quinta-feira, 13 de março de 2025

VIVA A PREFEITURA DO LELÉ!

 

Sergio Kopinski Ekerman defende permanência do Palácio Thomé de Souza na Praça Municipal

Para o arquiteto, a manutenção do prédio na Praça Municipal "é uma solução já plena de seu próprio significado histórico"

Sergio Kopinski Ekerman defende permanência do Palácio Thomé de Souza na Praça Municipal

Foto: Reprodução/YouTube

Por: Metro1 no dia 13 de março de 2025 às 13:45

Atualizado: no dia 13 de março de 2025 às 17:11

Em um carta aberta, o professor e ex-diretor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Sergio Kopinski Ekerman defendeu e elencou os motivos para a permanência do Palácio Thomé de Souza, sede da prefeitura de Salvador, na Praça Municipal.

Ekerman  iniciou a carta relembrando que já são mais de 20 anos em uma disputa em que o Ministério Público pede a retirada do prédio projetado pelo arquiteto João Filgueiras Lima (Lelé) durante a gestão do então prefeito Mário Kertész, em 1986. O arquiteto classifica a análise do MPF como “açodada e inadequado” e analisa também a conduta da prefeitura no imbróglio.

“Se antes a prefeitura buscou defender-se para garantir sua permanência, agora argumenta que deve obedecer a ordem judicial, e o prefeito já anunciou que está de mudança para o Palácio da Sé. O assunto tem ao menos duas camadas distintas e complementares”, afirmou. Essas camadas são, segundo ele, a permanência ou não da própria instituição da Prefeitura na praça fundacional da cidade, junto à Câmara Municipal (que, por sinal, também diz estar de mudança para o Excelsior)” e, como segunda camada, a manutenção ou não do prédio, com ou sem prefeitura. 

O arquiteto destacou ainda que o retorno do gabinete do prefeito para Praça Municipal deu-se justamente com a construção do palácio e, desde então, “a presença dele ali consiste numa solução correta e corajosa para simbolicamente e funcionalmente localizar atividades que já estiveram em outros edifícios, tais como a própria Casa de Câmara e Cadeia, em tempos antes da redemocratização, momento em que a estrutura administrativa era menor do que o padrão atual”.

Confira a carta na íntegra:

Lá se vão mais de vinte anos que ouvimos falar na demolição do Palácio Tomé de Souza, o edifício pré-fabricado metálico construído pelo arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, para abrigar a prefeitura em 1986.

O imbróglio dá-se por uma ação judicial do Ministério Público, sendo aquela uma área tombada e o prédio, “provisório”. Numa análise açodada, inadequado. Se antes a prefeitura buscou defender-se para garantir sua permanência, agora argumenta que deve obedecer à ordem judicial, e o prefeito já anunciou que está de mudança para o Palácio da Sé.

O assunto tem ao menos duas camadas distintas e complementares. A primeira, o tema da permanência ou não da própria instituição da Prefeitura na praça fundacional da cidade, junto à Câmara Municipal (que, por sinal, também diz estar de mudança para o Excelsior). A segunda, a questão da permanência ou não do prédio em si, com ou sem prefeitura.

O retorno do gabinete do prefeito à Praça Municipal deu-se com a construção do prédio e, desde então, a sua presença ali consiste numa solução correta e corajosa para simbolicamente e funcionalmente localizar atividades que já estiveram em outros edifícios, tais como a própria Casa de Câmara e Cadeia, em tempos antes da redemocratização, momento em que a estrutura administrativa era menor do que o padrão atual.

O “terreno” sob o atual Palácio Tomé de Souza é produto de uma desastrada implosão dos prédios da biblioteca pública e da imprensa oficial, junto à demolição do antigo fórum e delegacia (edifícios do princípio do século XX). A demolição, realizada em 1974, gerou como resultado uma laje desengonçada acima do nível da rua, cobrindo um estacionamento e, mais abaixo, salas e auditório, que hoje configuram o Centro Cultural da Câmara de Vereadores. A laje ficou conhecida na oportunidade em que foi construída pelo apelido de “Cemitério do Sucupira”, porque o prefeito Clériston Andrade adiou sua inauguração, de forma análoga ao enredo da novela “O Bem Amado” de Dias Gomes, mas também por ser espaço de ninguém.

Lelé resolve a praça

Disforme ao perder as construções que compunham seu desenho, a praça foi refeita com a construção do Palácio Tomé de Souza. Embora não na perspectiva mais historicista, com grandes volumes a “fechar” o quadrado de Luís Dias aberto à Baía, Lelé resolve com sensibilidade o desafio proposto: introduzir uma nova construção por sobre a estrutura existente, o que, portanto, demandava um edifício leve e adaptado ao intercolúnio do subsolo.

O platô, antes morada exclusiva dos pombos, ganhava, assim, um pilotis sombreado; A praça ganhava uma grande escadaria/arquibancada, símbolo democrático de reunião e congregação, com suficiente escala para compor a lacuna deixada pelas demolições. Cabe reforçar que, em sua concepção, a escada e os pilotis eram de acesso aberto e a praça em si, foi liberada da função de estacionamento que tinha até então.

No último dia 04 de dezembro de 2024, a Faculdade de Arquitetura da UFBA reabriu, após reforma, o seu “Módulo Iansã”, também obra de Lelé. Nesta oportunidade, comemorando a preservação de um dos poucos exemplares das escolas de argamassa armada produzidas pela FAEC ainda de pé, quatro instituições (IAB/BA, CAU/BA, FAUFBA e Instituto João Filgueiras Lima) assinaram a carta que reforça pedidos já realizados desde 2018 “pela preservação da obra de João Filgueiras Lima”.

A mesma carta ganhou, em seguida, apoio de centenas de assinaturas em abaixo assinado organizado pelo grupo FABER, que reúne, a partir da Faculdade de Arquitetura da UFBA, pesquisadores da obra de Lelé em todo o Brasil.

Lelé é considerado, de forma unânime, um dos mais importantes arquitetos do país na virada do século XX para o XI. A demolição de uma obra de sua autoria deveria ser precedida de amplo debate, inclusive por atrair atenção nacional e internacional. Adicionalmente, nada sabemos sobre o que restará no lugar. Voltaremos à laje inóspita, que nem de longe resolve morfologicamente a praça e o tecido histórico e tampouco configura espaço público que se preze?

Entendemos que o Palácio deve ficar.

É uma solução já plena de seu próprio significado histórico, num território que já perdeu sua configuração originalíssima há mais de cem anos. Está mais adaptado e adequado ao contexto do que a maioria das coisas que possamos imaginar serem feitas ali, sobre a laje do “Cemitério do Sucupira”. Testemunho singular e resposta às várias transformações daquele território, através do engenho e criatividade de um arquiteto que consolidou-se mestre respeitado e um dos mais importantes profissionais do país por sua prolífica carreira e compromisso profissional, símbolo de apreço à coisa pública dentro de nossa área de atuação. 

Mais que justa companhia ao Lacerda, ao Palácio Rio Branco, e à Casa de Câmara e Cadeia, contando a história de Salvador através dos tempos.  

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