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Imóvel de acervo doado por Frans Krajcberg à Bahia é demolido
O imóvel do artista plástico Frans Krajcberg, que deixou em testamento seus bens para o Estado da Bahia, foi demolido pela prefeitura de Nova Viçosa, nesta quarta-feira (10), onde estava localizado. Apesar da primeira tentativa, na terça-feira (9), ter sido coibida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), inclusive com o registro de queixa na delegacia da cidade, a empresa contratada para o serviço retornou ao local, hoje, e demoliu a propriedade.
O reforço da PGE foi solicitado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado (Ipac), após a investida promovida pela prefeitura de Nova Viçosa de ocupação do imóvel pertencente ao acervo e patrimônio deixado por Krajcberg ao Estado.
“Essa demolição demonstra uma falta de interesse pela preservação e memória do município, principalmente ao seu acervo edificado. Causa-nos estranheza que a câmara de vereadores e a população tenha isso como natural. E o segundo, que é o mais agravante, é você adentrar em um imóvel que é de outro ente federativo. E o pior de tudo, vai diretamente de encontro com a memória do próprio artista”, ressalta o diretor geral do Ipac, João Carlos Oliveira.
Demolição de acervo doado é ilegal
O artista plástico polonês, radicado em Nova Viçosa, deixou em testamento seus bens para o Estado da Bahia, esclarecendo por disposição de última vontade que tal patrimônio, inclusive imobiliário, fosse utilizado prioritariamente para auxiliar na preservação de seu legado artístico.
Foto: Geraldo Moniz/Divulgação |
Em recente decisão proferida pelo juiz substituto da Comarca de Nova Viçosa, Renan Souza Moreira, o Poder Judiciário reafirmou que todos os bens deixados por Frans Krajcberg, incluindo seu acervo de obras de arte, devem ser administrados pelo Estado da Bahia, de acordo com sua conveniência e oportunidade.
Dessa forma, o ato ilegal da prefeitura de Nova Viçosa atenta não apenas contra decisão judicial expressa, como também viola a memória do grande artista. Em nota, a PGE informou que adotará as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.
A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Nova Viçosa por telefone e por três e-mails diferentes, mas até a publicação desta reportagem não houve resposta.
Acervo
O acervo doado ao Estado é composto por mais de 48 mil itens e cerca de 50 hectares do sítio Natura, antigo ateliê onde vivia praticamente recluso desde 1978, no município de Nova Viçosa, extremo sul do estado. Sua obra reflete a paisagem brasileira, em especial, a Floresta Amazônica, e sua constante preocupação com o meio ambiente.
Disputado por vários outros estados e até mesmo pelo exterior, o artista doou o seu acervo de obras e propriedades à Bahia pela primeira vez em 2009. A escritura de doação foi assinada pelo artista e pelo governador Jaques Wagner durante a abertura do Seminário Nordeste: Água, Desenvolvimento e Sustentabilidade, no Fiesta Bahia Hotel, em Salvador.
Quatro anos depois, outra decisão, desta vez partida do governo estadual, ressaltava a importância de suas obras para o estado: a construção de um museu para preservação da sua obra. Em 2019, foi aprovado, por unanimidade, pela Assembleia Legislativa da Bahia, o projeto de lei para a criação da Fundação Museu Artístico Frans Krajcberg.
O equipamento teria uma sede no município de Nova Viçosa e em Salvador, no bairro de Ondina, mas 9 anos após a decisão, nenhuma obra foi iniciada. A reportagem questionou o Ipac, responsável pela administração das obras, sobre o andamento do projeto, mas a pergunta não foi respondida.
Hoje, parte do acervo do artista pode ser visitado no Museu do Recôncavo Wanderley Pinho, no Recôncavo da Bahia, e na exposição “Frans Krajcberg: por uma arquitetura da natureza”, no MuBE, em São Paulo.
Frans Krajcberg
Krajcberg morreu em novembro de 2017, aos 96 anos, no Hospital Samararitano, no Rio de Janeiro. Em 2022, o artista completa 101 anos de história. Frans nasceu na Polônia, em 1921. Durante a Segunda Guerra, precisou fugir para a União Soviética, se separando dos seus pais. Mais tarde, descobriu que seus familiares morreram nos campos de concentração nazistas.
Iniciou seu processo artístico na Europa pós-guerra, mas foi no Brasil que ele se tornou um ativista e artista, transformando a arte em caos conceitual. Desde então, viajou pela floresta amazônica, morou no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e decidiu fixar morada na Bahia entre 1972 e 2017, ano de sua morte.
Desde então, sua arte e luta pela natureza se tornaram uma só. Entre fotografias, vídeos, pinturas, fotografias e esculturas, o que mais chama atenção são os troncos de árvores, muitos carbonizados, transformados em arte e protesto, como se houvesse uma ressurreição daquela natureza morta.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo (Correio)
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