Gosto de
música. Quem não gosta? Agora, para falar a verdade, sou mais um visual que um
auditivo. O seja: você coloca um quadro ou uma escultura na minha frente, farei
uma análise coerente sem exagerado erro de percepção. Com a música, minha
relação é mais ambígua. Reconheço qualidade de interpretação, densidade de
composição, mas não me peça uma dissecação pormenorizada. Lang-Lang toca melhor
Chopin que Arthur Rubinstein? As gravações de Gregory Sokolov interpretando
Bach são superiores às de Glenn Gould? Yo-Yo Ma é melhor violoncelista que
Pablo Casals? Eu seria absolutamente incapaz de opinar sem falar besteira. Mas
como gosto de uma sala de concertos!
Para meus
vinte anos, recebi de meus pais o raro presente de uma semana em Granada para o
Festival de Música e Dança. Impossível esquecer o Quarteto Italiano
interpretando Mozart no Pátio dos Leões e Victória de los Angeles cantando populares
villancicos no Pátio das Murtas.
Assisti Jean-Pierre
Rampal, o Homem da Flauta de Ouro, por várias vezes no Teatro Tivoli de Lisboa.
Se a memória não me falha ele também se apresentou no Teatro Castro Alves nos
anos 80. Com minha amiga Elena Rodrigues, exímia flautista baiana, tive a sorte
de ouvir Altamiro Carillo no Pelourinho recém restaurado. Pianistas, vi muitos
e dos maiores: Cláudio Arrau, Nelson Freire, Alexis Weissenberg, Hélène Grimaux...
Da portuguesa Maria-João Pires segui a carreira desde adolescente, passando por
uma romântica noite dedicada a Chopin num riad de Marrakesh, até o memorável
concerto a dois pianos no TCA com o premiadíssimo Ricardo Castro.
Fui
apresentado a Igor Stravinsky na Salle Pleyel durante o intervalo de uma
composição serial por ele dirigida, obra da qual não entendi nada. No Théâtre
de la Monnaie em Bruxelas me emocionei com Ray Charles. Me entusiasmei com
Louis Armstrong e Ella Fitzgerald em Madri.
Fui amigo de
Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso. Em La Paz descobri o compositor Ernest
Cavour. Vale a pena ouvir “El viento”. Recebi o regente Zubin Mehta e Caetano
Veloso em minha casa do Santo Antônio e almocei com o violinista Yehudi Menuhin
em Istambul. Na casa de Jorge Amado encontrei Dorival Caymmi.
Queira o leitor me perdoar por dar uma de colunista social. Para
me redimir, lá vai uma anedota. Estava visitando a imponente cidade romana de
Jerash na Jordânia. De repente, um som de gaitas de foles saindo do teatro.
Entrei no monumento construído para três mil espetadores e me surpreendi com
cinco militares jordanianos no palco, devidamente fardados com kilt escocês,
tocando “Jesus, alegria dos homens” de Bach!
Assim que, quando meus vizinhos colocam, aos berros, aquela abominável
“coisa” de sofrência, quem sofre mesmo sou eu.
Dimitri Ganzelevitch A Tarde 08/01/21
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