FERNANDO GABEIRA
não sei se estamos realmente
escolhendo um presidente
ou cavando uma crise para
que ele se afunde, como afundaram
seus antecessores. O Congresso votou
uma bomba fiscal e o STF, um aumento que
vai repercutir nas contas públicas. No calor da luta
política, os candidatos falam em investir. Mas como, se as despesas
da máquina do governo vão aumentar?
Tive de explicar a alguns amigos por que tenho uma relação cordial
com Bolsonaro. Não sabiam que o conheço há duas décadas, e
convivemos no Congresso durante 16 anos e inúmeras viagens
Rio-Brasília. Foram 16 anos de divergência no campo dos costumes
sem que se tenha perdido o diálogo.
Da mesma forma, conheço quase todos os outros candidatos.
Admiro sua coragem. Nunca estive com o Cabo Daciolo, por
exemplo, mas o considero uma versão light do russo Iorudivi,
um louco de Deus.
Ele não usa correntes amarradas no corpo, mas tem as mesmas
visões de cura. Daciolo afirmou que soube por Deus que a deputada
Mara Gabrilli iria andar em breve.
São homens e mulheres que se dedicam a uma tarefa muito difícil.
É possível que alguns não saibam o quanto. E que alguns tenham até
má intenções.
Considero fundamental que todos possam apresentar suas ideias.
Na última eleição entrevistei os que estavam fora do debate, porque
não pontuaram o suficiente nas pesquisas.
Certamente o farei de novo, com a tática de sempre: nem cúmplice
nem algoz. Tudo o que posso fazer é estender uma corda para que
escalem a montanha ou se enforquem.
Quanto mais transparência, pelo menos teoricamente, chega-se mais
facilmente a uma boa escolha. É possível dizer que nem sempre foi
assim, e nem sempre será. Mas não há outra lógica melhor.
Nunca fui tao moderado, reconheço. Mas uma leitura cautelosa
destas eleições mostra esquerda fragmentada, direita em ascensão,
crise econômica. Para quem conheceu outros momentos históricos,
essa combinação é perigosa.
O sistema político-partidário, do qual participei ao longo de alguns
anos, está em frangalhos e só se sustenta movido a muito dinheiro
público. Terminou um período de redemocratização que deixa grande
número de descrentes na importância da própria democracia.
A primeira preocupação é não jogar fora o bebê com a água de banho
. O processo democrático precisa se aprofundar, mas em novas bases.
De um modo geral, somos muito atentos aos golpes de Estado, mas
subestimamos as outras formas que ameaçam a democracia através
de sua erosão cotidiana. A melhor maneira que me ocorre é buscar
algum consenso na análise de conjuntura. A esquerda comprometeu sua
influência cultural em vários momentos. O mais grave deles foi a corrupção
que atingiu sua credibilidade.
Mas, no meu entender, teve peso também aplicar políticas estatais
que mexem com o cotidiano, sem um consenso majoritário, apenas
por ter vencido as eleições. Essa suposição de que a minoria
iluminada precisa conduzir o país em alguns temas da vida produz
muitos ressentimentos.
O próprio Supremo, ao discutir a questão do aborto, corre o risco de
decidir pelo Congresso, algo que não acontece em muitos países em
que o Parlamento funciona. O argumento contrario é de que as coisas
demoram a acontecer sem uma intervenção da vanguarda. No entanto,
escolhas feitas por uma elite acumulam resistências que contribuem para
movimentos contrários com resultados imprevisíveis.
Não tenho a pretensão de ter o segredo para repactuar o diálogo político
no país. A única formula que conheço é tentar suprimir ofensas e
se concentrar na troca de ideias.
As ofensas acabam reforçando emocionalmente soluções simples para
problemas complexos. Ideias geram dúvidas, suscitam revisões —
enfim, são o melhor veículo para sair dessa maré.
Os debates entre candidatos começaram. Ainda há pouco de linguagem
egocêntrica, cada um repisando suas teses, sem levar em conta a pergunta.
A tarefa agora é levá-los à maior clareza possível não só sobre o que vão fazer,
mas como vão fazer e com que dinheiro, nesse pântano fiscal em que nos metemos.
Precisamos escolher alguém para eleger, e não para derrubar no ano
seguinte.
Artigo publicado no Globo em 13/08/2018
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