O antiamericanismo ficou grande de novo
Tarifas, assédio e ameaças de Trump geram uma onda mundial de repulsa aos EUA.
Os submarinos americanos estão impedidos de se reabastecer na costa norueguesa por decisão da operadora Haltbakk Bunkers. Em comunicado, a empresa justificou a decisão desde o dia 1º pelo maior “espetáculo de merda apresentado ao vivo na TV” no bullying público de Donald Trump e J.D. Vance contra o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. A decisão não é isolada. Grupos no Facebook promovem pedidos de boicote a produtos americanos na Dinamarca (“Boykot varer fra USA”), Suécia (“Bojkotta varor fran USA”) e Canadá, onde o movimento é mais forte.
Pesquisa da empresa americana Yougov divulgada na semana passada mostrou que desde a posse de Trump a imagem positiva dos EUA caiu de 46% para 20% na Dinamarca, 49% para 29% na Suécia, 52% para 32% na Alemanha e 50% para 34% na França. Trump está fazendo o antiamericanismo grande de novo.
Desde a posse de Trump e sua ameaça de transformar o Canadá no 51º estado, o hino nacional americano foi vaiado antes dos jogos da NBA e NHL, incluindo no clássico entre as duas seleções de hóquei. A vitória canadense no jogo foi saudada com gritos nacionalistas de “tire suas mãos do nosso país”. Há uma campanha estruturada defendendo o buy canadian, com produtos canadenses tendo selos especiais e ódios específicos ao uísque bourbon e os carros Tesla. Pesquisa do Angus Reid Institute afirma que 79% dos canadenses têm uma visão negativa de Trump.
Vítima favorita do assédio de Trump, o ex-primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, ressuscitou politicamente nas últimas semanas. Sem apoio até no seu Partido Liberal, Trudeau havia anunciado sua renúncia em janeiro, mas sua sorte virou desde que passou a enfrentar a ameaça da incorporação americana. Pesquisa da Ipsos desta semana mostrou que, desde a posse de Trump, a quantidade de eleitores dispostos a votar nos liberais cresceu 26 pontos percentuais, empatando com os conservadores pela primeira vez em quatro anos.
No domingo, o novo líder do Partido Liberal do Canadá e primeiro-ministro do país, Mark Carley atacou Trump,.“Tem alguém que está tentando enfraquecer nossa economia: Donald Trump. Ele colocou tarifas injustificadas no que construímos, no que vendemos e em como vivemos. O Canadá jamais será parte dos Estados Unidos”.
Estar próximo do presidente americano virou particularmente tóxico na França, onde o sentimento de temor à Rússia agora se mistura ao antiamericanismo. Na semana passada, a líder de extrema-direita Marine Le Pen reclamou, em entrevista ao Le Figaro, da “brutalidade” de Trump com Zelensky. “Ninguém pode forçar os EUA a manter o seu apoio (à guerra), mas é condenável não dar à Ucrânia um tempo razoável para se adaptar”, disse. Está em curso nas redes sociais francesas uma campanha para o cancelamento da encomenda pela OTAN dos caças americanos Lockheed Martin F-35 Lightning II.
O antiamericanismo gerado por Trump é distinto do “yankees go home” da esquerda dos anos 1960/70. Não há como no passado um debate moral sobre o benefício ou malefício da influência americana, apenas a constatação de que os EUA, com ou sem Trump, sempre colocará seus interesses primeiro. Como no famoso aforismo do secretário de Estados dos governos Nixon e Ford, Henry Kissinger, “é perigoso ser inimigo dod EUA, mas ser amigo pode ser fatal”.
A presidência de Trump tem um efeito global, não apenas pelo poderio econômico, cultural e militar americano, mas por disseminar a crença de que os EUA mudaram para sempre. Alianças históricas com Canadá e Europa estão sendo revistas, e enfrentar os EUA é visto como um ato de independência e coragem. Do outro lado do Rio Grande, a presidente mexicana Claudia Sheinbaum chegou aos 100 primeiros dias de governo com índices de aprovação de 80%, de acordo com pesquisa da Enkoll, em parte pela sua postura pública firme contra Trump. Os seguidos adiamentos das prometidas sanções americanas ao México são percebidos como vitórias de Sheinbaum.
Ainda fora do radar da Casa Branca, o Brasil terá seu enfrentamento em questão de tempo, com as ameaças de novas tarifas sobre a venda de aço, etanol e produtos agrícolas. Imitador de Trump, Jair Bolsonaro terá dificuldades em explicar por que defende sanções que prejudicam os produtores de etanol de Ribeirão Preto ou os trabalhadores da siderúrgica Usiminas. Candidatos como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, que se deixaram fotografar com bonés Make America Great Again, terão de rever suas posições sob risco de perder eleitorado.
Não por coincidência, a Secretaria de Comunicação do governo Lula prepara para as próximas semanas uma campanha publicitária nacionalista, cujo subtexto é a tentativa de tomar da direita a bandeira do patriotismo. A onda do antiamericanismo está só começando.
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