quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

CRIME NO PARAÍSO


 

Porto de Galinhas, no litoral sul de Pernambuco, se tornou conhecido pelo jeito de paraíso

, com praias de areia branca, piscinas naturais, manguezais preservados, coqueirais e 

tranquilidade. O distrito faz parte do município de Ipojuca, a 50 km da capital, Recife, e, 

sobretudo na última década, atraiu a voragem da especulação imobiliária e do turismo 

predatório que ameaçam acabar com o que sobrou de áreas protegidas na região. 

Agora, os incêndios provocados são a principal arma de devastação, como aconteceu 

no Pantanal e na Amazônia neste ano.

Segundo a Ong Salve Maracaípe, os incêndios se tornaram tão frequentes que nos 

últimos meses houve dias em que Porto de Galinhas ficou coberto pela fumaça. 

“O fogo derruba as árvores, mata os animais e, na prática, libera essas áreas para 

a especulação imobiliária. Como a área perde o seu valor ambiental, quem quiser 

construir não precisa das licenças dos órgãos ambientais. O que está acontecendo 

aqui pode ser comparado a um faroeste. Virou uma terra sem lei”, explica Daniel Galvão, 

coordenador da ong. “Até um tempo atrás, aqui era um lugar de sonho, com casas e 

pousadas charmosas. Isso acabou”, lamenta.

As extensas áreas de restingas, manguezais e Mata Atlântica das praias de Ipojuca estão

 no centro de uma cadeia de ilegalidades que começa muito antes das queimadas. 

Boa parte dessas terras foi ocupada de maneira duvidosa há muitos anos e vem sendo 

vendida para grandes grupos imobiliários para a construção de hoteis de luxo, complexos

 turísticos, mansões e, mais recentemente, edifícios em locais que eram vilas de 

pescadores. Os empreendimentos afirmam ter as escrituras. Mas as construções 

desrespeitam toda a legislação de proteção à Mata Atlântica, aos manguezais e às 

restingas.

Outro motivo dos incêndios, segundo a ong, é a prática de tocar fogo nos manguezais 

para a coleta do guaiamum, uma espécie de caranguejo, ameaçada de extinção. 

Com o fogo, o animal sai das “locas” (buracos) e pode ser capturado facilmente. 

O problema é que os incêndios saem de controle. A ong faz campanha para que a 

prefeitura de Ipojuca contrate agentes de fiscalização, brigadas de incêndio e adote 

medidas de prevenção. Mas não tem tido sucesso. Por isso, decidiu levar a cobrança 

para as redes sociais, direcionada principalmente à prefeitura e ao Ministério Público 

do estado de Pernambuco. “Não dá para aceitar a inoperância das instituições diante 

deste crime ambiental”, avalia Daniel Galvão. A atual prefeita de Ipojuca, 

Célia Sales (PTB), que foi reeleita, pertence a um clã político local.

Neste ano, os incêndios começaram em setembro e, desde então, já queimaram 

cartões postais como o Morro do Baobá e o Coqueiral de Maracaípe, uma das 

pouquíssimas áreas ainda protegidas na região. Aliás, foi a ameaça de extinção 

do Coqueiral que levou à criação da ong. Em 2006, a área foi vendida para um grupo 

empresarial português. O negócio não se concretizou graças à mobilização da população. 

Outro caso famoso em Porto de Galinhas foi o projeto de construção do complexo t

urístico Arena Porto, da empresa Luan Promoções e Eventos, que tem como um dos 

sócios o cantor Wesley Safadão. O objetivo era construir, numa área de 15 hectares, 

um centro de convenções e casa de shows, com capacidade para 12 mil pessoas e 

estacionamento com três mil vagas. O problema é que a obra seria feita em área de

 proteção ambiental, configurando clara ilegalidade. Uma área de manguezal foi 

desmatada e aterrada. A terraplanagem e a pavimentação com brita já estavam em 

andamento quando a justiça embargou a obra, a pedido da agência de proteção 

ambiental do estado.

Os problemas não param por aí. Os resorts e complexos turísticos acabam privatizando 

faixas das praias ao construir muros e gramados que destroem restingas e dunas. 

A ong ressalta que essa faixa do litoral pernambucano é área de desova de tartarugas 

marinhas ameaçadas de extinção, o que seria motivo para fiscalização e proteção 

redobrada. Os manguezais e restingas do litoral brasileiro estão no alvo do ministro 

do meio ambiente, Ricardo Salles. Por meio de uma resolução do Conama 

(Conselho Nacional do Meio Ambiente), ele revogou a proteção aos dois ecossistemas, 

mas a decisão foi suspensa pela ministra Rosa Weber, do STF. 

Manguezais e restingas são fundamentais para o equilíbrio ambiental. 

Os manguezais são berçários de peixes, crustáceos, moluscos e muitas outras espécies. 

Também formam uma barreira natural contra a erosão e armazenam carbono, 

contribuindo para amenizar o efeito-estufa. A restinga é o local procurado pelas 

tartarugas para a postura de ovos e também ajuda a conter a erosão nas praias.

 


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