EL PAÍS
“Se não reagirmos, em seis meses a criminalização da arte terá sido consolidada”
Curador da Queermuseu, Gaudêncio Fidélis, mostra censurada, rebate críticos e cobra reação Ele, Paula Lavigne e dezenas de artistas se unem em resposta à onda conservadora contra exposições
A casa da produtora Paula Lavigne virou um quartel geral de cantores, pintores e atores nos últimos dias. Com acesso direto do elevador, o enorme apartamento com vista da praia de Ipanema tem recebido cerca de 100 artistas desde quinta-feira. Indignada e preocupada, a classe artística brasileira no Rio de Janeiro está prestes a contra-atacar a onda conservadora que achou eco e capital político em denunciar exposições, peças de teatro e performance sob acusações de pedofilia, zoofilia e ofensas às crenças religiosas.
A gota d’água veio com o veto nada velado do prefeito Marcelo Crivella à exposição Queermuseu, já boicotada e censurada em Porto Alegre no mês passado. O curador da mostra, Gaudêncio Fidélis, e os responsáveis pelo Museu de Arte Moderno do Rio (MAR) levavam semanas finalizando os detalhes logísticos para trazer as obras da mostra, até que o bispo licenciado se manifestou num vídeo nas redes sociais. O prefeito decretou que o Rio não quer uma “exposição de pedofilia e zoofilia” e completou em tom de chacota: “Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar”.
O museu, dependente da verba e da gestão municipal, abortou a iniciativa, mas a chama anti-censura se acendeu nos celeiros culturais do país. “Essa exposição nunca foi polêmica. Essa narrativa criada em torno de apenas quatro obras entre 263 que fazem parte da mostra é muito específica e com objetivos obscuros bem direcionados”, completa o curador Fidélis, que informa na sala de Lavigne que mantém uma agenda lotada de debates, entrevistas e reuniões para não deixar morrer a Queermuseu. Segundo ele, há instituições em Brasília, São Paulo, Salvador, e também no Rio de Janeiro interessadas em acolher a exposição.
Lavigne, a anfitriã, é a diretora de uma orquestra frenética. Bebe Coca-Cola, água e fuma quase ao mesmo tempo que dá dezenas de ordens sem desgrudar a vista da tela do celular: “Vamos gravar”, “vai logo, fulano está com pressa”, “é importante colocar a hashtag”, “já enviou a nota à imprensa?”, “me envia o vídeo”, “gente já saiu, me passa o link no grupo”. Ao seu redor há advogados, fotógrafos, assessores, pintores e atores, que se movimentam com familiaridade pela casa, e que se mostram convencidos também de que a reação precisa ser rápida e enérgica. O discurso é unânime: “Não à censura”. Não é a primeira investida da produtora em campanhas de mobilização pública. Recentemente, uniu artistas contra o fim do monopólio estatal da exploração mineira na reserva Renca, na Amazônia. Antes, havia pressionado deputados para que votassem pela continuação da ação criminal contra Michel Temer.
Um dos primeiros a gravar sua denúncia foi o marido da produtora, Caetano Veloso, que atacou Crivella sem ressalvas. “Esse vídeo inadmissível do Crivella que é mentiroso e desrespeitoso do cargo. O prefeito fala que a exposição é pedofilia e zoofilia baseado em uma invenção de uns malucos do MBL, que são umas pessoas suspeitas na sociedade brasileira”, acusa.
Entre as iniciativas acordadas pelo grupo –batizado de #342artes– há um pedido judicial de explicações para Crivella justificar quais obras e artistas estariam incitando à pedofilia e zoofilia, como ele afirmou. “Eles conseguiram tanta adesão porque as pessoas não estão vendo a exposição. Estão vendo imagens e vídeos editados. O vídeo de Crivella subestima a inteligência do cidadão, ele afirma uma coisa sobre algo que não viu. Ele usa a crença do cidadão na autoridade que ele tem para mentir. Ele tem que explicar o que ele quer dizer. As medidas judiciais cabíveis serão tomadas depois”, defende
Nenhum comentário:
Postar um comentário