quinta-feira, 13 de março de 2025

DESVENTURAS DE UMA PERNA DIREITA

Em 3 de julho de 2020 caí da rede. Fêmur quebrado. Às 8h00 da manhã do dia seguinte fui operado num hospital do centro da capital. Mal. O erro só seria constatado após anos de anti-inflamatórios.

Durante anos, com dor a cada passo no joelho e arredores, andei coxeando de consultório em consultório, sempre a léguas de minha residência, mofando durante horas nas salas de espera. Como é sabido, médicos não dão a mínima importância ao tempo dos pacientes. O primeiro ortopedista consultado, recém diplomado metido a playboy, acompanhado de uma bela estagiária de cabelo esticado que parecia monopolizar todas suas atenções, contentou-se, apressado, em receitar comprimidos contra a dor e injeções em caso de emergência. Mero paliativo.

O segundo foi aquele mesmo cirurgião que me tinha operado. Ordenou uns remédios recém-lançados no mercado, talvez por sugestão da representante que acabara de sair do consultório antes de eu entrar. Foi uma dificuldade para encontrar o caríssimo produto. Farmácia nenhuma conhecia. Igual a copo d´água sem gás, não produziu o milagre esperado. Teimoso e ingénuo, voltei ao mesmo doutô. Desta vez me aconselhou umas cápsulas rosas bonitinhas e um pozinho de pirlimpimpim que passaram na minha vida como uma nuvem. Ficou em manter o contato pelo zap. Se esqueceu de mim. Mandei uma última mensagem “Muito obrigado, Dr. X”. Nem respondeu.

Terceiro médico. Um jovem quarentão, daqueles que confundem a coluna da July com Hipócrates. Plantonista uma manhã por semana em outro hospital. No bolso do jaleco, sob seu nome elegantemente bordado, a informação “Especialista do joelho”. Declarou que a única solução seria uma infiltração de Reviscon. Porque não ia a seu consultório, lá nos bairros novos a caminho do aeroporto? Seria muito bem atendido.

Fui. Paguei uma nota para ir de uber, outra para voltar. A infiltração me custou um salário. Mas o alívio não valeria todo e qualquer sacrifício financeiro? Durante seis meses ia poder treinar para qualquer triátlon. O octogenário Fausto voltando a adolescência. No dia seguinte, a dor tinha retornado a seu habitat favorito. Deprimido, mandei zap ao médico. Não respondeu. Restou-me a inigualável satisfação de ter contribuído para os gastos do imponente consultório num dos edifícios mais cafonas desta cidade sem planejamento.

Se o leitor nasceu na primeira metade do século passado, talvez tenha sido tratado por médicos da velha guarda. Que olhavam para você nos olhos, conversavam longamente, estabelecendo um elo, quase uma cumplicidade. Me lembro do Dr. Newton Guimarães, emérito dermatologista no Canela. Do odontólogo Dr. Walter Lacerda, na Rua Chile. Entrar no consultório era como reencontrar um velho e competente amigo...

 Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 15 de março 2025

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