Desembarcaram
bronzeados, sadios e sorridentes, numa manhã ensolarada de maio. O grande
veleiro, encorado na Rampa do Mercado, precisando de alguns reparos após a
tormentosa travessia do Atlântico. Afinal não são mais de cinco mil quilómetros
entre Salvador e Lagos?
Novak era
sérvio, de passaporte iugoslavo. Estamos falando dos anos 80. Cinquentão
atlético, cabelo louro e curto, camisa aberta ostentando cordão de ouro.
Marie-Ange, francesa, fina, discreta e perfumada. Um bibelô, uma estatueta de
Tânagra.
Passeavam
pelo decadente centro histórico a examinar pedras preciosas como quem conhece do
assunto, ou pelas ruelas engarrafadas do Comércio. Por duas vezes os vi sair de
um banco. No Mercado Modelo, mesmo sem falar palavrinha de português, o diálogo
se estabelecia sem dificuldade com todos, comerciários e comerciantes. Aos
poucos foram descobrindo nossos segredos ou, pelo menos, alguns deles. Aprenderam
palavras mais corriqueiras, gíria. Olhavam tudo com atenção, fazendo mil
perguntas. Marie-Ange adorou as toalhas bordadas, Novik, as coloridas redes da
Paraíba. Ninguém se incomodava em responder detalhadamente. Quase davam o preço
de compra e o endereço do fornecedor. Nunca o Mercado Modelo vira casal tão
sedutor.
Quando o céu
permitia, zarpavam para o arquipélago de Tinharé
onde, durante dois ou três
dias, podiam praticar nudismo nas praias desertas. Na volta, todos estranhando
a ausência, satisfeitos do retorno. Quiseram adquirir um terreno em Boipeba.
Alguém daria umas dicas? Vislumbrando polpuda comissão, todos enfiaram o boné
de corretor.
O sérvio e a
francesa começaram a comprar. Pouca coisa, como ainda hesitando. Toalhas e
redes. Da melhor qualidade. Pagavam no ato. Depois, compras mais consequentes.
Dólares, ao câmbio paralelo. O falatório ia solto, na antiga Alfândega. Novak
devia sentir dor de tantas palmadinhas nas costas. Sem a patroa, ia tomar umas
batidas com algum comerciante nos bares do fundo. Aguentava bem a cachaça. Longos
papos com muitos gestos, muitas risadas. O sérvio sempre pagando.
Naquele dia,
a compra seria realmente importante. Nada de dólar ou traveller-check. Muito
arriscado. O velho Vavá o ajudaria com as caixas até o barco. Depois iriam
transferir do banco. Assim fizeram. No Banco Econômico, o Novak foi falar com
um gerente, pedindo a Seu Vavá para aguardar. A conversa ia ser longa. Sabe
como são estas burocracias.
Pegou a
escada de serviço, foi correndo até o veleiro onde o bibelô aguardava, tudo
pronto para zarpar. A hora de o banco fechar quando o coitado do Seu Vavá
começou a desconfiar, a vela já tinha desaparecido no chuvisco do horizonte.
Depois se soube que o casal-maravilha vinha fugido da polícia nigeriana por
tráfico de armas.
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