Hipocrisia e atalho na era Temer
Juremir Machado da Silva
Vamos resumir assim: tudo o que não podia antes, sendo considerado criminoso ou, ao menos, imoral, agora pode. As panelas repicaram nas ruas brasileiras contra atos que já não despertam qualquer repinique. Imaginem Dilma Rousseff nomear direto do Ministério da Justiça para o STF José Eduardo Cardoso! O mundo teria desabado. Todas as trombetas morais teriam soado. Todas as camisetas da CBF sairiam dos armários. Ondas de discursos moralizantes teriam lavado o país. Pois Michel Temer indicou, como se sabe, o seu ministro Alexandre de Moraes para a vaga de Teori Zavascki no Supremo. Daqui a pouco, Moraes, membro do atual governo e filiado ao PSDB, estará julgando o seu governo.
O PSDB, segundo a boca do povo, que se delicia com sua liberdade, ninguém julga. Moraes foi advogado de Eduardo Cunha e, conforme a crítica mais contundente que se faz a ele, do PCC. Em tese, defendeu que não se deveria nomear ao STF pessoa com vinculação partidária e integrante de governo. Salvo, claro, ele mesmo. Vamos combinar: a indicação de Alexandre Moraes para o STF é imoral, indecente, pornográfica, obscena e escandalosa. O leitor pode acrescentar outros adjetivos a seu gosto. Tão absurda quanto as indicações em outros momentos de Toffoli e Gilmar Mendes por seus parceiros políticos. Não, sejamos claros, mais absurda por acontecer em tempos de Lava Jato.
O que dizem agora aqueles que atacavam diariamente Toffolli? Que se foi possível com ele, por que não com Moraes? É a inversão oportunista. Michel Temer mostrou em três momentos que não tem o menor compromisso com moralidade, transparência e combate à corrupção: formou um ministério com o núcleo principal crivado de citações na Lava Jato e em outros rolos; blindou recentemente Moreira Franco com foro privilegiado de ministro para retirá-lo das garras da primeira instância judicial; coroou tudo com a promoção de Alexandre Moraes, incompetente como ministro da Justiça, para o STF. Trata-se de colocar o parceiro dos julgados na cortes dos juízes para equilibrar o conjunto.
Quando Dilma tentou blindar Lula, como todos se lembram, o PSB foi à justiça, a mídia berrou, as ruas se coloriram de verde-amarelo e as panelas mudaram de função. E agora? Cadê as panelas? Cadê o PSB? Cadê a mídia? Cadê o uniforme da CBF. Eram ingênuos ou hipócritas aqueles que rugiam ontem e hoje silenciam? A corrupção já não incomoda? Acabou? O STF blindou Renan Calheiros quando o ministro Marco Aurélio quis afastá-lo. Quem sabe Temer o coloca no posto de ministro da Justiça? Seria, como no caso de Moraes, uma decisão técnica? Michel Temer e seu grupo adotaram uma estratégia clássica: deixar passar um tempinho e enfiar goela abaixo. A plebe aceita. Por quê?
Vou repetir: porque o governo Temer oferece ao mercado e à mídia as reformas dos seus sonhos: desmantelamento da CLT e da Previdência. Reformas ideológicas que aliviarão os camarotes e ferrarão mais a plebe. O poder voltou às mãos dos seus donos por um atalho envolto no perfume do combate à corrupção. Pura marola. Atalho? Eles não se importam com isso. Até gostam. Sentem-se mais livres para emplacar seus programas não votados. Sem eleitores, não devem explicações a quem quer que seja. A indicação de Moraes, que será sabatinado por treze senadores enrolados na Lava Jato, é o golpe final: a prova de que o Brasil não se constrange com sua hipocrisia. Como sou ingênuo, ainda espero a orquestra de panelas romper nas avenidas. Quem sabe como bloco de carnaval no país das ilusões perdidas.
Juremir Machado da Silva, nascido em 29 de janeiro de 1962, em Santana do Livramento, graduou-se em História (bacharelado e licenciatura) e em Jornalismo pela PUCRS, onde também fez Especialização em Estilos Jornalísticos. Passou pela Faculdade de Direito da UFRGS, onde também chegou a cursar os créditos do mestrado em Antropologia. Obteve o Diploma de Estudos Aprofundados e o Doutorado em Sociologia na Universidade Paris V, Sorbonne, onde também fez pós-doutorado. Como jornalista, foi correspodente internacional de Zero Hora em Paris, trabalhou na IstoÉ e colaborou com a Folha de S. Paulo. Atua como colunista do Correio do Povo desde o ano 2000. Tem 27 livros individuais publicados, entre os quais Getúlio, 1930, águas da revolução, Solo, Vozes da Legalidade e História regional da infâmia, o destino dos negros farrapos e outras iniquidades brasileiras. Coordena o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS. Apresenta diariamente, ao lado de Taline Oppitz, o programa Esfera Pública, das 13 às 14 horas, na Rádio Guaíba.
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