sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A MEMÓRIA DO BRASIL NAS MÃOS DA TGF

 

O recente artigo de Paulo Ormindo sobre o escândalo da Quinta do Tanque e de seu importantíssimo acervo de arquivos levantou em mim algumas dúvidas com certeza oriundas de meu desconhecimento tanto nos domínios jurídicos como no que tange à alma humana.

O primeiro estranhamento se refere ao fato de a firma TGF ter oferecido á Bahiatursa um anteprojeto de equipamentos turísticos nunca encomendado pelo dito órgão estadual. Por qual motivo um estúdio de arquitetura investiria tempo e dinheiro em elaborar um projeto que nunca fora encomendado por ninguém? Falta do que fazer?

Outro estranhamento: a Bahiatursa deveria ter mandado, sem qualquer demora, uma carta devidamente registrada, recusando a iniciativa não solicitada. Foi feito, ou, como de costume, a burocracia e o famigerado “empurra com a barriga” omitiu esta obrigação, talvez até propositalmente?


Terceiro: Com qual argumento legalmente embasado a Justiça considerou em 1990 que a firma TGF tinha direito a honorários se o anteprojeto nunca fora encomendado? Confesso minha profunda ignorância tanto em dinâmica de gabinete de arquitetura como em assuntos jurídicos, mas – perguntar não ofende – não consigo me desfazer da desagradável impressão, totalmente subjetiva, de que poderia haver outros interesses nesta escabrosa decisão. Quais, não faço a mínima ideia.

Para concluir estas considerações, entrando no campo movediço da alma humana - se é que, neste caso, exista sombra de alma -  algo me incomoda muito mais. Lembrando que a arquitetura é considerada como a primeira e mais nobre das Belas Artes, o que, a princípio, faz do arquiteto algo como um sacerdote, revestido de dignidade e respeito pela sociedade, como pode um trio de arquitetos passar por cima do Bem Público (a tal res publica) e ao desprezar a história de um país inteiro, incluídos bandeira e hino nacionais, prejudicar a memória de seus antepassados, de seus pares e de seus filhos, para ganhar... ganhar o quê? Um terreno de pouco mais de 10 mil metros quadrados e um imóvel tombado com 300 anos de vida numa área urbana por enquanto pouco valorizada.

Ou será que a dita firma, longe daquela imagem social de prosperidade, precisa colocar sua reputação a perigo acaparando* um bem essencial a identidade nacional para restaurar suas finanças?

O Brasil inteiro precisa da Quinta do Tanque e aguarda um final feliz.


*Acaparar: “Acumular mercadorias em grande quantidade, para subtraí-las ao mercado e revendê-las depois com lucros extorsivos; especular por essa forma no comércio, de modo a garantir certo efeito de monopólio numa localidade ou região. 

(Não é o mesmo que monopolizar, pois acaparar é sempre uma atividade ilícita, ao passo que há monopólios legais.).”

 

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 11 de dezembro 2021.

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