terça-feira, 21 de janeiro de 2025

UM GOVERNO ACULTURADO

 

Governo da Bahia descumpre promessa e, após mais de 15 anos, criação de Museu Frans Krajcberg segue sem previsão


Frans Krajcberg, artista polonês, deixou um legado significativo, mas seu museu permanece apenas uma promessa não cumprida.  |  Reprodução / Conexão Planeta

Publicado em 19/01/2025,  Planeta   Thiago Teixeira

Quando o pintor, escultor, fotógrafo e ambientalista polonês Frans Krajcberg doou seu acervo ao governo da Bahia, em 2009, só impôs uma condição: que suas obras — divididas entre esculturas, relevos, desenhos, fotografias e filmes — fossem abrigadas em um museu a ser criado pela gestão estadual.

O então governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), havia prometido que a contrapartida do artista, radicado no município de Nova Viçosa, no Sul baiano, seria atendida. No entanto, mais de 15 anos passaram — com eles, três governadores diferentes —, Frans Krajcberg faleceu em novembro de 2017 e seu museu ainda não saiu do papel.

BNews Premium apurou que a promessa ainda está nos planos do governo da Bahia, que pretende honrar o compromisso com o polonês. No entanto, de acordo com o secretário da Casa Civil da Bahia, Afonso Florence (PT), existem diversas prioridades nas áreas da cultura e da educação e ainda não há previsão para o início das obras.

“Esse é um compromisso que o governo da Bahia assumiu com Krajcberg. É um desafio muito grande que ainda não foi de todo vencido. É um acervo muito rico, volumoso e caro. Por isso, nós estamos em processo de estudo para dar uma providência que seja definitiva. Nesse momento nós não temos [previsão para construção do museu]. Estamos estudando várias possibilidades, mas ainda não temos”, destacou Florence ao BNews.

Além de Jaques Wagner, os trâmites para a criação do espaço passaram por Rui Costa (PT) e seguem atualmente durante a gestão Jerônimo Rodrigues (PT). Em fevereiro de 2013, ainda na época de Wagner, foi aprovado um Projeto de Lei (PL) na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) que previa a criação da Fundação-Museu Artístico Frans Krajcberg.

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Krajcberg ao lado de Wagner | Foto: Raul Golinelli / GOVBA

Na época, o então governador chegou a ligar para o artista para dar a notícia. Wagner simpatizava com a história de Frans Krajcberg, sobretudo, por ambos serem judeus. Ele chegou a visitar o artista plástico, em agosto daquele ano, após o polonês sofrer um infarto e ficar duas semanas internado no antigo Hospital Espanhol — atual Hospital 2 de Julho —, em Salvador.

"É com honra e satisfação que criamos a fundação que homenageia um homem que lutou pela liberdade, sofreu com a perseguição na Segunda Guerra Mundial e dedicou a sua vida à arte e ecologia. Faremos da sua obra e do próprio museu motivos de orgulho para o povo baiano, além de incentivo e símbolo da educação artística e ambiental”, afirmou Wagner na época da aprovação do projeto do museu.

A ideia do governo da Bahia era construir um museu amplo para abrigar e preservar as obras do polonês no sítio Natura, em Nova Viçosa. Além disso, havia a previsão de que a instituição também ganhasse um espaço em Salvador, no bairro de Ondina. No entanto, nada disso foi adiante.

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Exposição de Krajcberg ocorrida em 2022 | Foto: Secult / BA

BNews Premium apurou que o acervo de Frans Krajcberg ainda não foi totalmente catalogado e, devido a isso, o governo da Bahia ainda não sabe precisamente a quantidade de suas obras. Porém, à época da doação, a estimativa era de que o acervo consistia em mais de mil esculturas, relevos, desenhos, fotografias e filmes.

Além da Bahia, as obras do polonês estavam sendo disputadas por outros estados brasileiros — como Rio de Janeiro e São Paulo — e até outros países, como Portugal. No entanto, pesou o desejo de Krajcberg de manter sua arte “viva” em seu sítio Natura, em Nova Viçosa, onde vivia desde a década de 1970.

Frans Krajcberg
Frans Krajcberg | Foto: Walter Salles
"Quero que tudo o que eu fiz fique no estado da Bahia para sempre e crescendo, para lutar pela saúde do planeta. A Bahia é importante porque minha luta começou aqui. Moro em um dos últimos pedaços da floresta mais linda e rica do planeta, em Nova Viçosa", afirmou o artista em 2013.

Atualmente, as obras de Krajcberg estavam sendo mantidas em seu sítio pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) — unidade vinculada à Secretaria de Cultura da Bahia (SecultBa). No entanto, em 2022, todo o acervo foi transferido de Nova Viçosa para o Museu Wanderley Pinho, na localidade de Caboto, em Candeias, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).

O governo da Bahia justificou a mudança devido a estrutura do museu em Candeias ser coberta, ampla e mais segura, além da necessidade de acelerar o processo de descupinização de grande parte das obras, que estava ocorrendo após a instalação de uma bolha com vedação hermética.

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Mais obras de Krajcberg expostas em São Paulo com parceria entre MuBE-SP e o Ipac | Foto: Secult / BA

 

O que diz o governo da Bahia

BNews Premium questionou o governo da Bahia sobre o cumprimento da promessa e a criação do museu Krajcberg. Por meio do Ipac, a gestão estadual respondeu que tem atuado na conservação, salvaguarda e preservação do acervo e dos bens de polonês desde a sua doação, mas afirmou que não há previsão para o início das obras.

“Embora não haja previsão para criação imediata de um Museu Krajcberg, o Ipac irá abrir, em breve, um espaço expositivo destinado às obras do artista em um dos museus geridos pelo instituto. O Ipac também realizou uma proposta de acordo com o município de Nova Viçosa, visando viabilizar a abertura do sítio para visitas programadas”, afirmou o instituto.

O Ipac destacou o acervo de Krajcberg impôs inúmeras dificuldades, em razão das peculiaridades e do volume das obras, mas que vem adotando as medidas necessárias para a sua preservação e dinamização, com diversas ações que vão desde a catalogação a serviços de higienização e descupinização das mesmas.

Ainda por meio de nota, a autarquia explicou que, embora a doação do acervo tenha ocorrido em 2009, foi feita sem o arrolamento das obras — processo que consiste na catalogação, especificação e prova da titularidade dos bens. Com isso, “as obras eram mantidas em poder do artista, que, em vida, jamais permitiu que o Ipac inventariasse o acervo doado”.

“Assim, apenas em 2017, logo após o falecimento de Krajcberg, o Ipac iniciou a primeira etapa de inventário e catalogação das obras. Entre fevereiro e março de 2018, o Ipac deu continuidade ao trabalho de inventário de todo o acervo, incluindo as obras de arte, mídias, artesanato, equipamentos e publicações”, afirmou a autarquia.

Já em 2019, a instituição firmou contrato com a empresa Tecnocret Engenharia LTDA para a realização do levantamento topográfico, planialtimétrico e cadastral do Sítio Natura. Após isso, em parceria com o Instituto Pedra, foi realizada uma segunda etapa de detalhamento do inventário, higienização preventiva e acondicionamento emergencial do acervo completo.

“Desde o início do ano de 2022, o Ipac está dando continuidade às ações de salvaguarda e preservação das obras de Krajcberg, a partir da catalogação e identificação conforme espaço, dimensão e tipo de obra; logística de organização e deslocamento das peças; elaboração de laudo individual; além de registro videográfico”, destacou o Ipac por meio de nota enviada ao BNews Premium.
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Krajcberg em sua casa em Nova Viçosa | Foto: Reprodução / Revista Prosa Verso e Arte

Quem foi Frans Krajcberg 

Frans Krajcberg nasceu em 12 de abril de 1921 na Polônia, em Kozienicé, uma pequena cidade localizada a cerca de 210 km ao sul de Varsóvia. Vindo de uma família judia, modesta e numerosa — cinco irmãos —, o seu pai era vendedor de sapatos e sua mãe, Bina Krajcberg, uma conhecida ativista comunista dentro do partido polonês.

Na década de 1930, o Partido Comunista e os livros considerados tendenciosos foram proibidos na Polônia. Frequentemente presa, Bina liderava uma luta inabalável contra o nazismo e foi enforcada em 1939, quando a Segunda Guerra Mundial teve início. 

Devido a isso, Frans Krajcberg buscou refúgio na União Soviética, onde estudou engenharia e artes na Universidade de Leningrado. Ao final da Segunda Guerra, ele chegou a morar na Alemanha prosseguindo seus estudos na Academia de Belas Artes de Stuttgart.

Chegou ao Brasil em 1948, vindo a participar da primeira Bienal de São Paulo, em 1951. Ele ficou anos morando entre as cidades de Paris, Ibiza e Rio de Janeiro, até que seu amigo, José Zanini Caldas, lhe falou sobre a pequena aldeia de Nova Viçosa, no Sul da Bahia, em 1965.

Porém, somente lá em 1972 que o artista plástico se muda para o município baiano, onde se radicou, após uma vida permeada pela produção e participação da cena artística em diversas localidades, incluindo Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná.

Krajcberg ficou conhecido como o artista que adotou a floresta brasileira por ter sido capaz de unir arte e meio ambiente num trabalho que foi além do encantamento. No Brasil, elaborou 11 manifestos nacionais, mais de 50 gritos públicos e publicou 14 livros

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Casa na árvore de Frans Krajcberg | Foto: Conexão Planeta

Durante a carreira, Krajcberg participou de 206 exposições coletivas entre 1950 a 2016 em 33 países, promoveu 92 exposições individuais entre 1945 a 2012 em 28 países e recebeu mais de dois mil prêmios.

Ele morreu no dia 15 de novembro de 2017, aos 96 anos, no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro. Na época, a família não permitiu a divulgação da causa da morte. Krajcberg foi sepultado em Nova Viçosa e suas cinzas estão ao pé da árvore que considerava sua melhor amiga e que fotografou diariamente durante anos.

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