Vou embora para Alepo. Lá sou
amigo do cônsul.
E ser cônsul da França em
Alepo não é pouco. Para ele e seus familiares será reservada a melhor mesa dos
melhores restaurantes, abrir-se-á ampla passagem nas mais concorridas festas e
inaugurações oficiais e, se tiver algum dodói, os mais conceituados médicos da
cidade disputarão a honra de curá-lo. Graciosamente.
Por reverência ao cônsul, a
Fundação Aga Khan disponibilizou a este joão-ninguém que daqui lhes escreve,
Reem, jovem, linda, muçulmana e competente engenheira para desvendar a última
descoberta do setor arqueológico da cidadela, ainda vedada ao vulgum turistus.
Uma série de baixos relevos hititas esculpidos no basalto de vulcões há muito
adormecidos. Leões e guerreiros de barba encaracolada, por enquanto estão
deitados no chão poeirento, protegidos por incertos plásticos.
Alepo, cidade viva mais
antiga do mundo, é dominada pela gigantesca e milenar cidadela, parte do
fabuloso centro-histórico-tombado-pela-Unesco etc. Facilmente você se perderá nos
labirintos de ruelas protegidas do sol e da chuva por cúpulas, arcos e abóbadas
de pedra. Pedra. Toda a Síria foi e continua sendo construída de pedra.
Dourada, a pedra reina absoluta não somente na cidade, mas também nos campos e
nas relíquias cristãs das redondezas. A igreja bizantina de São Simeão brilha
como jóia rara sobre uma planície onde se adivinham cidades mortas, elas todas
de negra pedra vulcânica. Ainda se pode contemplar parte da desconfortável
coluna onde o santo, dizem, passou anos de sua vida.
Igrejas? A dez minutos, a pé
da fabulosa mesquita dos Oumeiades, está o bairro cristão. Lá coabitam na maior
harmonia todos os ritos. Ortodoxo grego, armênio, maronita ou romano
apostólico. Ir de missa em missa num domingo de manhã é como participar de
farto buffet espiritual, com muitos cantos gregorianos e árabes, ícones e
afrescos, incenso e brancas barbas. Ritos diferentes, mesmos sorrisos em
qualquer devoção. Até na entrada da
mesquita xiita um devoto gentilmente lhe convida a entrar, sob a única condição
de tirar os sapatos. Na rua, os adultos cantam um amável welcome e os pequenos
estudantes mais corajosos vem lhe perguntar what is your name e, ruborizados,
fogem correndo.
Perigosa, a Síria? Quem
afirma isso nunca lá esteve. O vendedor de frutas e verduras lhe oferece um
copo de chá, a velha caçamba carregada de flores que você fotografou, pára e o
motorista com cara de poucos amigos corre para lhe oferecer uma flor.
Vai surfar nos séculos,
mergulhar nos milênios e fazer malabarismos com palavras mágicas extraídas das
Mil e Uma Noites. Se ainda não leu o tijolo, recomendo a tradução do explorador
Richard Burton, até hoje nunca superada. Aprenda a usar, com desenvoltura, os
termos Sultão, Mesquita, Zenôbia, Soliman, Serralhos, Otomano, Hamam, Mesopotâmia,
Sinan, Hititas, Caravana, Harém, Palmira, Eufrates e, de repente, você vai
bater de frente com as origens da civilização ocidental. Afinal é nas areias e
terras pedregosas da Síria que se descobriu o primeiro alfabeto da História da
Humanidade. Este eu vi, com os meus olhos vi, no Museu Arqueológico de Damasco.
Em Alepo, compre o
tradicional sabão. 100% natural, afirmam os modestos anúncios. E é natural
mesmo, feito de azeite de oliva e de louro. As virtudes não cabem em tão pouco
espaço, mas meus amigos afirmam que perdi dez anos em um mês só pelo uso deste
sabão milagroso. Inch Allah!
Dimitri Ganzelevitch
Salvador 12 de junho de 2008.
Por falar em Aleppo, uma das cidades mais elegantes do mundo (antes da guerra), lembrei de indicar a você, que é um bon gourmand, a Casa Aleppo. Como em toda Salvador não existe um único restaurante de comida árabe autêntica ou sequer próxima dela, são todos fakes, recomendo a raridade que fica em Buraquinho. Vai gostar: ambientação, a culinária forte do oriente médio, meio mediterrânea e meio do Magreb. O cozinheiro é o dono, sírio.
ResponderExcluirTenho e li o livro do explorador Richard Burton!! Vida fascinante desse belo homem!
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