DIVALDO ANGELIN VERAS e OS DZI CROQUETES
Por Márcio Pinheiro
O artista plástico Luiz Jasmim, o Rei Pelé (Edson Arantes do Nascimento) e o bom-vivant Divaldo Angelin Veras, em uma noite de réveillon
No ótimo documentário sobre os Dzi Croquettes, um personagem misterioso passa quase despercebido. Quando os cinco "croquettes" sobreviventes – e também a "madrinha" Nega Vilma – recordam o "início do fim", são unânimes em lembrar a figura de um fazendeiro que os trouxe para uma temporada no interior da Bahia. Foi a partir daí que a coisa começou a degringolar, e o grupo se dissolveu. O nome do misterioso anfitrião é citado muito rapidamente: Veras.
Fiquei curioso e fui atrás.
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Veras é (ou melhor, foi) Divaldo Angelin Veras, um pernambucano nascido em abril de 1940. Foi paraquedista no Rio de Janeiro e lá conheceu a mulher com que viria a se casar, herdeira de uma fortuna em fazendas de cacau. A partir de então, teve uma vida de excesso e loucuras.
Foi amigo de Pelé, Sônia Braga e Janis Joplin (que considerava feia e fedorenta). Colecionava Mercedes e passava longas temporadas nos Estados Unidos e na Europa. Numa dessas viagens, conheceu e se aproximou de Lennie Dale. O bailarino americano foi a ponte entre os Dzi Croquettes e Veras, que rapidamente tratou de convidá-los a serem seus hóspedes na fazenda baiana.
A temporada foi trágica, rachando o grupo e ajudando a afundar ainda mais o patrimônio de Veras, que morreu em 2007, devastado pelo alcoolismo e perambulando pelas ruas de Ipiaú (BA), onde era conhecido como o mendigo que falava várias línguas. Em sua louca lucidez (ou lúcida loucura), demonstrava ter consciência da vida de excessos e delírios que viveu. Não se arrependia e reafirmava que “dinheiro não foi feito para se perder. Dinheiro foi feito para se gastar”.
Foto : O artista plástico Luiz Jasmim, o Rei Pelé (Edson Arantes do Nascimento) e o bom-vivant Divaldo Angelin Veras, em uma noite de réveillon (1976, por aí) no Bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Deve ter rolado altas nessa festa na casa de Luis Jasmim. O anfitrião frequentou as mais requintadas rodas da sociedade baiana, carioca e pernambucana. Era amigo de celebridades como o pintor Salvador Dalí , a ex-primeira dama do Brasil, Yolanda Costa e Silva, as cantoras Gal Costa e Maria Bethânia e a colunista social Danusa Leão.
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Sinopse: Divaldo Angelin Veras, mais conhecido como Veras, dá seu último depoimento audiovisual ainda em vida. Dentre outros assuntos, ele fala do amor e recita algumas das suas poesias. Veras, um bon-vivant da cultura cacaueira. Pernambucano de Sertânia, bissexual, dono da boate Anjo Azul em Salvador na década de 60, local onde conhece sua primeira esposa, uma das filhas do maior proprietário de roças de cacau do mundo e faz fortuna. Personalidades como Pelé e artistas internacionais faziam parte do seu convívio. Produtor com trabalhos internacionais, um deles Dzi Croquetes; patrocinou a turnê do bailarino Leni Dale por boa parte da Europa. Falava cinco línguas e conheceu muitos países. Terminou sua vida mendigando e escrevendo poesias. Por fim foi parar no Beco dos Dez Quartos, um antigo antro de prostituição, local onde foi registrado seu último depoimento em vídeo.
Direção e Produção: Edson Bastos
Assistente de Produção: Glauce Oliveira
Montagem: Iris de Oliveira
Finalização de Áudio: Glauco Neves
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Homenagem a Veras
O Anjo Azul da Sarjeta*
É difícil ter um contato com ele e não compartilhar o mínimo possível da sua personalidade. Difícil também é, após o contato, perceber o mundo da mesma forma que antes. Mais difícil ainda é não sair da conversa sem ser provocado por aquela figura que faz parte da história da Cidade de Ipiaú. Depois que tive o contato com ele, não fui mais o mesmo, disso eu tenho certeza. Uma hora de conversa (talvez o último registro áudio-visual do maior bom vivant que a cidade já teve), foi o suficiente para se apaixonar pela história de vida dele e nunca mais esquecê-lo. Até porque o vídeo possibilita ressuscitar mortos assim como no cristianismo.
Considerava-se “pernambaiano”, pois era natural de Sertânia-Pe, porém criou-se em Salgueiro, mas foi em Ipiaú-Ba, após rodar boa parte do mundo, onde ele alçou vôo. Também já tinha perdido tudo, ou melhor, gastado tudo, porque “dinheiro não foi feito para se perder. Dinheiro foi feito para se gastar”, dizia ele. “Eu escolhia as pessoas mais tristes para se divertir comigo”, complementa. Foi PQD (sigla de pára-quedista), morou em vários países da Europa, morou nos EUA, construiu a boate Anjo Azul, local de fermentação cultural da capital baiana, e depois de gastar todo o seu dinheiro, parou no “Beco dos dez quartos”, antigo brega, localizado na cidade de Ipiaú-Ba.
Uma figura excêntrica e atípica, principalmente para aquela cidade conservadora, onde as pessoas não o entendiam, principalmente pelo fato de ter sido bi-sexual. Sobre isso, ele conta que foi casado com a mulher mais linda que já viu. Conheceu-a naquela boate por meio de um amigo. E conta ainda que conheceu um americano por quem foi apaixonado e por isso foi morar nos EUA com ele. “Ele disse: quer ir trabalhar comigo. Eu digo: vou. Fazer o quê? Eu não sei trabalhar. Ele disse nada, fazer companhia. Era um gay. Me tornei marido. Tem alguma coisa contra? Ai vim, amando a pessoa”. Ainda brincando com esta questão e sendo totalmente provocador ao ser questionado sobre sua preferência sexual ele responde. “Eu gosto de mulheres burras, homens inteligentes. Porque a mulher quando não é burra, domina. Mulheres inteligentes todas são minhas amigas. As burras minhas amantes”.
Amigo de pessoas ilustres como Pelé, Fernanda Montenegro, Janis Joplin, Amália Rodrigues (se emociona ao falar dela no vídeo e diz que pessoas como ela não deveriam morrer nunca), Sônia Braga, Carlos Bastos, Michael Douglas e inúmeras outras pessoas famosas. Freqüentava o alto ciclo da sociedade quando tinha dinheiro e drogas para distribuir. Chegou a fretar aviões para trazer pessoas para sua fazenda no município de Barra do Rocha e fazer festas de arromba. Mas diz que em seus últimos dias, ninguém dava mais importância para ele porque era um alcoólatra e “ninguém gosta de alcoólatras”. Não perdia o humor nunca. Disse: “se tiver um fumo aí, ó o bico. Se tiver um pó aí, o nariz tá pronto”. Não tinha medo de dizer o que pensava, nem de fazer o que queria. Odiava falsos moralistas.
Filosofava em seu quartinho, com aquele silêncio todo e isso o levava à grandes reflexões. Chega a falar no vídeo que só está esperando sua hora, porque não agüenta mais. Era através do silêncio que ele buscava suas respostas e não se perguntava mais nada. E tinha muito medo quando a esposa do silêncio (segundo ele), a barulhenta chegava, porque bagunçava tudo. O poeta toma vez em alguns momentos, onde ele cita alguns de seus poemas que estão na Editora Corrupio em Salvador, em posse de Arlete Sales para editar o livro e lançá-lo, porém até hoje não conseguiu verbas o suficiente para isso. Prova de que a Bahia tem dado a mínima para a literatura e para eventos culturais que não acontecem na capital. Não posso nem citar a prefeitura de Ipiaú, pois a cultura tem passado a léguas de distância da mesma. Sobre o livro ele disse que não queria que publicassem, pois queria ter suas poesias do seu lado para assim trocar por cachaça. Era o mesmo que faria com o dinheiro que iria ganhar se o livro fosse lançado. Eis um de seus poemas:
Habita em mim um ser que veste hábito. Que prometeu sempre me levar em direção ao puro e sacrossanto, quando o meu eu pensa que não há. Espero sempre o meu, eu, velho monge, adormecer para o meu eu jovem na vida, se atirar. Se arriscando as ilusões da vida que o meu eu, velho monge, sabe que há.”
A notícia de sua morte chegou como uma bomba, principalmente porque, mais do que nunca, tenho agora uma obrigação de finalizar o vídeo, por vários motivos que não cabem citar aqui, mas o principal é mostrar que mesmo diante do abandono ele não perdeu o rebolado e viveu seus últimos dias da melhor forma possível. Sem pudores, tristeza ou falso-moralismo.
Esta figura merece um capítulo à parte na história de Ipiaú. De vez em quando me pego falando palavras ou provocações que ele disse na entrevista que me cedeu. Amália Rodrigues e sua música nostálgica tocam vez por outra no aparelho de cd. Mas a sua imagem é bastante recorrente à minha mente. Principalmente por me mostrar o quanto sou fútil e bobo, mas melhor ainda, por caracterizar o meu riso como “um riso cretino”.
Resta a dúvida: será que ele descansa em paz ou já sacudiu o lugar que agora está?
Deveras, ele nunca morrerá, assim como tantas outras figuras que residem em minha memória. Citando Rubem Alves, é eterno tudo aquilo que reside na memória.
Uma homenagem a Divaldo Angelin Veras, mais conhecido como Veras. Nasceu em 20 de abril de 1940 e morreu aos 67 anos de vida. Muita vida.
* Título retirado da matéria sobre a morte de Veras, publicada no Jornal Agora, pelo jornalista José Américo Castro.
Edson Bastos
Obs: Apresentam o espetáculo Tv Croquettes, canal Dzi no Teatro Castro Alves, em Salvador, durante janeiro de 1976.
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