terça-feira, 15 de outubro de 2019

CRIMINALIZAÇÃO DA ARTE

EL PAÍS

“Se não reagirmos, em seis meses a criminalização da arte terá sido consolidada”

Curador da Queermuseu, Gaudêncio Fidélis, mostra censurada, rebate críticos e cobra reação Ele, Paula Lavigne e dezenas de artistas se unem em resposta à onda conservadora contra exposições


Gaudencio Fidélis, curador da Queermuseu, na casa de Paula Lavigne.

A casa da produtora Paula Lavigne virou um quartel geral de cantores, pintores e atores nos últimos dias. Com acesso direto do elevador, o enorme apartamento com vista da praia de Ipanema tem recebido cerca de 100 artistas desde quinta-feira. Indignada e preocupada, a classe artística brasileira no Rio de Janeiro está prestes a contra-atacar a onda conservadora que achou eco e capital político em denunciar exposições, peças de teatro e performance sob acusações de pedofilia, zoofilia e ofensas às crenças religiosas.
A gota d’água veio com o veto nada velado do prefeito Marcelo Crivella à exposição Queermuseu, já boicotada e censurada em Porto Alegre no mês passado. O curador da mostra, Gaudêncio Fidélis, e os responsáveis pelo Museu de Arte Moderno do Rio (MAR) levavam semanas finalizando os detalhes logísticos para trazer as obras da mostra, até que o bispo licenciado se manifestou num vídeo nas redes sociais. O prefeito decretou que o Rio não quer uma “exposição de pedofilia e zoofilia” e completou em tom de chacota: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”.
O museu, dependente da verba e da gestão municipal, abortou a iniciativa, mas a chama anti-censura se acendeu nos celeiros culturais do país. “Essa exposição nunca foi polêmica. Essa narrativa criada em torno de apenas quatro obras entre 263 que fazem parte da mostra é muito específica e com objetivos obscuros bem direcionados”, completa o curador Fidélis, que informa na sala de Lavigne que mantém uma agenda lotada de debates, entrevistas e reuniões para não deixar morrer a Queermuseu. Segundo ele, há instituições em Brasília, São Paulo, Salvador, e também no Rio de Janeiro interessadas em acolher a exposição.
Lavigne, a anfitriã, é a diretora de uma orquestra frenética. Bebe Coca-Cola, água e fuma quase ao mesmo tempo que dá dezenas de ordens sem desgrudar a vista da tela do celular: “Vamos gravar”, “vai logo, fulano está com pressa”, “é importante colocar a hashtag”, “já enviou a nota à imprensa?”, “me envia o vídeo”, “gente já saiu, me passa o link no grupo”. Ao seu redor há advogados, fotógrafos, assessores, pintores e atores, que se movimentam com familiaridade pela casa, e que se mostram convencidos também de que a reação precisa ser rápida e enérgica. O discurso é unânime: “Não à censura”. Não é a primeira investida da produtora em campanhas de mobilização pública. Recentemente, uniu artistas contra o fim do monopólio estatal da exploração mineira na reserva Renca, na Amazônia. Antes, havia pressionado deputados para que votassem pela continuação da ação criminal contra Michel Temer.
Um dos primeiros a gravar sua denúncia foi o marido da produtora, Caetano Veloso, que atacou Crivella sem ressalvas. “Esse vídeo inadmissível do Crivella que é mentiroso e desrespeitoso do cargo. O prefeito fala que a exposição é pedofilia e zoofilia baseado em uma invenção de uns malucos do MBL, que são umas pessoas suspeitas na sociedade brasileira”, acusa.
"Cenas de interior II", obra de Adriana Varejão.
"Cenas de interior II", obra de Adriana Varejão.
Entre as iniciativas acordadas pelo grupo –batizado de #342artes– há um pedido judicial de explicações para Crivella justificar quais obras e artistas estariam incitando à pedofilia e zoofilia, como ele afirmou. “Eles conseguiram tanta adesão porque as pessoas não estão vendo a exposição. Estão vendo imagens e vídeos editados. O vídeo de Crivella subestima a inteligência do cidadão, ele afirma uma coisa sobre algo que não viu. Ele usa a crença do cidadão na autoridade que ele tem para mentir. Ele tem que explicar o que ele quer dizer. As medidas judiciais cabíveis serão tomadas depois”, defende


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