sábado, 9 de janeiro de 2021

UMA OBRA CHAMADA VERGONHA!

 CLÁUDIO MARQUES


 


Em 2018, os moradores do Santo Antônio foram agitados com a notícia de que uma obra de grandes proporções teria lugar no bairro. Em meio a muitos questionamentos, a Conder, órgão do estado responsável pelas obras, organizou uma série de reuniões amplamente divulgadas. Os responsáveis pela Conder deixaram claro que seja de suma importância que todas as dúvidas fossem sanadas.

 

A comunidade compareceu e os primeiros encontros foram desastrosos. Cada morador tinha uma ideia do que deveria ser feito. Algo que nos irritou, a todos, foi compreender que apenas uma das ruas seria beneficiada. A Conder logo compreendeu o equívoco e refez o planejamento estendendo trabalho de de saneamento, energia e iluminação a praticamente todos os logradouros.

 

Mais de um ano, dezenas de reuniões e, aos poucos, com muita paciência, chegou-se a um acordo do que era realmente importante fazer. Cada morador passou a nutrir pleno entendimento de cada etapa que seria realizada.

 

Foi lançado edital e percebemos que nenhuma outra construtora seria melhor que a Pejota para realizar a obra.

 

Nos meses que antecederam o início das obras, a Conder espalhou murais explicativos no Largo do Santo Antônio e na Cruz do Pascoal.

 

Em fevereiro de 2020, as obras tiveram início diante de um planejamento equilibrado. Cada etapa, em cada trecho específico, teria início e fim evitando, assim, que os moradores sofressem os efeitos do trabalho por muito tempo. Uma vala, por exemplo, jamais ficaria mais de cinco dias aberta. Com isso, doenças arbovirais (Zika, Dengue…) seriam evitadas.

 

Mas, quis o destino que a pandemia (Covid-19) se espalhasse pelo mundo. Em marco, tivemos o lockdown.

 

Imediatamente, a Conder organizou uma reunião virtual com os moradores. Decidimos juntos que as obras, mal iniciadas, seriam interrompidas, pois havia uma real preocupação com a vida dos operários e com as dos moradores. Vale lembrar que no Santo Antonio é um bairro de idosos e crianças, que teriam muita dificuldade em conviver com areia (sol), lama (chuva) e um barulho ensurdecedor das máquinas e, ainda por cima, em isolamento. A obra é importante, mas a vida é muito maior.

 

O trecho iniciado foi fechado, então. Todos resolveram esperar.

 

Em agosto, de comum acordo, as obras foram retomadas. Em novas reuniões virtuais, a Conder pediu a aprovação da comunidade quanto ao novo cronograma. As obras seriam intensificadas, teríamos mais trabalhadores na rua, mas em dezembro de 2020 tudo deveria estar finalizado. Havia especial atenção com os operários, todos devidamente preparados para o trabalho em plena pandemia. Não se via um trabalhador sem máscara na rua. O distanciamento entre eles sempre foi obedecido. Uma orientação do mais alto nível. Incrível!

 


É preciso salientar o trabalho minucioso da Conder quanto ao reaproveitamento dos materiais antigos e centenários encontrados no bairro. Todo o meio-fio, por exemplo, foi aproveitado. Pedras da década de 30 e 40. Não houve desperdício, enorme quantia foi economizada. Os moradores se tornaram fiscais de todo o trabalho, pois conhecíamos bem toda a programação.

 

Vale dizer que quase não houve conflito, diante de tão exemplar preparação.

 

O comércio praticamente não sofreu perdas com a obra, pois as etapas, previamente conhecidas por todos, foram respeitadas. Os moradores tiveram de lidar com pouca poeira, pois toda a condução por parte da Pejota se mostrou muito ordeira. Digamos que foi um canteiro limpo e organizado, sem excessos.

 

Não posso deixar de destacar o concurso promovido pela Conder entre os artistas locais para o desenho que tomou as calçadas do bairro. Calçamento de pedras portuguesas, linda e originalmente desenhado. Um toque genuíno e especial em pleno Centro Histórico da cidade.

 

O atraso das obras ocorreu, mas foram apenas poucos dias. A inauguração vai se suceder nos próximos dias. Não haverá festa, claro. Se houvesse, por certo não haveria queixa, vaia, tomate ou ovo podre jogado nas autoridades………………….


 

OBS: aos desavisados, se trata de uma ficção. A obra interminável, sem qualquer planejamento ou conversa com a comunidade, se concentra em uma única rua privilegiada do bairro. Não há nem qualquer tentativa de respeito à democracia. Obra suja, feia, mal acabada, desrespeitosa, que deixou muitos doentes. Uma vergonha.

                                                                Cláudio Marques é cineasta                                                          e responsável pelo conjunto Cinema Glauber Rocha/Itau

 

 

 

 

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