sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

SOBRE MÚSICAS E MÚSICOS

 


Gosto de música. Quem não gosta? Agora, para falar a verdade, sou mais um visual que um auditivo. O seja: você coloca um quadro ou uma escultura na minha frente, farei uma análise coerente sem exagerado erro de percepção. Com a música, minha relação é mais ambígua. Reconheço qualidade de interpretação, densidade de composição, mas não me peça uma dissecação pormenorizada. Lang-Lang toca melhor Chopin que Arthur Rubinstein? As gravações de Gregory Sokolov interpretando Bach são superiores às de Glenn Gould? Yo-Yo Ma é melhor violoncelista que Pablo Casals? Eu seria absolutamente incapaz de opinar sem falar besteira. Mas como gosto de uma sala de concertos!

Para meus vinte anos, recebi de meus pais o raro presente de uma semana em Granada para o Festival de Música e Dança. Impossível esquecer o Quarteto Italiano interpretando Mozart no Pátio dos Leões e Victória de los Angeles cantando populares villancicos no Pátio das Murtas.

Assisti Jean-Pierre Rampal, o Homem da Flauta de Ouro, por várias vezes no Teatro Tivoli de Lisboa. Se a memória não me falha ele também se apresentou no Teatro Castro Alves nos anos 80. Com minha amiga Elena Rodrigues, exímia flautista baiana, tive a sorte de ouvir Altamiro Carillo no Pelourinho recém restaurado. Pianistas, vi muitos e dos maiores: Cláudio Arrau, Nelson Freire, Alexis Weissenberg, Hélène Grimaux... Da portuguesa Maria-João Pires segui a carreira desde adolescente, passando por uma romântica noite dedicada a Chopin num riad de Marrakesh, até o memorável concerto a dois pianos no TCA com o premiadíssimo Ricardo Castro.

Fui apresentado a Igor Stravinsky na Salle Pleyel durante o intervalo de uma composição serial por ele dirigida, obra da qual não entendi nada. No Théâtre de la Monnaie em Bruxelas me emocionei com Ray Charles. Me entusiasmei com Louis Armstrong e Ella Fitzgerald em Madri.

Fui amigo de Ernst Widmer e Lindembergue Cardoso. Em La Paz descobri o compositor Ernest Cavour. Vale a pena ouvir “El viento”. Recebi o regente Zubin Mehta e Caetano Veloso em minha casa do Santo Antônio e almocei com o violinista Yehudi Menuhin em Istambul. Na casa de Jorge Amado encontrei Dorival Caymmi.

Queira o leitor me perdoar por dar uma de colunista social. Para me redimir, lá vai uma anedota. Estava visitando a imponente cidade romana de Jerash na Jordânia. De repente, um som de gaitas de foles saindo do teatro. Entrei no monumento construído para três mil espetadores e me surpreendi com cinco militares jordanianos no palco, devidamente fardados com kilt escocês, tocando “Jesus, alegria dos homens” de Bach!

Assim que, quando meus vizinhos colocam, aos berros, aquela abominável “coisa” de sofrência, quem sofre mesmo sou eu.

                                                                                         Dimitri Ganzelevitch                                                                                         A Tarde 08/01/21

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