sábado, 26 de outubro de 2019

E O MUSEU DO AZULEJO?

UM TEXTO DE 2008 QUE AINDA NÃO PERDEU A ATUALIDADE

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Há muitos anos venho afirmando o óbvio. Salvador menospreza seu acervo de azulejaria. Uma pequena prova? Não existe UM cartão postal reproduzindo algum painel ou detalhe de azulejo. São milhares em Portugal, no México e na Turquia.
Alguns talvez se lembrem, na década de 90, da agressão à fachada da igreja de São Francisco, cujos azulejos tinham sido fartamente atacados com furadeira elétrica para a instalação de gambiarras luminosas. Nem o desprezado Ipac, nem o ignorado Iphan, nem mesmo os monges do próprio convento tinham reclamado do vandalismo. Quem entrou com queixa no Ministério Público, fui eu, confirmando assim, mais uma vez, minha reputação de chato. Assumido. Durante meses a entidade responsável se escondeu. Descobriu-se finalmente que a agressora era a Emtursa do Imbassahy!

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Falar de patrimônio de azulejos não se limita aos seiscentistas, cada vez mais raros, com a incúria dos órgãos responsáveis - o exemplo mais flagrante sendo o pátio da Casa das Sete Mortes, criminosamente abandonada durante mais de 30 anos, assim perdendo um conjunto excepcional - nem aos ricos azulejos barrocos e neoclássicos: igrejas de São Francisco, a Misericórdia, Rosário dos Pretos, Carmo, Boa Viagem, Reitoria da Ufba... A lista é longa.
Produção sempre portuguesa, já que uma exigência do governo centralizador de Lisboa proibia a fabricação local.

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O mais injustiçado é o patrimônio de fachadas revestidas de azulejos ao longo do século XIX. Quem for a passear pela Mouraria, Saúde, Lapinha, Barbalho, Santo Antônio, Ribeira, ficará deslumbrado com a riqueza das ornamentações e deprimido pelo descaso de tão significativo conjunto. Salvador em nada fica a dever à bela cidade de São Luís do Maranhão. A diferença é que lá, os casarões azulejados estão todos concentrados na mesma área, enquanto aqui, em Salvador, os remanescentes do descaso e da especulação imobiliária se espalham por boa parte da cidade.

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E isso nos leva a abordar o desconfortável assunto do Museu Udo Knoff, no Pelourinho.
O alemão, que conheci logo quando aqui cheguei, em 1975, era um grande pesquisador, um técnico emérito e, sobretudo, um apaixonado. A Bahia lhe deve profunda gratidão pela visão preservacionista num momento em que pouco a sociedade se importava com “aquelas velharias”.
Até falecer, sua esposa colaborava com extrema sensibilidade nas criações da oficina. Viúvo, Udo não soube manter o conceito artístico e as últimas realizações carecem de emoção. Não sei, nem quero saber, de quem partiu a ideia deste tristemente redutor mausoléu ao lado do restaurante da Dadá. As obras do alemão demonstram limitações pouco compatíveis com tão elevada proposta.
Na verdade, o que Salvador precisa, em caráter de urgência, é de um Museu do Azulejo inspirado - perdão pela ousadia - no belíssimo conjunto da Madre de Deus, em Lisboa, referencia obrigatória.
Arte decorativa oriunda do Iraque, o azulejo abordou em solos ibéricos antes mesmo - aceito contestações - de inundar a Pérsia e o mundo otomano. Pulou por cima do Atlântico logo no século XVI e se espalhou pelo Brasil, México, Colômbia e o resto da América Latina.

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Quem for a Buenos-Aires poderá admirar belos painéis de azulejos até no metrô!
Mas não é somente de épocas passadas que podemos nos orgulhar, pois não faltam obras de Carybé, Jenner Augusto e muitos outros espalhados pela cidade. Até o Jorge Barradas, tido como o maior ceramista português do século XX, de quem tive a honra de ser aluno na fábrica da Viúva Lamego, deixou aqui sua marca com os dois grandes painéis do Clube Português que, salvos in extremis das escavadeiras do atual prefeito, hoje estão no hospital lusitano.
A perspectiva da criação deste Museu do Azulejo torna-se mais plausível que um Museu da Cidade, já que, no caso, seria uma realização do governo estadual.
Agora, quem vai sensibilizar as entidades responsáveis para tão importante tarefa?
Fotografias do Museu do Azulejo em Lisboa.
Dimitri Ganzelevitch 
Salvador, 31 de outubro de 2008.

Um comentário:

  1. Amigo Dimitri, conheço bem o maravilhoso Museu do Azulejo em Lisboa, e é muita pretensão sua querer algo semelhante para Salvador. Infelizmente, aqui, só se admira o porcelanato, daí a cultura baiana só crescer como rabo de cavalo - sempre para baixo !...
    Lafayette Pondé Filho
    Lafayette Pondé Filho

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