Um dos últimos vultos da alta-costura, um dos pioneiros do pronto-a-vestir
Pierre Cardin (1922-2020) Filho de imigrantes italianos pobres, tornou-se símbolo do luxo e do esplendor parisienses Era um dos últimos vultos da alta-costura europeia, mas foi também o precursor do pronto-a-vestir moderno.
Nascido em Itália, numa família pobre de agricultores que emigrou para França, país onde cresceu e se tornou designer, Pierre Cardin deixou a sua marca no mundo da moda internacional na sequência de uma carreira de grande sucesso comercial.
Morreu ontem aos 98 anos no hospital americano de Neuilly-sur-Seine, nas imediações de Paris. Pietro Costante Cardini, assim era o seu nome de baptismo, nasceu em 1922 em San Biagio di Callalta, no Nordeste de Itália.
Começou por estudar Arquitectura, mas foi no mundo da moda que deu largas à sua imaginação. Na adolescência, aos 14 anos, deu os primeiros passos no ofício numa alfaiataria em Saint-Étienne. Já em Paris, viria a trabalhar em 1944 com Madame Paquin — foi nessa casa que desenhou os figurinos e as máscaras do filme A Bela e a Fera (1946), de Jean Cocteau —, passaria depois pelo atelier da italiana Elsa Schiaparelli, e tornar-se-ia chefe do atelier dos alfaiates de Christian Dior, em 1947.
Três anos mais tarde, após ter sido recusado pela casa Balenciaga, criava a marca com o seu nome, Pierre Cardin, revolucionando o mundo da moda com a sua criatividade, a sua inovação e o seu espírito empreendedor. Pierre Cardin transformou irreversivelmente a alta-costura com as suas silhuetas direitas e os seus desenhos circulares, com formas esculturais, novos tecidos, cores vivas e peles falsas — que, à época, se tornaram motivo de escândalo. “Meias coloridas, disseram-me que eram vulgares; cortar vison, disseram-me que era horrível; botas de cano alto, no início ninguém queria usá-las...”, resumiu certa vez o designer, para mostrar como estava à frente do seu tempo, recordava ontem o Le Monde.
Eu era um dissidente, um provocador, um aventureiro. Dior queria fazer os vestidos que a sua mãe gostaria de usar, eu queria explorar novos caminhos
"Christian Dior queria fazer os vestidos que a sua mãe gostaria de usar, eu queria explorar novos caminhos, os do espaço, da ciência, do inÆnito”, dizia. No pós-guerra, Pierre Cardin, André Courrèges (1923-2016) e Paco Rabanne (1934) encarnavam a “tríplice aliança” da moda francesa futurista. Não se inspiravam no que viam nos livros de História, mas nas ideias que tinham sobre o futuro. “Sempre tive a minha cabeça no futuro, sempre criei para os jovens”, declarou o homem que usou tecidos como o vinil e fez desenhos geométricos inspirados na conquista do espaço.
O seu trabalho ficaria marcado pelas cores e pelos padrões pop. “A minha abordagem é como a de um escultor: primeiro crio formas e tento encaixar o corpo nelas”, explicava, citado pelo Le Monde.
Ao longo da sua vida, porém, não foi propriamente admirado pelos seus pares, que o acusavam de vulgarizar a alta-costura e de desvalorizar o luxo. Em 1992, quando foi eleito para a Academia de Belas-Artes, nenhum outro designer à excepção de Jean Paul Gaultier compareceu à cerimónia. Pierre Cardin interpretou as ausências como um “ciúme de admiração”.
De criador a empresário Ao longo da sua carreira, Pierre Cardin desenhou figurinos para teatro e guarda-roupa para cinema — uma das suas musas foi a actriz Jeanne Moreau, com quem terá tido um caso que durou quatro anos; vestiu não só a alta sociedade francesa, o jet set, mas também as celebridades, de músicos (como os Beatles) a actores.
Mais do que a democratização da moda, Pierre Cardin anteviu a morte da alta-costura e, por isso, desenhava a pensar em todo o tipo de clientes. “Para criar roupas que vistam tanto a duquesa de Windsor como as porteiras”, terá dito, segundo o Le Figaro.
Não teve medo de se aventurar noutros mercados que não o europeu. Chegou à China em 1978 e abriu um showroom em Pequim em 1981 — em 2018 fez uma enorme passagem de modelos, para assinalar os seus 40 anos naquele país, com a Muralha da China como cenário.
Em 1986 defilou na Praça Vermelha, em Moscovo, no ano seguinte abriu uma loja na mesma cidade. Inaugurou a sua última loja de luxo em 2017, na Rue Royale, em Paris. Em Setembro deste ano — por ocasião do lançamento do documentário House of Cardin, dos norte-americanos P. David Ebersole e Todd Hugues, foi considerado o último nome da moda do século XX ainda vivo —, Pierre Cardin deu uma entrevista ao Le Figaro em que declarou: “Sou o único nome livre na moda. Desde a década de 1950, permaneço como Pierre Cardin de A a Z. Todos os outros estão mortos ou [as suas casas] passaram para outras mãos.”
Nas últimas décadas, muitas das grandes marcas de luxo foram compradas, fazendo actualmente parte de grandes conglomerados como a LVMH ou a Kering, por exemplo. final, Pierre Cardin conseguiu manter um negócio que se expandiu para outras áreas — também nisso foi um pioneiro, pois fê-lo muito antes de marcas como a Gucci ou a Calvin Klein —, pondo o seu carimbo em linhas de mobiliário, decoração, acessórios, roupa de cama e de mesa, perfumes e alimentação, e tornando-se assim uma marca global. A Reuters recorda que o artista chegou a dizer que não se incomodaria de ver as suas iniciais, PC, gravadas em rolos de papel higiénico.
“Tive o bom senso de fazer marketing com o meu nome”, disse ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung em 2007. “O dinheiro estraga as ideias de uma pessoa? Não sonho com dinheiro, mas enquanto sonho estou a ganhar dinheiro”, acrescentou. “Uma criança do subúrbio” Certo é que Pierre Cardin construiu um império, pois dedicou-se ainda ao imobiliário.
Na década de 1970 comprou o Théâtre des Ambassadeurs, a que chamou Espace Pierre Cardin (a concessão daquele espaço onde manifestava o seu amor pelas artes terminou em 2016); depois o famoso restaurante Maxim’s (abrindo com o mesmo nome sucursais em Pequim, Nova Iorque e Rio de Janeiro); o castelo do Marquês de Sade, em Lacoste, onde organizava um festival de teatro todos os Verões; e o palácio Casanova, em Veneza. Segundo o Le Figaro, Pierre Cardin detinha à data da sua morte mais de 850 licenças de produtos e 500 fábricas, empregando cerca de 200 mil pessoas directa ou indirectamente em todo o mundo.
Orgulhou-se sempre do seu percurso feito a pulso de filho de imigrantes pobres (eram sete irmãos) que singrou num mundo de luxo e esplendor. Em 2017, para uma exposição sobre a imigração italiana no Museu da Imigração, em Paris, intitulada Ciao Italia! — que contemplava outros famosos como os actores Yves Montand (1921-1991) ou Serge Reggiani (1922-2004) —, o criador declarou: “Eu sou o meu maior sucesso. Sou uma criança do subúrbio e tornei-me Pierre Cardin. Se tivesse de recomeçar, voltaria a fazê-lo com muito entusiasmo.” Eu era um dissidente, um provocador, um aventureiro. Dior queria fazer os vestidos que a sua mãe gostaria de usar, eu queria explorar novos caminhos
Pioneiro, foi o primeiro criador de moda a desenhar uma colecção masculina, em 1960 — à falta de modelos, recrutou centenas de estudantes universitários para desfilarem. E foi também um dos primeiros a pensar no conceito de moda unissexo, assim como na própria ideia de pronto-a-vestir. Fez uma primeira colecção para mulher em 1959 e, três anos depois, desenhou outra para ser vendida nos armazéns Printemps — mais uma vez, causando escândalo.
A ousadia valeu-lhe a expulsão da Chambre Syndicale de la Haute Couture, que o readmitiu em 1966 (viria mais tarde a chegar à presidência daquele grémio). “Eu era um dissidente um provocador, um aventureiro. Christian Dior queria fazer os vestidos que a sua mãe gostaria de usar, eu queria explorar novos caminhos, os do espaço, da ciência, do inÆnito”, dizia.
No pós-guerra, Pierre Cardin, André Courrèges (1923-2016) e Paco Rabanne (1934) encarnavam a “tríplice aliança” da moda francesa futurista. Não se inspiravam no que viam nos livros de História, mas nas ideias que tinham sobre o futuro. “Sempre tive a minha cabeça no futuro, sempre criei para os jovens”, declarou o homem que usou tecidos como o vinil e fez desenhos geométricos inspirados na conquista do espaço. O seu trabalho Æcaria marcado pelas cores e pelos padrões pop. “A minha abordagem é como a de um escultor: primeiro crio formas e tento encaixar o corpo nelas”, explicava, citado pelo Le Monde. Ao longo da sua vida, porém, não foi propriamente admirado pelos seus pares, que o acusavam de vulgarizar a alta-costura e de desvalorizar o luxo. Em 1992, quando foi eleito para a Academia de Belas-Artes, nenhum outro designer à excepção de Jean Paul Gaultier compareceu à cerimónia. Pierre Cardin interpretou as ausências como um “ciúme de admiração”.
De criador a empresário
Ao longo da sua carreira, Pierre Cardin desenhou figurinos para teatro e guarda-roupa para cinema — uma das suas musas foi a actriz Jeanne Moreau, com quem terá tido um caso que durou quatro anos; vestiu não só a alta sociedade francesa, o jet set, mas também as celebridades, de músicos (como os Beatles) a actores. Mais do que a democratização da moda, Pierre Cardin anteviu a morte da alta-costura e, por isso, desenhava a pensar em todo o tipo de clientes. “Para criar roupas que vistam tanto a duquesa de Windsor como as porteiras”, terá dito, segundo o Le Figaro. Não teve medo de se aventurar noutros mercados que não o europeu. Chegou à China em 1978 e abriu um showroom em Pequim em 1981 — em 2018 fez uma enorme passagem de modelos, para assinalar os seus 40 anos naquele país, com a Muralha da China como cenário. Em 1986 desfilou na Praça Vermelha, em Moscovo, no ano seguinte abriu uma loja na mesma cidade. Inaugurou a sua última loja de luxo em 2017, na Rue Royale, em Paris. Em Setembro deste ano — por ocasião do lançamento do documentário House of Cardin, dos norte-americanos P. David Ebersole e Todd Hugues, foi considerado o último nome da moda do século XX ainda vivo —, Pierre Cardin deu uma entrevista ao Le Figaro em que declarou: “Sou o único nome livre na moda. Desde a década de 1950, permaneço como Pierre Cardin de A a Z. Todos os outros estão mortos ou [as suas casas] passaram para outras mãos.” Nas últimas décadas, muitas das grandes marcas de luxo foram compradas, fazendo actualmente parte de grandes conglomerados como a LVMH ou a Kering, por exemplo.
Afinal, Pierre Cardin conseguiu manter um negócio que se expandiu para outras áreas — também nisso foi um pioneiro, pois fê-lo muito antes de marcas como a Gucci ou a Calvin Klein —, pondo o seu carimbo em linhas de mobiliário, decoração, acessórios, roupa de cama e de mesa, perfumes e alimentação, e tornando-se assim uma marca global.
A Reuters recorda que o artista chegou a dizer que não se incomodaria de ver as suas iniciais, PC, gravadas em rolos de papel higiénico. “Tive o bom senso de fazer marketing com o meu nome”, disse ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung em 2007. “O dinheiro estraga as ideias de uma pessoa? Não sonho com dinheiro, mas enquanto sonho estou a ganhar dinheiro”, acrescentou. “Uma criança do subúrbio”
Certo é que Pierre Cardin construiu um império, pois dedicou-se ainda ao imobiliário. Na década de 1970 comprou o Théâtre des Ambassadeurs, a que chamou Espace Pierre Cardin (a concessão daquele espaço onde manifestava o seu amor pelas artes terminou em 2016); depois o famoso restaurante Maxim’s (abrindo com o mesmo nome sucursais em Pequim, Nova Iorque e Rio de Janeiro); o castelo do Marquês de Sade, em Lacoste, onde organizava um festival de teatro todos os Verões; e o palácio Casanova, em Veneza.
Segundo o Le Figaro, Pierre Cardin detinha à data da sua morte mais de 850 licenças de produtos e 500 fábricas, empregando cerca de 200 mil pessoas directa ou indirectamente em todo o mundo. Orgulhou-se sempre do seu percurso feito a pulso de Ælho de imigrantes pobres (eram sete irmãos) que singrou num mundo de luxo e esplendor.
Em 2017, para uma exposição sobre a imigração italiana no Museu da Imigração, em Paris, intitulada Ciao Italia! — que contemplava outros famosos como os actores Yves Montand (1921-1991) ou Serge Reggiani (1922-2004) —, o criador declarou: “Eu sou o meu maior sucesso. Sou uma criança do subúrbio e tornei-me Pierre Cardin. Se tivesse de recomeçar, voltaria a fazê-lo com muito entusiasmo.”
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