quarta-feira, 30 de outubro de 2019

RETÓRICA DE AMEAÇA


Crise no Chile mexe com instintos primitivos do bolsonarismo

POR BERNARDO MELLO FRANCO




As manifestações no Chile mexeram com os instintos mais primitivos do bolsonarismo. Em visita à China, o presidente Jair definiu os protestos como “atos terroristas”. Dias antes, no Japão, chamou de “bárbaros” os chilenos que tomaram as ruas contra o aumento do custo de vida e a piora dos serviços públicos.
O governo de Sebastián Piñera respondeu ao início da crise com uma repressão brutal. Pôs o Exército nas ruas e ressuscitou o toque de recolher da ditadura Pinochet. Depois de 20 mortos e mais de uma centenas de feridos, o presidente decidiu recuar. Pediu desculpas à população, recolheu a tropa e anunciou reformas sociais.
Em pronunciamento na TV, o conservador Piñera admitiu que os chilenos têm motivos para reclamar. Disse que as últimas gestões, incluindo as dele, não foram capazes de perceber a insatisfação popular. “Reconheço e peço perdão por essa falta de visão”, penitenciou-se.
O mea culpa não parece ter convencido o governo brasileiro. Segundo Bolsonaro, os protestos no Chile fariam parte de um complô de partidos de esquerda da América Latina. “A intenção deles é atacar os EUA e se autoajudarem”, acusou. A tese conspiratória foi endossada pelo ministro Augusto Heleno, que falou num conluio da “esquerda radical” para “conturbar a vida”, “tentar retornar ao poder de qualquer maneira e nos jogar no abismo”.
Nos últimos dias, Bolsonaro levantou ao menos três vezes a hipótese de convocar as Forças Armadas para reprimir protestos até agora inexistentes no Brasil. Ele tem falado repetidamente em acionar o artigo 142 da Constituição, que permite convocar as tropas para a garantia “da lei e da ordem”. Nas redes sociais, militantes bolsonaristas evocam o mesmo artigo em defesa de uma “intervenção militar” no país.
Ontem o deputado Eduardo Bolsonaro escancarou o tom de ameaça. Na Câmara, ele disse que os oposicionistas “vão querer repetir no Brasil o que tá acontecendo no Chile”. “Não vamos deixar isso aí vir pra cá. Se vier pra cá, vai ter que se ver com a polícia. E se eles começarem a radicalizar do lado de lá, a gente vai ver a História se repetir. Aí é que eu quero ver como é que a banda vai tocar”, desafiou. Deixou a tribuna sob vaias e gritos de “golpista”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário