ 2,28 milhões. Além dos contratos em Campo Alegre, a empresa conquistou um pregão de R$ 1,51 milhão em Junqueiro, governada à época pelo prefeito Carlos Augusto (PP), um importante aliado dos Pereira na região. Os dados constam no Diário Oficial.

As relações de parentesco são próximas: Nicolas Agostinho é neto de Adelmo Pereira, enquanto Colinha é filho de Oceano Tavares Teixeira. Os dois, já falecidos, eram irmãos de João José Pereira, o “Prefeitão”, pai de Pauline.

Mas a identificação da genealogia não foi imediata. Isso porque o fundador da Dom Grill costuma ocultar o sobrenome Pereira, assinando como Nicolas Agostinho P. Santos. É essa a razão social que aparece nos contratos com as prefeituras e nos rótulos dos produtos vendidos em sua casa de carnes, com sede em Campo Alegre e filiais em Maceió e Arapiraca.

De Olho nos Ruralistas tentou contato com as prefeituras e empresas citadas no dossiê, bem como junto ao gabinete de Arthur Lira. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.

Licitações beneficiam negócios rurais do clã Pereira. (Imagem: De Olho nos Ruralistas)

DOM GRILL ABATE GADO EM MATADOURO CONSTRUÍDO PELA PRIMA

Segundo Nicolas Pereira, a escolha do município que abrigaria a Dom Grill ocorreu devido à presença do Matadouro Municipal de Campo Alegre, construído em 2013, durante o primeiro mandato de sua prima Pauline.

Sem uma unidade de abate própria, o frigorífico de Nicolas destina a maioria dos animais criados em fazendas do clã Pereira para esse matadouro público, conforme descrito nas Guias de Trânsito Animal (GTA) anexadas ao processo do espólio de Adelmo, às quais a reportagem teve acesso. A operação da Dom Grill depende disso para se manter viável.

Matadouro utilizado pela Dom Grill foi interditado por insalubridade em fevereiro de 2023. (Foto: Reprodução/IMA)

Trata-se, portanto, de uma cadeia verticalizada. Cada etapa do processo agropecuário é controlada pela família, que também utiliza as unidades da Dom Grill para comercializar os queijos e laticínios produzidos na Fazenda Engenho Velho pela JJPZ Agropecuária.

Mais uma vez os nomes ocultam a origem: os produtos são vendidos sob a marca Engenho do Queijo, enquanto o nome da empresa vem das iniciais de Joãozinho, Jó, Pauline e Zirleno, os quatro filhos mais velhos do Prefeitão. Localizada em Junqueiro, às margens da BR-101, a propriedade é uma das principais referências na criação de gado Gir Leiteiro em Alagoas e “exporta” sua genética para pecuaristas de todo Brasil. Entre os patrocinadores dos leilões consta o frigorífico Dom Grill.

O controle da comercialização não é o bastante para os Pereira. Paralelamente, a família tenta amarrar a última ponta solta: o sistema de inspeção agropecuária.

Em fevereiro de 2023, o Matadouro Municipal de Campo Alegre foi interditado pelo Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) por insalubridade. Os fiscais flagraram gatos e cachorros revirando restos de bois espalhados pelo abatedouro, e sangue, fezes e outros rejeitos correndo diretamente para o solo. A interdição durou menos de uma semana, graças à intervenção do prefeito Colinha e do deputado estadual Fernando Pereira, irmão de Pauline.

Ao comunicar a retomada dos abates, o mandatário de Campo Alegre fez questão de destacar que o abatedouro possuía o selo de verificação outorgado pela Agência Gerenciadora de Inspeção do Matadouro de Campo Alegre (Agimca). A Agimca, por sua vez, opera em convênio com o Sistema de Inspeção Municipal do Consórcio Intermunicipal do Agreste Alagoano (SIM/Conagreste). O Conagreste tem, como vice-presidente, ninguém menos que Teófilo Pereira, tio de Nicolas Agostinho e primo de Colinha e Pauline.

O uso do matadouro público não tem só motivações econômicas: em 2022, o atual prefeito de Junqueiro, Leandro Silva, acusou Colinha, seu rival, de proibir o uso do matadouro por produtores do município.

Dossiê apresenta a genealogia da linhagem materna de Arthur Lira. (Imagem: Felipe Fogaça/De Olho nos Ruralistas)

DE MÃE PARA FILHO

A relação de Nicolas com os filhos do Prefeitão sempre foi bastante próxima. Pauline e a irmã, a deputada Jó Pereira, estiveram presentes na cerimônia de assinatura do Registro Estadual de Estabelecimento do frigorífico, entregue em mãos pelo então governador Renan Filho, em dezembro de 2018. Em janeiro de 2021, foi a vez de Joãozinho e Fernando prestigiarem o primo durante a inauguração da primeira unidade da Dom Grill em Maceió.

Clã Pereira reunido em inauguração do frigorífico Dom Grill, uma das peças centrais do império agropecuário. (Foto: Instagram/Dom Grill)

Em uma das fotos, Nicolas posa com Renan Filho. Até aquele momento, Renanzinho mantinha boas relações com o clã Pereira. A ruptura viria em 2022, após um desentendimento entre Arthur Lira e seu pai, o senador Renan Calheiros.

No mesmo clique, abraçando o ex-governador, aparecem o empresário Dudu Albuquerque e Eduardo Medeiros Albuquerque. Eles são, respectivamente, marido e filho de Pauline Pereira. Dois meses antes da inauguração, Dudu fora preso em Arapiraca, por porte ilegal de arma de fogo. Em 2017, durante um breve período, o marido da ex-prefeita de Campo Alegre ocupou um cargo comissionado no gabinete do ex-senador Fernando Collor.

Assim como Nicolas, o filho de Pauline abrevia o Pereira do nome. Sua empresa, o frigorífico E.P. de Albuquerque Ltda., venceu cinco licitações em municípios controlados pela família entre 2019 e 2020. Os contratos são relativos ao fornecimento de merenda escolar e somam R$ 2,70 milhões.

Quatro deles ocorreram em Teotônio Vilela, governada à época pelo tio de Eduardo, Joãozinho Pereira. No maior deles, foi registrada a ata de registro de preços para 30 toneladas de carne bovina, ao preço de R$ 797 mil. O último contrato foi registrado em 30 de outubro de 2020, relativo à “aquisição de gêneros alimentícios” pela prefeitura de Junqueiro, na ordem de R$ 1,06 milhão. Essa licitação também contou com a participação do frigorífico Dom Grill.

Dudu (de boné) e Eduardo (polo vermelha) posam com ex-governador Renan Filho e o primo Nicolas. (Foto: Instagram/Dom Grill)

A empresa de Eduardo Pereira possui dois CNPJs registrados em Campo Alegre. O primeiro, da matriz, está ativo; o segundo, de uma subsidiária, foi baixado pela Receita Federal em 2023. Nenhum dos endereços parece abrigar um frigorífico ou uma casa de carnes. Um deles, referente à matriz, abriga o restaurante Point da Gastronomia. O outro, localizado na Rodovia Teotônio Vilela, não pôde ser encontrado. Tampouco há endereços ligados à marca comercial da empresa, Top Carnes.

O outro filho de Pauline e Dudu também foi beneficiado pelas licitações. Talvanes de Albuquerque Pontes Neto, sócio da Avante Distribuidora Ltda., venceu um certame cujo teto era de R$ 80 mil para fornecer materiais de limpeza, higiene e descartáveis ao município de Campo Alegre. O valor final não foi informado.

Uma das empresas participantes da licitação, a MRB Distribuidora de Acessórios Empresariais Eireli, chegou a entrar com um recurso administrativo contra a contratação da Avante. Alegou que a empresa de Talvanes não cumpriu com as exigências do edital. A procuradoria geral do município declarou depois que a Avante estava habilitada e manteve o contrato.

Ainda em Campo Alegre, o marido da deputada Jó Pereira, André Luiz de Mello Feitosa, ganhou uma licitação de R$ 1,64 milhão em 2017, por meio da empresa Mello & Barbosa Comércio e Serviços de Locação Ltda. André também fechou negócios em Junqueiro, em 2011, enquanto o cunhado, Fernando Pereira, era prefeito. A empresa dele, que até então se chamava Téo Gas Ltda, venceu um pregão de R$ 69 mil para abastecer as secretarias e órgãos municipais com água mineral e gás engarrafado.

O PAPEL FUNDAMENTAL DA FAMÍLIA PEREIRA

A aliança com a família Pereira permitiu a Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara, chegar em lugares improváveis para o rapaz franzino que, aos 24 anos, estreara na vida pública como vereador da pequena Junqueiro. No fim dos anos 1960, mudou-se para Maceió, onde teve, com Ivanete Pereira, seu primogênito, Arthur. Na capital, tornou-se vereador, depois deputado estadual por quatro mandatos. Brasília estava a um pulo: se elegeu deputado federal em 1994 e, em 2010, alcançou o Senado. Em 2020, após dois anos sem mandato, retornou à política local ao se eleger prefeito de Barra de São Miguel, no litoral alagoano.

Biu e Arthur durante visita do deputado a Barra de São Miguel. (Foto: Facebook/Benedito de Lira)

Ao longo desses anos, Biu manteve relações próximas com a família de Ivanete, mesmo após o divórcio. Em especial com João José Pereira, o Prefeitão, a quem chamava de “primo-irmão”. Após o falecimento dele, em 2010, Biu transferiu o carinho para os filhos do político junqueirense: seu afeto por Pauline é notório e pode ser constatado em dezenas de fotos publicadas nas redes sociais de um e de outro.

Ao assumir seu assento no Senado, Benedito de Lira se consolidou como patriarca de sua família de “consideração”. Essa condição foi reforçada pela morte de Adelmo Pereira, com quem o Prefeitão tocava seus negócios agropecuários.

Foi nesse período que o clã, em sua segunda geração, passou a eleger representantes em outros municípios do Agreste alagoano. Em 2008, Fernando Soares Pereira foi eleito prefeito de Junqueiro, retomando o cargo perdido no pleito anterior por seu primo Pedro Henrique Pereira, o Peu — escolhido pelo Prefeitão para sucedê-lo nas eleições de 2004. Peu conquistou em 2008 a prefeitura de Teotônio Vilela, sucedendo a outro João José: dessa vez o filho, Joãozinho Pereira.

Benedito de Lira abraça a afilhada política em evento da prefeitura de Campo Alegre. (Foto: Facebook/Pauline Pereira)

Em 2012, Pauline Pereira venceu a disputa em Campo Alegre. Fernando e Peu se reelegeram. Nas eleições seguintes, novas conquistas. Em Teotônio Vilela, Peu devolveu o bastão a Joãozinho, que abandonou o mandato na Assembleia Legislativa para voltar à prefeitura do município. Em Junqueiro, Fernando elegeu seu vice, Carlos Augusto Almeida. Pauline foi reeleita em Campo Alegre.

Em 2020, foi a vez de Teófilo Pereira, filho de Adelmo e administrador das fazendas em terra indígena, vencer as eleições em Craíbas após amargar derrotas nos três pleitos anteriores. Enquanto isso, em Junqueiro, Carlos Augusto perdia a reeleição para Cícero Leandro Pereira da Silva. O Pereira no nome não é coincidência: Leandro pertence a um ramo distante da família. Apoiado por Renan Calheiros, ele e seus irmãos se tornaram os principais rivais do clã na região.

Ainda em 2020, Fernando foi derrotado ao tentar expandir a influência para um novo município, São Miguel dos Campos. Em Campo Alegre, Pauline elegeu outro primo, Nicolas Colinha, para sucedê-la. E Peu retornou à prefeitura de Teotônio Vilela, após Joãozinho ser impedido de concorrer à reeleição: ele e a irmã foram condenados a ressarcir R$ 205 mil ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) devido a uma fraude ocorrida em licitações para merenda escolar. Isso ocorreu em 2005, quando Joãozinho era prefeito e Pauline secretária de Finanças de Teotônio Vilela.

As articulações políticas envolvem a Assembleia Legislativa. Desde 2010, os irmãos Joãozinho, Jó e Fernando exerceram, sucessivamente, os mandatos de deputados estaduais. O deputado de plantão é agora Fernando, o caçula, já que sua irmã, Jó, disputava o governo estadual como vice de Rodrigo Cunha (PODE). Apoiada por Bolsonaro, a chapa foi derrotada pelo candidato de Renan Calheiros, Paulo Dantas (MDB). Fernando atualmente preside a Comissão de Agricultura e Política Rural da Assembleia.

Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

Katarina Moraes é jornalista. |

Foto principal (Facebook/Pauline Pereira): com adesivo de Fernando Pereira no peito, Arthur Lira recebe a prima Pauline em comício.



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