quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

O GURU E AS ÁRVORES

 

O GURU E AS ÁRVORES

Suíço atrai legião de seguidores após fazer renascer rios e árvores na Bahia

MARCOS CANDIDO


"Olha o gringo doido"

Ernst Götsch nasceu em Raperswilen, Suíça, e mudou para a Bahia na década de 80 após morar em países como a Namíbia e Costa Rica. Filho de pequenos agricultores e com sete irmãos, tinha fama de provocador na escola. Foi expulso três vezes. O pai o levou para trabalhar nos Alpes. Apesar da beleza da paisagem, a intenção era castigá-lo e preservar a reputação da família. "Para mim, não foi castigo. Foi um presente", diz.

Aos 24, trabalhou na agência estatal Zürich-Reckenholz com melhora genética de plantas. "Mas será que não dá para fazer diferente?", se perguntava. Foi quando teve contato com a ecologia, ciência que estuda o meio ambiente como sistema conectado.

Ernst pediu demissão e comprou terras na Europa para testar o que tinha em mente: uma agricultura mais ecológica, debruçada sobre o conceito de que os seres vivos estão conectados e produzindo vida de forma incessante. Mas a experiência não durou muito e, em 1982, o suíço aceitou o convite de um amigo para cultivar cacau na Bahia.

Rendendo frutos



Décadas depois da chegada de Ernst na Bahia, já em 2020, o vendedor Rafael "do Basquete", 48, estava quebrado. Sua gráfica em Tabuleiro do Norte, Ceará, havia falido no ano anterior e ele estava cheio de dívidas. Para sobreviver, passou a vender aros de basquete pela internet — daí o apelido.

Quando a pandemia começou, ele passou a se lembrar da infância no sertão. Um amigo lhe deu a ideia de comprar uma fazenda e retornar àquela vida do passado, embora Rafael entendesse muito de basquete e pouquíssimo de agricultura.

Um dia, buscando aulas no YouTube, encontrou vídeos de Ernst. "Parecia uma ideia absurda, mas [me interessei ao ver] que a técnica dele não usa produtos químicos, máquinas pesadas, e funcionava em qualquer vegetação no país", diz.

Rafael pegou dinheiro emprestado de amigos, vendeu uma casa e comprou um terreno com 17 hectares por R$ 65 mil. "O dono me disse que a terra era ruim, tinha muita árvore que precisaria desmatar — ele não entendia que eu não queria desmatar." Para começar, plantou caxambu, seriguela, pinha, coqueiros e plantas com crescimento mais rápido, como feijão. A vegetação começou a crescer e deu frutos.

Rafael não está sozinho. "Ernst é referência para tudo", diz Marcelo Prata, 48, dono de uma agrofloresta nos moldes sintrópicos na Caatinga, em Sergipe. Há também youtubers que ensinam técnicas inspiradas na Agricultura Sintrópica, como Érika Canto, 22, gaúcha que mora na Bahia. Para ela, a sintropia quebra o "paradigma de que as plantas competem o tempo todo. Nesse caso, a cooperação entre elas é que faz com que vivam mais felizes", diz por e-mail a Ecoa.

"Olha o gringo doido", costumava ouvir. A alcunha tinha motivo. Os hectares onde trabalhava haviam sido exauridos por décadas de incêndios para a pastagem de bois, sem o menor sinal de que dali poderia brotar algo novamente.

Em uma região onde a maioria da população era negra, um estrangeiro branco, com sotaque ainda carregado e à frente de um negócio fadado ao fracasso alimentava curiosidade. Assim que a floresta começou a crescer, também aumentavam a fama e o respeito do gringo.



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