quinta-feira, 27 de março de 2025

NOVAK E MARIE-ANGE


Desembarcaram bronzeados, sadios e sorridentes, numa manhã ensolarada de maio. O grande veleiro, encorado na Rampa do Mercado, precisando de alguns reparos após a tormentosa travessia do Atlântico. Afinal não são mais de cinco mil quilómetros entre Salvador e Lagos?

Novak era sérvio, de passaporte iugoslavo. Estamos falando dos anos 80. Cinquentão atlético, cabelo louro e curto, camisa aberta ostentando cordão de ouro. Marie-Ange, francesa, fina, discreta e perfumada. Um bibelô, uma estatueta de Tânagra.

Passeavam pelo decadente centro histórico a examinar pedras preciosas como quem conhece do assunto, ou pelas ruelas engarrafadas do Comércio. Por duas vezes os vi sair de um banco. No Mercado Modelo, mesmo sem falar palavrinha de português, o diálogo se estabelecia sem dificuldade com todos, comerciários e comerciantes. Aos poucos foram descobrindo nossos segredos ou, pelo menos, alguns deles. Aprenderam palavras mais corriqueiras, gíria. Olhavam tudo com atenção, fazendo mil perguntas. Marie-Ange adorou as toalhas bordadas, Novik, as coloridas redes da Paraíba. Ninguém se incomodava em responder detalhadamente. Quase davam o preço de compra e o endereço do fornecedor. Nunca o Mercado Modelo vira casal tão sedutor.

Quando o céu permitia, zarpavam para o arquipélago de Tinharé
onde, durante dois ou três dias, podiam praticar nudismo nas praias desertas. Na volta, todos estranhando a ausência, satisfeitos do retorno. Quiseram adquirir um terreno em Boipeba. Alguém daria umas dicas? Vislumbrando polpuda comissão, todos enfiaram o boné de corretor.

O sérvio e a francesa começaram a comprar. Pouca coisa, como ainda hesitando. Toalhas e redes. Da melhor qualidade. Pagavam no ato. Depois, compras mais consequentes. Dólares, ao câmbio paralelo. O falatório ia solto, na antiga Alfândega. Novak devia sentir dor de tantas palmadinhas nas costas. Sem a patroa, ia tomar umas batidas com algum comerciante nos bares do fundo. Aguentava bem a cachaça. Longos papos com muitos gestos, muitas risadas. O sérvio sempre pagando.

Naquele dia, a compra seria realmente importante. Nada de dólar ou traveller-check. Muito arriscado. O velho Vavá o ajudaria com as caixas até o barco. Depois iriam transferir do banco. Assim fizeram. No Banco Econômico, o Novak foi falar com um gerente, pedindo a Seu Vavá para aguardar. A conversa ia ser longa. Sabe como são estas burocracias.

Pegou a escada de serviço, foi correndo até o veleiro onde o bibelô aguardava, tudo pronto para zarpar. A hora de o banco fechar quando o coitado do Seu Vavá começou a desconfiar, a vela já tinha desaparecido no chuvisco do horizonte. Depois se soube que o casal-maravilha vinha fugido da polícia nigeriana por tráfico de armas.

 

 

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