Governo da Bahia empresta obras de Frans Krajcberg para casa de festas
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - O governo da Bahia firmou um contrato de comodato e autorizou o empréstimo de obras do artista plástico Frans Krajcberg para um cerimonial de festas em uma ilha na baía de Todos os Santos.
As obras foram cedidas por três meses para a Fundação Baía Viva, entidade que gere o Cerimonial Loreto, espaço de festas na Ilha dos Frades. A ilha pertence ao município de Salvador, mas não possui acesso terrestre: só é possível chegar ao local em lanchas e escunas.
Com capacidade para 800 convidados, capela climatizada e heliponto, o espaço costuma abrigar festas de casamento de famílias ricas da Bahia e eventos corporativos de grandes empresas.
As obras de Krajcberg pertencem ao governo da Bahia desde 2009, quando o artista doou seu acervo de 48 mil itens com o objetivo de preservá-los após a sua morte. A coleção, que inclui esculturas, gravuras, fotografias e pinturas, está armazenada no Sítio Natura, antiga casa e ateliê do artista em Nova Viçosa, extremo-sul da Bahia.
Nascido na Polônia e naturalizado brasileiro, Krajcberg ficou conhecido por obras que tinham como matéria-prima troncos e raízes calcinados. Escultor, fotógrafo, gravador e pintor reconhecido internacionalmente, também era conhecido por seu ativismo ambiental.
O termo de doação ao governo da Bahia prevê entre os encargos que o governo mantenha os "fins culturais e ecológicos" das obras. Por isso, a cessão das esculturas para um cerimonial de festas privado tem sido alvo de críticas e preocupação no meio artístico e em admiradores da obra de Krajcberg.
"A cessão nos causa arrepios. Ela viola não só os termos da doação, mas também as regras mais elementares de preservação de um patrimônio desta importância", afirma Leonardo Amarante, vice-presidente da Associação Amigos de Frans Krajcberg.
O contrato e comodato prevê a cessão gratuita de 12 obras de Frans Krajcberg para a Fundação Baía Viva sob a justificativa de "aproximar as obras do público baiano". Serão cedidos três conjuntos de quatro esculturas cada, incluindo obras relevantes do acervo como os conjuntos Coqueiros e Gordos.
Amarante destaca que estes conjuntos estão entre as obras mais valiosas de Krajcberg e diz que a cessão foi feita mediante um seguro com um valor muito inferior ao que as obras possuem. Cada peça foi segurada em R$ 100 mil, sendo que valem mais de R$ 1 milhão. "É um atentado à obra de Krajcberg."
O órgão responsável pela cessão das obras é o Ipac (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia). Em nota, o diretor do órgão João Carlos Cruz de Oliveira diz que parte do acervo de Krajcberg já "foi emprestada para instituições culturais do Rio de Janeiro de São Paulo e precisa ser melhor conhecido pelos baianos".
Privado, o Cerimonial Loreto não é aberto ao público em geral. O espaço pertence à Fundação Baía Viva é presidida por Isabela Suarez, filha do empresário Carlos Seabra Suarez, que atua nos segmentos de energia e distribuição de gás.
Ele foi um dos fundadores da OAS e é conhecido por sua influência no meio político baiano. Em 2010, foi o maior doador como pessoa física da campanha do então governador Jaques Wagner. No ano passado, seu irmão, Mário Suarez, foi alvo da operação Lava Jato por fraudes em contratos para construção da Torre Pituba, sede da Petrobras em Salvador.
A Fundação Baía Viva já teve sua atuação questionada pelo Ministério Público Federal e chegou a ser ré em um processo por crime ambiental pela realização de obras realizadas sem licença ambiental na Ilha dos Frades.
As relações entre o Ipac e a família Suarez vão além do contrato de comodato parta cessão das obras de Krajcberg. Em 2019, o órgão de patrimônio baiano firmou uma parceria com o Instituto Pedra para inventário, higienização, restauração e acondicionamento do acervo de Frans Krajcberg.
Para financiar o projeto, o instituto foi autorizado a captar recursos por meio da Leia Rouanet. O único patrocinador do projeto, com repasse de R$ 500 mil, é a Termo Norte Energia, empresa pertencente a Carlos Suarez.
Esta não é a primeira polêmica envolvendo do diretor do Ipac, João Carlos Cruz de Oliveira. Conforme apontado em reportagem da Folha em janeiro, o órgão de proteção ao patrimônio baiano autorizou uma série de shows e eventos na área externa do Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador.
O museu fica no solar do Unhão, conjunto arquitetônico do século 17 tombado pelo Iphan desde 1943. Diante da inadequação do espaço, a Justiça baiana chegou a barrar a realização de um show do cantor sertanejo Luan Santana no sítio histórico.
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