quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

MAIS UM CASO EXCEPCIONAL


 Thainara Vitória Francisco Santos, mulher negra de 18 anos, não morreu em 14 de novembro de 2024 porque se sentiu mal e teve tontura dentro de uma viatura após ser detida pela polícia em Governador Valadares, como alegaram os PMs envolvidos na ação. Thainara morreu por asfixia causada por estrangulamento. É o que revela o laudo parcial da perícia, feita pela Polícia Civil e obtido com exclusividade pelo Intercept Brasil

A análise do legista atesta que a jovem foi asfixiada até a morte. Também cita que ela tinha hematomas no crânio, hemorragia, além de escoriações, inchaços e marcas roxas nos pés, pernas, pescoço, braços e rosto. Nada disso condiz com seu estado de saúde quando foi levada para uma viatura pela PM, segundo testemunhas que acompanharam a abordagem policial. 

Thainara, mãe de uma criança de quatro anos, foi detida no dia 14 de novembro de 2024, no prédio onde morava, após tentar defender seu irmão de 15 anos, autista, deficiente intelectual e portador de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade, TDAH, de uma abordagem policial violenta. 

Na ocasião, os policiais alegaram que após a apreensão de um adolescente no local teve início uma confusão generalizada e agentes foram agredidos por moradores. A versão oficial era de que dois jovens, Thainara e um homem, foram presos. Ela, ao entrar na viatura, teria apresentado fraqueza e ânsia de vômito, e depois morrido no hospital.

No entanto, o laudo, imagens e depoimentos de testemunhas e de médicos obtidos pelo Intercept revelam uma série de contradições no depoimento dos policiais. Eles mostram que Thainara foi violentamente espancada, depois asfixiada e já chegou morta à Unidade de Pronto Atendimento.

Segundo o documento, o exame legista foi realizado em uma “mulher que perdeu consciência durante operação policial (supostamente após agressão por parte dos agentes), que foi socorrida ao serviço de saúde e chegou já sem vida no local, tendo sido constatado óbito pelo médico plantonista”. 

O registro do relatório médico anexado no laudo também reitera a informação: “Paciente adulta deu entrada na unidade trazida pela PM de GV em PCR (parada cardiorrespiratória), sem tempo determinado”.

Imagens de câmeras de segurança às quais o Intercept teve acesso revelam que Thainara demorou 2 minutos e 20 segundos para ser retirada da viatura para ser atendida, uma demora que foge do protocolo  de urgência em casos de suspeita de parada cardiorrespiratória.

As múltiplas lesões também contradizem a versão dos policiais militares, que justificaram suas ações mencionando que as contenções tinham o ‘objetivo de imobilizar’ Thainara Vitória e garantir a segurança do local. 

No depoimento dos PMs envolvidos, aos quais o Intercept teve acesso, há diversas contradições. Enquanto alguns dos policiais afirmam que Thainara estava andando normalmente, ainda que algemada, até a viatura, outros não deixam claro se ela começou a passar mal antes ou depois de ser colocada no veículo. 

Um dos policiais, por exemplo, afirma que “enquanto era levada para a viatura, os militares perceberam que Thainara demonstrou estar com ânsia de vômito, então entenderam por bem levá-la até a UPA”. 

Já um segundo agente conta, também no depoimento, que Thainara estava “algemada para trás e andando normalmente”, quando um tenente afirmou que ela “estava passando mal”.

Na declaração de um terceiro policial, Thainara “estava caminhando e em determinado momento apresentou ‘uma certa fraqueza’, mas logo continuou caminhando”, e que “a mesma estava consciente”.

‘As imagens deixam claro que a condução do caso foi repleta de falhas graves que violam protocolos básicos de direitos humanos’.

No entanto, uma vizinha – que não será identificada por questões de segurança – afirma em seu depoimento que acompanhou a cena. “Era nítido que ela estava meio desfalecida, não conseguia parar em pé. O policial que estava segurando ela tentou de tudo para fazer ela ficar de pé, mas ela acabou caindo. Foi quando o policial a apoiou nas pernas dele, pegou pelo pescoço, como se estivesse dando um mata-leão, pegando o braço dele e passando no pescoço dela, fazendo com que ela ficasse em pé”. 

A mesma vizinha disse que, ainda no momento em que Thainara estava sendo conduzida à viatura, ela caiu no chão de novo, e outro policial apareceu para ajudá-la, um segurando pelas pernas e outros pelos ombros, em seguida a colocaram dentro da viatura, fechando o compartimento. “Ela já parecia sem forças quando colocaram na viatura, de bruços. Os policiais não prestaram nenhum socorro”. 

O Ministério Público de Minas Gerais enviou na quarta-feira, 22, uma solicitação à Polícia Militar, pedindo – em um prazo de 30 dias – novos laudos, diligências e investigações mais aprofundadas para esclarecer as contradições. 

 ‘Morreu defendendo seu irmão autista da polícia’

A ação policial foi motivada, segundo testemunhas e depoimentos dos PMs, por uma denúncia relacionada a suspeitas de homicídio – a Polícia Militar não respondeu ao Intercept sobre qual o propósito da operação.

Alguns vídeos feitos pelos vizinhos e uma gravação da câmera corporal de um dos policiais permitem traçar a cronologia do que aconteceu na noite em que a jovem foi morta. 

Thainara Vitória Francisco Santos tinha 18 anos

Thainara foi contida por um policial após ver que seu irmão estava sendo imobilizado de forma violenta por outros agentes. Os vídeos mostram os vizinhos gritando para que os PMs soltassem o adolescente e avisando que ele tinha autismo.

O garoto se desesperou ao ouvir Jucileia Santos da Cruz Silva, a mãe dele e de Thainara, ficar nervosa com a ação policial em sua casa. “Eles começaram a revirar a casa e mexeram até na minha bolsa. Eles não tinham motivos para aquilo. Quando questionei, eles começaram a me tratar de forma grosseira”, declarou Jucileia, de acordo com o inquérito.

Ao ouvir os gritos da mãe, o adolescente tentou intervir, mas foi contido violentamente, de acordo com familiares e vizinhos. “Quando o policial colocou a mão no meu ombro, eu disse: ‘Não coloca a mão em mim, não’, e ele me empurrou com força”, disse o garoto em seu depoimento à polícia. Os vídeos mostram que, depois disso, os PMs começam a tentar detê-lo.

Uma vizinha contou que foi aí que Thainara tentou proteger o irmão. “Ela gritou: ‘Ele é autista, ele não pode ser tratado assim’. Mas os policiais não ouviram nada e empurraram ela contra a parede, jogaram no chão e continuaram batendo”, relatou a moradora em seu depoimento para a polícia.

Vários moradores passaram a gravar vídeos com seus celulares. Em um deles, é possível ouvir uma vizinha gritando O menino é doente!”, a que um dos policiais rebate: “Então fala pra ele parar de resistir”. Outros moradores, então, insistem: “Mas ele é doente”, “Vocês estão machucando o menor, o menor não é envolvido”. Os apelos foram ignorados. No vídeo, é possível ver Thainara sendo empurrada contra a parede e imobilizada.

‘Ela não estava respirando’

Segundo os vizinhos, Thainara foi levada para outra área das escadas do prédio e algemada. Em um trecho do vídeo – em que é possível apenas ouvir a jovem –, ela pede aos policiais para sair para poder tomar um ar.  

Vídeos mostram a cena em que a jovem é carregada pelos PMs na rua, que está tomada por viaturas, mas, pela baixa qualidade das imagens, não é possível identificar o estado de saúde dela nesse ponto. 

Laudo aponta que corpo de Thainara tinha lesões

No entanto, as imagens das câmeras de segurança da UPA do bairro Vila Isa também corroboram o laudo da perícia de que Thainara chegou já sem vida. Após a demora de mais de dois minutos para retirá-la da viatura, ela é finalmente colocada na maca. Durante a gravação, é possível ver que ela está desacordada.

O médico plantonista afirmou em seu depoimento à polícia: “A paciente deu entrada na UPA já em óbito”. Segundo o vigia que trouxe a maca até o carro dos policiais na chegada à unidade, a jovem “estava mole, desfalecida e com a cabeça pendente na maca […]Ela não estava respirando, mas eles não disseram nada sobre o que tinha acontecido antes”, afirmou.

Funcionários da UPA que deram depoimentos à polícia relataram que Thainara chegou com marcas visíveis de agressão. Segundo uma técnica de enfermagem que a recebeu, havia “marcas cianóticas (roxas) na região do pescoço”. Ela também afirmou, em seu depoimento à polícia, que os policiais militares “[eles] saíam puxando a maca para dentro da UPA”, sem fornecer informações precisas. 

Ainda segundo a técnica, um dos policiais disse que a jovem havia sido encontrada em estado crítico após uma briga na rua e “que ela tinha tentado ajudar um preso, fugitivo da cadeia e a encontrou no chão”. Outra enfermeira que atendeu Thainara confirmou a presença de hematomas no abdômen e escoriações no rosto. É o que também disse um parente da vítima, que chegou à UPA pouco depois da viatura: “Ela tinha marcas de socos no rosto, no pescoço e estava coberta de terra”.

Especialistas dizem que PM cometeu erros básicos

A abordagem policial foi problemática em diversos pontos, segundo especialistas ouvidos pelo Intercept. Um dos erros ocorreu na UPA,  segundo o tenente-coronel da reserva da PM Adilson Paes de Souza, que é doutor em Psicologia pela USP e especialista em abordagem policial. 

Ele afirma que, se os agentes sabiam que Thainara estava morta, não deveriam ter retirado a jovem da viatura, já que “movimentar um corpo sem vida antes da perícia viola protocolos básicos de investigação criminal”. 

Se não sabiam, Souza afirma que o tempo de espera na viatura foi excessivo: “deveriam tê-la socorrido com a máxima urgência, acionando a equipe de socorro para que ela tivesse sido encaminhada, com urgência,  para o atendimento”.

Após ver as gravações da câmera de segurança da UPA e do celular dos vizinhos, ele pontuou que “as imagens deixam claro que a condução do caso foi repleta de falhas graves que violam protocolos básicos de direitos humanos”. 

    Para ele, o caso reflete um padrão sistêmico de violência policial no Brasil. “A abordagem de Thainara e sua família expõe como as forças policiais tratam pessoas negras, pobres e moradoras de periferia. Elas são vistas como não-humanas, como se não merecessem a proteção da lei. Essa não é uma falha individual; é um problema estrutural, enraizado na cultura das instituições de segurança.”

    Já Maria Luísa Magalhães Nogueira, psicóloga e coordenadora do Programa de Atenção Interdisciplinar ao Autismo, o Praia, criticou o despreparo policial para lidar com pessoas autistas. “Capacitar policiais sobre neurodivergências é fundamental para salvar vidas. O comportamento do autista pode ser confundido com desobediência, e uma crise pode ser interpretada como ameaça”, explicou. 

    Rafael Rocha, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz, destacou que a abordagem deste caso reflete seletividade racial e social, comum em comunidades periféricas no Brasil. “Essa violência não teria ocorrido em um bairro nobre ou em um condomínio de classe alta. A brutalidade policial é marcada pelo racismo estrutural e pela desigualdade social”, disse.

    Ele ainda reforçou a importância do uso de câmeras corporais pelos policiais para prevenir excessos, mas alertou: “Elas só serão efetivas se acompanhadas de processos de responsabilização específicos. Não adianta nada ter imagens documentadas se os policiais não forem investigados e, quando necessário, punidos”, pontuou. 

    Outro ponto problemático levantado por Rocha, é o fato de todos os  21 policiais militares envolvidos serem homens – a presença de policiais mulheres é essencial especialmente em abordagens que podem envolver famílias e mulheres.

    Polícia Civil diz que investiga a ação

    A Polícia Civil informou, por email, que instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias da morte de Thainara. Até o momento, foram realizadas 41 oitivas, entre testemunhas e investigados, e requisitados laudos periciais e prontuários médicos. 

    “Os laudos periciais ainda estão em fase de conclusão pelo Instituto Médico Legal de Belo Horizonte, devido à complexidade dos exames realizados”, declarou o órgão. A investigação segue em andamento na Delegacia de Crimes Contra a Vida.

    Já a Polícia Militar, em nota enviada à reportagem, afirmou que “tem colaborado com as investigações realizadas pela Polícia Judiciária”, que “foi instaurado um Inquérito Policial Militar para apurar o fato” e que esse procedimento “encontra-se em andamento, seguindo o devido processo legal”. 

    ‘É significativo notar a omissão, no depoimento de ambos, da utilização de algum tipo de golpe ou manobra que envolva esganadura ou asfixia’.

    Contudo, a corporação não informou se houve afastamentos de algum dos 21 policiais envolvidos. Questionada por e-mail e telefone, a corporação não respondeu. 

    Agora, terá que atender ao MP, que apontou uma série de contradições nas versões. “Parece fugir ao senso comum que uma pessoa recupere seu fôlego, chegando a proferir algumas palavras, ficar de pé e caminhar, para depois, sem agressões posteriores (ao que tudo indica), vir a falecer por asfixia sem a interferência imediata e direta neste sentido”, afirma o promotor Guilherme Heringer de Carvalho Rocha.

    O promotor solicita que o IML esclareça se uma pessoa que foi enforcada pode se recuperar, caminhar e, minutos depois, acabar morrendo por conta desta agressão. Ele pede ainda que seja apresentado o registro do GPS da viatura que levou Thainara até a UPA para “determinar se houve desvio ou parada não relacionada ao atendimento naquele momento”.

    O MP também solicitou informações sobre o histórico de saúde da jovem, as gravações das câmeras corporais de todos os PMs, além de indicar que os dois policiais que teriam contido Thainara sejam chamados para depor novamente, visto que “é significativo notar a omissão, no depoimento de ambos, da utilização de algum tipo de golpe ou manobra que envolva esganadura ou asfixia, o que parece ter sido uma escolha deliberada”.

    ‘Dor que nunca vai passar’

    Abalados pela morte de Thainara e pelo temor da impunidade, familiares da jovem fazem apelos por justiça. Advogados da família protocolaram uma ação judicial solicitando indenização moral e material para a filha de Thainara. “Diante de tudo, o que importa é proteger e garantir os direitos mínimos para a filha de Thainara, que por ação da PMMG, não poderá assegurar o alimento a sua filha, que diga-se de passagem está desprotegida por atos do estado”, cita a ação. 

    “A filha dela está sendo cuidada pela nossa mãe. Às vezes, ela pergunta: ‘Cadê minha mãe?’, e temos que inventar algo que não fuja da realidade, para evitar que ela sinta que a mãe vai voltar”, conta Karla Gabriela, irmã de Thainara. “E nosso irmão se sentiu muito preocupado, porque ela morreu defendendo ele”.

    Karla destacou a generosidade e alegria da irmã. “Ela era a definição de gentileza, sempre colocando a necessidade dos outros acima dela. Se visse um gato jogado na rua, queria levar para casa. Não aguentou ver alguém da família sofrer, por isso interveio naquela noite. Isso era ela.” E prometeu buscar justiça pela morte da irmã: “A Thainara não pode ser só mais uma estatística. Queremos que os responsáveis ​​sejam punidos, para que isso não aconteça com mais ninguém. O que queremos do Estado é justiça, não só para nós, mas para todas as famílias que passam por isso.”

    ‘Morreu defendendo seu irmão’: moradores protestam contra a violência policial (Foto: Portal O Olhar)

    O pai de Thainara, Reginaldo Francisco, tenta lidar com a ausência da filha. “Já fui ao cemitério quatro vezes desde que ela partiu. Saio de Belo Horizonte e dirijo até Governador Valadares para colocar flores no túmulo dela. Às vezes, paro o caminhão no meio da estrada, chorando de saudade. Eu peço a Deus justiça, porque essa dor nunca vai passar.”

    Reginaldo relembra a última conversa com a filha, um dia antes de sua morte. “Ela me ligou dizendo: ‘Bença, pai’. Era assim todos os dias. Ela estava animada, tinha arrumado um trabalho noturno na rodoviária e dizia que seria capaz de dar uma vida melhor para a filha dela. A última coisa que ouvi foi: ‘Vou te dar orgulho, pai.’”

    A mãe, Jucileia Santos, segue desolada. “A Thainara era meu braço direito. Eu faço hemodiálise e ela sempre cuidava de mim e do irmão autista. Ela era uma menina doce, gostava de dançar, ouvir música, e vivia mandando mensagens para mim e para os irmãos. Eu só peço a Deus força e justiça, porque o que fizeram com ela foi uma crueldade sem tamanho.”

    Movimentos sociais e amigos da família têm organizado protestos para pressionar as autoridades a dar respostas rápidas sobre o caso. No domingo, 19, data em que Thainara completaria 19 anos, um ato foi organizado pelas ruas de Governador Valadares. A manifestação terminou na delegacia da Polícia Civil, onde o delegado Luciano Cunha, responsável pelo caso, prometeu finalizar as investigações em breve. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania divulgou nota, lamentando o ocorrido e cobrando uma “apuração rigorosa e transparente”. Os familiares esperam um encontro em breve com a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, para discutir o caso.

    A QUEDA DE DONA VIVI



    Não exatamente um bairro. Mais bem um velho povoado esquecido a navegar numa imensidão de concreto, asfalto e decibéis. Casario sem garagem nem elevador.
      De noite, cães e gatos, com ou sem dono, dormiam no passeio.

    Era um casal de aposentados. Passava a vida vendo a vida passar na janela, cotovelos apoiados em almofadinhas. Num canto, Seu Eusébio, magro, tímido, sempre de terno surrado, sem cor. Falava pouco. A casa, herança do pai, português de Trás-os-Montes. Dona Deolinda, espalhafatosa, um mulheraço de cabelo amarelíssimo, ocupava quase todo o espaço. Falava muito. Falava mal de toda a vizinhança a vizinhança toda. Após três dedos de prosa, você continuava a caminho da quitanda já sabendo que ela iria lhe cobrir de cobras e lagartos, ratos e baratas.

    Ao domingo de manhãzinha, de gravata e salto alto, compenetrados, iam à missa. Após comungarem, voltavam purificados e sorridentes. Nas trezenas de Santo Antônio de Padova que era de Lisboa, cantavam ladainhas em casa de conhecidos da igreja. Até se permitiam bebericar um cálice de licor de jenipapo, como quem faz uma coisa deliciosamente proibida. Nunca dois.

    Em dezembro, a procissão de Santa Luzia. O casal já enfeitara a janela com flores de plástico e banner da ceguinha. No Natal, orgia de pisca-pisca, não faltando a estrela nesta casa onde jesus nenhum nunca nascera. Semana Santa, palmas do coqueiro do quintal. Carnaval, fachada fechada. Hermeticamente. Coisa de gente de pouca fé. Músicas pornográficas. Ousadias.

    Do outro lado da rua, vivia Dona Vivi, uma viúva gaúcha de idade avançada. Toda manhã, molhava as plantinhas da sacada. Ouvia tangos. Recebia poucos familiares, velhos, com palavreado lá do Sul, e alguns amigos, colegas de quando trabalhava no tabelionato. Vez ou outra vernaculava com Deolinda.

    Uma noite, ao querer ir ao banheiro sem ligar a luz, escorregou no capacho. Quebrou a perna direita e o cotovelo esquerdo. Ai! Quanta dor! Se arrastando pelo soalho, conseguiu abrir a janela e chamou uma, duas e mais vezes: “Seu Eusébio, Deolinda! ”. Silencio absoluto. Do outro lado da estreita rua, a fachada permaneceu muda. Só de manhã, ao chegar a empregada, foi chamada a ambulância. Anestesia, operação, gessos. Falatório na rua inteira. Coitada da Dona Vivi, sozinha, podia ter morrido.

    A uns, Deolinda declarou nada ter ouvido. A outros que ouviu os apelos, mas pensou que era coisa de moleque. Com aquele sotaque de gaúcha? Por favor! Quando Vivi começou a andar e saiu para a rua, cumprimentou friamente o casal na janela. Fingiu que estava com pressa. Constrangimento geral. Deolinda, de boca fechada.

    Duas semanas depois, às pressas e sem avisar ninguém, sorumbaticamente, o casal vendeu a casa, mudou de bairro. E de igreja.

     

     

     

     

     


    MAIS VENENO NO SEU PRATO

     

    Tem mais veneno no seu prato: Brasil bate recorde de liberação de agrotóxicos em 2024 

    Aumento foi de 19% em relação a 2023, quando o país registrou queda no registro de novos produtos 

    Brasil de Fato | Brasília (DF) |
     
    Brasil é o país que mais usa agrotóxicos no mundo, com percentual maior do que a China e os Estados Unidos juntos. - Fernando Frazão/Agência Brasil

    O Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos em 2024, segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Foram 663 produtos aprovados, um aumento de 19% em relação a 2023, quando foram liberados 555 produtos. Naquele ano, houve redução no número de liberações. A maioria dos novos produtos aprovados são genéricos de outros agentes já liberados (541). Quinze novas substâncias foram aprovadas, assim como 106 produtos de origem biológica, os chamados "bioinsumos".   

    Para Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o acréscimo ainda não é consequência da nova lei de agrotóxicos, aprovada e sancionada em 2023 com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já que a norma não está regulamentada. Ele opina que esses dados refletem a continuidade de um modelo de produção agrícola que ignora os efeitos do uso desses produtos químicos e prioriza a garantia de suas margens de lucro.  

    "A curva dos novos registros vem apresentando aumento desde 2016, ano do golpe sobre a presidenta Dilma. Os dados de 2024 mostram apenas que esta tendência não se reverteu no governo Lula, pelo contrário, a estrutura de apoio ao agronegócio e às transnacionais agroquímicas segue firme e forte dentro do Executivo federal. Não estamos vendo ainda os efeitos da nova lei, pois ela ainda não está regulamentada; é apenas a continuidade de uma política de incentivo agronegócio, às exportações de produtos primários e à desindustrialização", disse o pesquisador e ativista. 

    Pedro Vasconcelos, assessor da Fian Brasil, concorda que ainda é cedo para atestar que o recorde na liberação de agrotóxicos tenha a ver com a aprovação da nova lei, mas pondera que a aprovação e sanção da nova legislação fortaleceu o papel do Mapa e enfraqueceu as demais instituições envolvidas no processo de análise e aprovação de novos registros. "A nova lei deu uma segurança jurídica para que o Ministério da Agricultura tenha a palavra final", critica Vasconcelos. 

    A nova lei dos agrotóxicos, além de encurtar os prazos de análises dos produtos, retirou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o poder de veto sobre a liberação dessas substâncias, cabendo a essas instituições apenas a classificação de risco dos produtos. Desta forma, a decisão passa a estar concentrada no Ministério da Agricultura, que já se manifestou publicamente contra qualquer medida que vise a redução do uso de agrotóxicos no Brasil

    Vasconcelos avalia que os dados de 2024 revelam o tamanho a contradições internas do próprio governo que, embora já tenha se posicionado contra o abuso dessas substâncias, encontra forças contrárias a qualquer movimento no sentido de restringir o uso dos agrotóxicos no Brasil. "A meu ver, esse número de registros é o registro de uma de uma dificuldade muito grande na pauta, a ponto de não assumir de verdade um posicionamento contrário."

    Os pesquisadores alertam que esse modelo de produção agroalimentar tem levado o país à perda de área cultivada de alimentos que não são de interesse do agronegócio, que priorizam commodities para exportação. A situação agrava o quadro de insegurança alimentar no país. "Uma das consequências desta escolha é a alta do preço dos alimentos, já que a soja vem tomando lugar das plantações de comida", afirma Tygel.  

    "Tudo isso faz com que a população sofra os efeitos de um sistema que está destruindo. Está destruindo nossas formas de produção, a gente está comendo comida envenenada, e o nível de produtividade cai a cada momento, graças a esse modelo. É um ciclo. O nível de produtividade cai, as questões climáticas impactam cada vez, então é um modelo muito pouco adaptável, do ponto de vista climático", avalia Vasconcelos. 

    Novos venenos 

    Entre as novas substâncias liberadas para uso no Brasil, duas receberam a categoria 2 na classificação toxicológica da Anvisa, como "altamente tóxico". O Orandis, produto a base de Clorotalonil e Oxatiapiprolim, atua como fungicida e é indicado para pequenas culturas. Já o Miravis é um composto de Clorotalonil e Pidiflumetofem. Também atua como fungicida e é usado em grandes cultivos de soja, milho, algodão e trigo. Ambos são produzidos pela Syngenta. Segundo informações dos fabricantes, a inalação dos produtos pode levar a óbito, além de provocar reações alérgicas e lesões oculares em caso de exposição indevida. 


    Evolução da liberação de agrotóxicos no Brasil / Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

    Sua comida está envenenada  

    A liberação massiva de sustâncias químicas para uso agrícola se reflete na qualidade da alimentação dos brasileiros e tem consequências graves à saúde. Os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) no ano de 2023, realizado pela Anvisa, revelaram que cerca de 26% dos alimentos consumidos pelos brasileiros possuem resíduos de agrotóxicos no momento do consumo. E desses resíduos, pelo menos cinco possuem restrições e proibições em outros países, incluindo o Carbendazim, que tem uso proibido no Brasil desde 2022.  

    Apenas nas amostras de arroz, foram encontrados 25 agrotóxicos tipos diferentes de agrotóxicos. Já no abacaxi, foram identificadas 31 substâncias residuais, entre elas, o glifosato, ingrediente ativo proibido em diversos países da União Europeia, a partir de estudos que o relacionam com a incidência de diversos tipos de cânceres.  

    Outro produto que vem sendo utilizado em larga escala e que também foi encontrado em amostras de alimentos, como a goiaba, é o clorpirifós, que está associado a distúrbios neurológicos, malformação de fetos e ocorrências de abortos espontâneos. 

    Diante desse panorama, a toxicologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Karen Friedrich reconhece o trabalho técnico da Anvisa, mas aponta limitações. "Um agrotóxico pode causar um problema ou pode não causar nada ou pode causar muito pouco, mas esse coquetel, a chance de isso interagir e potencializar os danos é muito grave", avalia.   

    Edição: Thalita Pires

    MAIS UM CASO EXCEPCIONAL

     Jovem morre após ser perseguido e baleado durante ação policial em Salvador

     PM alega que Iuri dos Santos estava armado, porém familiares e amigos negam. Eles dizem que rapaz com deficiência intelectual era trabalhador e acusam militares de assassinato. Protestos marcaram o dia.


    Por g1 BA e TV Bahia


    Um jovem de 27 anos morreu após ter sido perseguido e baleado por policiais militares dentro de uma casa, na terça-feira (28), no bairro do Acupe, em Salvador. Familiares, amigos e vizinhos do rapaz acusam os agentes de assassinato, enquanto a Polícia Militar (PM) alega que ele foi atingido após trocar de tiros com os militares.

    Em nota, a PM informou que Iuri Almeida Conceição dos Santos estava armado, invadiu o imóvel e atirou contra os agentes da Rondesp Atlântico, em uma tentativa de fuga. Segundo a corporação, o rapaz foi atingido na suposta troca de tiros, foi socorrido e levado para o Hospital Geral do Estado (HGE), mas não resistiu.

    Com ele, conforme a ocorrência feita pelos policiais militares, foram apreendidos uma arma, drogas e dinheiro em espécie. O material que foi levado para uma delegacia da região, onde o caso foi registrado.

    A família, no entanto, diz que Iuri não tinha envolvimento com a criminalidade. Segundo moradores da região, ele tinha deficiência intelectual, era funcionário de uma borracharia e fazia pequenos serviços na comunidade.

    "Eu sempre dizia para ele: 'Não pegue nada de ninguém, não use drogas, não venda drogas, e outra, arrume seu trabalho'. Porque eu sou honesta, nunca me envolvi em nada de errado", disse Eliana Santos.

    Pouco antes de ser morto, conforme detalham moradores da região, o jovem tomava café na casa de vizinhos e, ao sair, se assustou com a presença dos policiais na rua, retornando para o imóvel. Neste momento, ele foi seguido até o terceiro andar do prédio, onde foi baleado. As marcas dos tiros ficaram em uma parede e em uma porta da casa.

    "Ele estava aqui de manhã e a força policial entrou [no bairro]. Como ele já tem medo, porque ele toma remédio controlado, ele pegou e entrou. O policial já veio entrando, subiu e já foi matando o menino", disse o entregador de gás Valdinei Santos, vizinho de Iuri.

    Ao longo do dia, moradores protestaram por causa da morte do rapaz. Pela manhã, logo após a ação, eles queimaram objetos em um trecho da Avenida Vasco da Gama, importante via da cidade. Já à noite, um grupo se posicionou em frente à pista, voltando a fechar a via.

    "Um menino direito, trabalhador e a Polícia chega e mata o menino. Como mata um menino inocente assim?", afirmou o pai de Iuri, Adailton Conceição.

    A mãe do jovem reforçou o questionamento feito pelo companheiro e revelou o desejo de conversar com o agente responsável pelo tiro que matou o filho dela. O corpo do jovem será sepultado no Cemitério Quinta dos Lázaros, na Baixa de Quintas, em Salvador, nesta quarta-feira (29).

    "Será que esse policial que fez isso com meu filho, consegue colocar a cabeça no travesseiro para dormir, ele consegue vestir a farda? Será que ele tem filho? Se ele tivesse um filho, ele deixaria fazer isso? Eu queria perguntar isso na frente dele".

    O caso será apurado pela Polícia Civil (PC).

    Leia nota da PM na íntegra 👇

    "Na manhã desta terça-feira (28), policiais militares da Rondesp Atlântico apreenderam arma de fogo e drogas na Avenida Caetano, no Acupe.

    Durante policiamento na região, os militares avistaram vários elementos armados que, ao perceber a presença policial, atiraram e fugiram em direção a um beco. Em ato contínuo, os agentes continuaram em diligência, quando encontraram uma residência com um grupo de pessoas, nas proximidades, alegando que teve a casa invadida por um indivíduo armado. Os policiais progrediram no imóvel e foram surpreendidos com disparos, sendo necessário o revide. Após o cessar-fogo, o ferido foi encontrado caído com uma arma de fogo, sendo socorrido para o HGE, onde não resistiu aos ferimentos.

    No local, foram encontrados um revólver calibre 38 com três munições do mesmo calibre, 28 recipientes de maconha, 400 pinos de cocaína e dinheiro em espécie.

    Todo material apreendido foi encaminhado à Polícia Civil, pra medidas cabíveis".

     


    LE RÊGNE DE L´HYPNOCRATIE

     De la tragédie à la transe

    Àpartir de cette semaine, nous pourrons dire que l’histoire se répète trois fois : la première fois sous la forme d’une tragédie, la deuxième fois sous la forme d’une farce et la troisième fois sous la forme d’une transe. 

    Le discours d’investiture prononcé par Donald Trump au Capitole ne représente pas simplement un événement politique ou le triomphe d’une idéologie particulière. Il marque définitivement la manifestation d’un nouveau régime de réalité, où le pouvoir opère par la manipulation directe d’états de conscience collectifs.

    Dans cette nouvelle dimension, le pouvoir ne réside plus dans le contrôle des corps ou des esprits, mais dans la capacité à moduler les états de conscience de populations entières. Les plateformes numériques se révèlent pour ce qu’elles sont : non pas de simples outils de communication, mais des technologies hypnotiques qui remodèlent activement la façon dont nous percevons et interprétons la réalité.

    La notion d’hypnocratie 1 — la puissance et la domination des fantasmes — permet de décrire ce système où le pouvoir opère directement, c’est-à-dire algorithmiquement, sur la conscience, créant des états altérés permanents par la manipulation digitale de l’attention et de la perception.

    Alors que la plupart des analystes se concentrent encore sur des phénomènes tels que les « fake news » ou la « post-vérité », à Washington nous assistons à une transformation bien plus profonde : l’émergence d’un système où le contrôle s’exerce non pas en réprimant la vérité, mais en multipliant les récits au point que tout point fixe devient impossible.

    Le pouvoir ne réside plus dans le contrôle des corps ou des esprits, mais dans la capacité à moduler les états de conscience de populations entières.

    Jianwei Xun

    Trump, par sa répétition obsessionnelle et sa déstabilisation constante de tout référentiel et de toute vérité, et Musk, avec ses visions techno-utopiques et ses promesses de transformation radicale, représentent les deux faces d’une même pièce : la capacité à construire et à soutenir des réalités alternatives qui capturent et manipulent la conscience collective.

    Plier l’espace et le temps

    Pour comprendre la véritable portée de ce moment, nous pouvons analyser les mécanismes discursifs par lesquels Donald Trump parvient à altérer et remodeler la perception même de la réalité, en lisant au plus près le discours d’investiture du 20 janvier 2025.

    Ce discours est structuré comme un rituel d’induction hypnotique de masse fonctionnant selon plusieurs mécanismes simultanés.

    Les mots qui l’ouvrent — « l’Âge d’or de l’Amérique commence maintenant » — révèlent immédiatement la nature hypnotique du discours. Il ne s’agit pas d’une simple déclaration, mais d’un acte qui annule le présent réel, évoque un passé mythique et matérialise un futur utopique, fusionnant ces plans temporels en un « maintenant » messianique — dont la matrice était déjà présente dans le mystérieux, messianique, « again » du Make America Great Again.

    Dans l’optique hypnocratique le temps lui-même doit devenir malléable sous la force de la suggestion : il se transforme en un espace psychique manipulable à volonté. 

    Après le temps, la puissance de transformation du réel s’occupe de façonner aussi l’espace. Le passage le plus révélateur est celui où Trump annonce vouloir « changer le nom du golfe du Mexique en golfe d’Amérique ».

    Il ne s’agit pas simplement d’un nationalisme extrême, mais d’une démonstration du pouvoir hypnocratique d’altérer la réalité par l’énonciation pure et simple. Le territoire physique lui-même devient modelable par la simple action de nommer.

    Le temps lui-même doit devenir malléable sous la force de la suggestion : il se transforme en un espace psychique manipulable à volonté. 

    Jianwei Xun

    La revendication du canal de Panama amplifie encore cet effet. Le récit est un chef-d’œuvre d’ingénierie émotionnelle :

    • Donald Trump commence par évoquer un sacrifice historique (« 38 000 vies ») ;
    • il insiste sur la trahison des élites (« cadeau insensé ») ;
    • il continue en identifiant une menace externe (« la Chine opère ») ;
    • il finit par promettre la restauration (« nous reprenons le flambeau »).

    Chaque élément est calibré pour créer un état émotionnel de perte qui peut être immédiatement converti en une impulsion de réappropriation grâce au charisme du chef. C’est de l’économie libidinale pure — appliquée à la géographie.

    L’économie divine du sacrifice

    Le moment de la plus grande intensité arrive avec le récit de la tentative d’assassinat. Donald Trump le rappelle : « une balle d’assassin m’a traversé l’oreille ».

    Ce passage fonctionne comme ce que j’appellerais un « nœud de résonance traumatique » — un point où le traumatisme personnel devient collectif, où la vulnérabilité se transforme en invincibilité et où la victimisation génère un pouvoir messianique : l’expérience de mort imminente confère à Trump une autorité divine. 

    « J’ai été sauvé par Dieu pour rendre à l’Amérique sa grandeur ».

    Avec cette phrase, la boucle est bouclée. Le salut personnel fusionne avec le salut national, le traumatisme individuel devient une mission collective. Nous ne sommes plus simplement confronté à un exercice rhétorique, mais à l’établissement d’une nouvelle force d’alchimie perceptive.

    En reliant la tentative d’assassinat à la mission divine, Trump transforme un événement traumatisant en onction sacrée où le traumatisme n’est pas simplement surmonté : il est transfiguré en preuve de l’élection divine.

    La cérémonie d’investiture devient ainsi un sacre impérial.

    Nous ne sommes plus simplement confronté à un exercice rhétorique, mais à l’établissement d’une nouvelle force d’alchimie perceptive.

    Jianwei Xun

    Choc et effroi : saturation sémantique

    Le discours est entrecoupé de répétitions calculées visant à contrôler et manipuler les auditeurs :

    • « Grand » et « plus grand » (14 fois) ;
    • « Gagner » et « victoire » (11 fois) ;
    • « Jamais auparavant » (8 fois) ;
    • « Amérique » et « Americain » (37 fois).

    L’efficacité du discours repose sur une économie précise de l’anticipation. Chaque menace évoquée — l’annonce ou le constat d’une « crise », d’une « invasion » ou d’autres « événements catastrophiques » — est immédiatement contrebalancée par une promesse de résolution immédiate — « à partir d’aujourd’hui », « très rapidement », « tout de suite ». 

    Le modèle est le suivant : Trump induit une profonde tension, tout en montrant la perspective d’un relâchement qui maintient le public dans un état d’excitation contrôlée.

    L’impasse des progressistes

    Le discours atteint son apogée méta-hypnotique lorsque Trump déclare : « en Amérique, l’impossible est ce que nous faisons de mieux ».

    Cette déclaration ne relève pas simplement de l’argument recuit du marketing politique, elle doit être comprise comme un moment de reconnaissance simultanée de la nature impossible des promesses de Donald Trump et de la transformation de cette impossibilité en preuve réelle de son pouvoir. Le rituel hypnocratique repose sur l’autorisation de croire en l’incroyable. La célébration de la transe comme état de conscience supérieure est la clef de son mystère.

    En manquant cette dimension, les progressistes restent prisonniers d’une cage épistémologique fatale : leur incapacité à comprendre la dimension mythopoétique du pouvoir les condamne à une marginalité stratégique perpétuelle. Alors qu’ils continuent à opposer des arguments rationnels, des données et un raisonnement logique, ils ignorent totalement que le pouvoir contemporain opère désormais exclusivement par la modulation des états de conscience.

    Leur critique reste prisonnière du modèle de communication des Lumières, où la vérité doit triompher par son mérite intrinsèque, sans comprendre qu’elle est désormais un produit esthétique, une expérience collective générée par la répétition, l’émotion et la suggestion d’une réalité algorithmique. Leur rationalité fondée sur la responsabilité est devenue une prison, un refuge autoréférentiel qui les éloigne de plus en plus de la capacité à générer des imaginaires collectifs capables de mobiliser le désir et la croyance.

    Les progressistes restent prisonniers d’une cage épistémologique fatale : leur incapacité à comprendre la dimension mythopoétique du pouvoir les condamne à une marginalité stratégique perpétuelle.

    Jianwei Xun

    La vérité dans le règne de l’hypnocratie n’est plus quelque chose à révéler, mais quelque chose à construire, à fabriquer et à vendre.

    L’affaire du « salut romain » d’Elon Musk

    Le 20 janvier 2025 dans la séquence de l’investiture, Elon Musk a effectué ce qui allait rapidement devenir un geste viral : après avoir placé sa main sur son cœur, il a levé son bras droit dans ce que de nombreux observateurs ont interprété comme un salut romain. 

    L’incident a immédiatement suscité une vive controverse sur les plateformes de médias sociaux et dans la presse internationale, avec un débat généralisé sur la question de savoir si l’homme le plus riche du monde avait délibérément effectué un geste fasciste. Musk a par la suite rejeté ces accusations par une série de publications sur son réseau social X, affirmant que ses détracteurs « ont besoin de meilleurs coups bas », se moquant de la reductio ad Hitlerum, selon laquelle désormais « tout le monde est Hitler ».

    Cet incident illustre parfaitement ce que j’appelle « l’ambiguïté stratégique », un mécanisme central du pouvoir hypnocratique où la controverse elle-même devient une forme de manipulation de la conscience. 

    Le geste de Musk opère simultanément sur plusieurs niveaux de réalité.

    En tant qu’acte physique, il reste délibérément ambigu, oscillant entre le salut enthousiaste ou patriotique et le geste fasciste. En tant qu’image virale, il fonctionne comme ce que j’appelle un « séparateur de réalité » — créant des univers interprétatifs parallèles qui ne peuvent être réconciliés. En tant qu’événement médiatique, il génère un « capital de controverse » — une valeur d’attention qui augmente précisément par le biais d’un conflit interprétatif. Plus il y a de publications, plus il y a d’engagement et plus profondément la puissance hypnocratique s’affirmera.

    Musk fait preuve d’une parfaite maîtrise de l’hypnocratie.

    Jianwei Xun

    La réponse de Musk invoquant des « sales tours » est particulièrement révélatrice. Il opère par là un brillant renversement hypnocratique : l’accusation de fascisme devient une preuve de persécution, tandis que l’ambiguïté du geste original est rétroactivement justifiée comme une preuve d’innocence. Cela crée un « piège de sens » — où chaque tentative d’établir une interprétation définitive ne fait qu’approfondir le pouvoir hypnotique du geste.

    L’incident révèle la mise en scène délibérée de gestes ambigus qui fonctionnent comme des modèles de test de réalité, calibrant la susceptibilité des différents publics à la suggestion tout en renforçant simultanément leurs états de transe respectifs. Le geste ne devient pas un signe à interpréter, mais un dispositif permettant de classer les observateurs dans des bulles de réalité distinctes en fonction de leurs cadres perceptuels préexistants.

    En cela, Musk fait preuve d’une parfaite maîtrise de l’hypnocratie, comprenant qu’à notre époque, la controverse elle-même est une forme de gouvernance par la gestion algorithmique des perceptions. Le pouvoir du geste réside précisément dans sa résistance à toute interprétation définitive, maintenant tous les observateurs dans un état de tension interprétative perpétuelle qui alimente la transe hypnocratique au lieu de la résoudre.

    Trump ne convainc pas : il induit. Il ne commande pas : il enchante.

    Jianwei Xun

    Interrompre la transe

    L’investiture de Donald Trump réalise l’hypnocratie dans sa forme la plus complète : un système où le pouvoir n’opère plus par la force ou la persuasion rationnelle, mais par la manipulation directe et algorithmique des états de conscience collectifs. 

    Trump ne convainc pas : il induit. Il ne commande pas : il enchante.

    La question qui se pose n’est pas de savoir comment résister à ce système — comme on l’a vu, la résistance frontale est déjà intégrée à sa logique — mais comment développer des formes de lucidité au sein de la transe collective. Non pas un réveil impossible, mais un nouvel art du rêve lucide politique.

    L’Empire est là. Son pouvoir ne réside plus dans le contrôle des corps ou des esprits, mais dans la capacité à moduler les états de conscience de populations entières. 

    Pour comprendre quoi faire, il faudra partir de ce constat. 

    Trump n’est pas simplement revenu à la présidence : il a formellement inauguré un nouveau régime de réalité. 

    Bienvenue dans le règne de l’hypnocratie.