No final de uma longa vida, durante as pausas cada vez mais
frequentes, o espírito vaga prazerosamente pelos arquipélagos da memória. Algumas
ilhas são obscuras, outras parecem coloridas iluminuras medievais.
O trem que me leva do Cairo a Luxor divide o país em duas
paisagens opostas. De um lado, como uma interminável e estreita aldeia de casas
humildes construídas na encosta dourada do deserto. Algumas fachadas ostentam
toscas ilustrações da ritual viagem a Meca. Do outro lado, o majestoso azul do
Nilo emoldurado por uma colcha de retalhos esverdeados pontuada pelas galabiés
lilás, rosa, turquesa, dos lavradores conduzindo seus bois.
Do povoado de Luxor, poucas imagens ficarão. Do templo, a
dois passos de meu hotel, a iluminação noturna não perturba o silêncio milenar.
Entre as colunas fálicas, faraós e deuses avançam, imóveis, imperiais.
Na manhã seguinte, irei me perder no labiríntico templo de
Karnak entre salas, capelas, esfinges e pátios. Outras colunas esmagam-me. A
areia do deserto forra minhas narinas, meus ouvidos, entra por baixo de minhas
unhas, tinge a camiseta de bege. Desisti de entender a planta desta amazônia de
pedra. Até meados do século XIX, grande parte de Karnak estava submersa nas areias.
Ainda nítida é a parte inferior dos muros, mais escura. Lá no alto, encontro
assinaturas gravadas por antigos visitantes.
Em que sala o nome de Rimbaud, bem visível, surge no meu olhar,
como um signo, na elegante grafia típica de seu tempo? A pequena câmera documentou o grafite. Guardarei a transparência – o slide, como se falava nos anos 80. Teria o autor de Uma estação no inferno, estado no alto Egito antes ou depois do Iêmen ou da Etiópia? Já doente, subiria a duna para gravar, lá em cima, seu nome?
Viajamos nas mesmas, eternas paisagens bíblicas rumo ao poeta
maldito.
Retornei às brisas outonais da trezena de Santo Antônio. Os
dias foram se sobrepondo em estratificações relativamente iguais até formar
morros que o horizonte incerto de minha memória veste de sutis azuis. A pequena
derrota perdoou-se na certeza de guardar a prova inquestionável da descoberta.
Ontem, abri a mala turca de madeira pintada. Vasculhei
centenas de fotos desarrumadas. Não mais encontrei a foto.
Interessante relato! Então, Rimbaud, o notável poeta francês esteve no Egito!
ResponderExcluirmas ela existe na memória, indelével :D
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