Roberto R Martins *
A nova descoberta do mais velho exemplar do pau-brasil sobrevivente, nos remete a uma lembrança sintética desta madeira em nossa história.
Entre as muitas polêmicas que povoam a história do Brasil, uma diz respeito a que, em 1º de maio de 1500, a Nau de Mantimentos da frota de Cabral, que de Porto Seguro retornou a Portugal para informar à corte o “achamento” das novas terras, teria levado a primeira carga de pau-brasil. Muitos historiadores refutam a informação, mas é certo que naqueles primeiros anos do novo século, o pau-de-tinta se fez presente como fator importante no comércio que a metrópole mantinha com o mundo, sendo remetido para as feitorias em Flandres. A cobiça europeia foi grande. Emissários de outras nações e corsários de várias bandeiras, especialmente os franceses, começaram a povoar a Costa do Pau-brasil, levando tantas cargas que se chegou a desconfiar de quem seria, ao fim, a posse definitiva da nova colônia.
Seguiu-se por três séculos e meio a exploração do pau-brasil como monopólio (estanco) real; sua importância foi tal que desbancou a influência religiosa e passou a denominar o país, antes Ilha ou Terra de Santa Cruz, passou a ser Brasil. Afinal era a madeira que permitia extrair a brasilina, a substância corante que tingia os tecidos de vermelho, da cor púrpura, cor nobre cobiçada para o manto dos cardeais, dos reis e imperadores. E os que a exploravam eram os brasileiros. Não cabe neste momento aprofundar o estudo de nossa história. Mas o nosso pau-de-tinta foi quase que inteiramente erradicado pelo extrativismo sem orientação, incapacidade de estudo e preservação. Exterminou-se no litoral, restando muito pouco nas profundezas dos sertões. Ao mesmo tempo desenvolveu-se a indústria química que passou a produzir anilinas e outros corantes, desbancando o pau-brasil de seu papel de produzir tintura.
Mas o pau-brasil não deixou de ser cobiçado como madeira-de-lei, usada para trabalhos finos de marcenaria. Por essa época – meados do século XIX – já tinha se firmado como a melhor madeira para a fabricação de arcos de instrumentos de corda, como o violino. Hoje, nosso pau-brasil deixou de ser o Pau-de-tinta, mas adquiriu a denominação de Árvore-da-Música! Essa é outra história que também aqui não cabe desenvolver, mas necessário se faz frisar para entender que seu extermínio não se esgotou no período colonial e imperial.
AINDA ECHINATA, MAS NÃO MAIS CAESALPINIA
Se uma conclusão pode-se tirar, do longo período em que o pau-brasil foi o mais importante produto de nossa economia (primeiro ciclo econômico, no século XVI) até avançado o século XX, é que, nem da parte dos portugueses, nem dos brasileiros que lhe seguiram governando, nunca houve preocupação em estudar a madeira que deu nome ao país, nem de outro, estudos botânicos, industriais, químicos. Desde o início os portugueses e os senhores a quem serviam, destinaram ao Brasil o papel de produtor de matérias primas, de commodities, para o mercado mundial. Processo que, no essencial, perdura até os nossos dias, apenas com a diferença de que os senhores antes portugueses, passaram a bola aos inglesas e estes, aos norte-americanos. Portanto mudaram as moscas, mas a realidade continuou a mesma.
Para extrair a brasilina, a madeira era transformada em cavaco, esfarelada, depois cozida com um fixador. Nem este simples processo, nem mesmo vender o pau-brasil já em cavaco, incorporando mais algum valor, os portugueses e nossos primeiros governantes foram capazes. Pra não dizer produzir por aqui a brasilina... Indústria? Era coisa pra franceses, ingleses e outros europeus mais expertos.
Da mesma forma não houve estudos botânicos, nem adoção de práticas preservacionistas como algumas vozes chegaram a sugerir, entre elas, estudiosos holandeses quando da ocupação de Pernambuco no século XVII. Algumas poucas iniciativas, como o Regimento do Pau-brasil de 1605, estabeleciam medidas preservacionista, mas nada que pudesse ser efetivamente aplicado. Estudos botânicos propriamente ditos que pudessem classificar cientificamente a árvore do pau-brasil, não chegaram a ser feitos, embora alguns nomes tenham sido atribuído à espécie. Foi somente em 1789, com o Dicionário Enciclopédico de Botânica, que o botânico e naturalista francês Lamarck classificou o pau-brasil como o Caesalpinia echinata, diferenciando-o de seu congênere oriental, o Caesalpinia sappan, ambos componentes da grande família das leguminosas. A espécie echinata decorre do termo grego ouriço, dada à abundância de espinhos no tronco da árvore, característica comum dos echinata. O gênero Caesalpinia foi uma homenagem ao botânico, filósofo e professor em Pisa, médico do papa Clemente VIII, André Cesalpino. Já a brasilina somente foi isolada pelo químico francês Chevreul, especialista na indústria da tinturaria, em 1808.
Mas o pau-brasil continuou mal estudado e conhecido. Até mesmo o seu papel no primeiro ciclo econômico, somente veio a ser consagrado na historiografia brasileira já avançado o século XX, com a obra de Roberto Simonsen História Econômica do Brasil(1937). É da mesma época o monumental estudo do professor Bernardino José de Souza, O Pau-brasil na história nacional(1938) que promove um completo resgate do papel desta madeira não só na economia, como na história nacional. Secretário perpétuo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Bernardino quis fazer uma estante com a madeira nobre para a casa. Procurou nas serrarias de Salvador, nada encontrou; mandou ver em São Paulo, da mesma forma. A muito custo conseguiu que lhe remetessem uma tora de pau-brasil de Porto Seguro. Diz ele em conclusão: É, sem dúvida, um dos casos mais flagrantes, no mundo, da quase extinção de uma espécie vegetal pela economia destruidora do homem.
Muito bem. Mas a ciência natural, a botânica, como todas as demais ciências, também evoluem, fazem novas pesquisas, descobrem novas características dos seres vivos e até dos inanimados. Estudos recentes reunindo um grupo de cientistas e pesquisadores de várias partes do mundo, entre eles o brasileiro Haroldo Cavalcante de Lima, do Museu do Meio Ambiente, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, (o qual, inclusive, pesquisou na região da Costa do Descobrimento) e o inglês Gwilym P. Lewis, do Royal Botanic Gardens, em Kew, Londres, formularam novidades. Chegaram a um novo sistema genérico para a classificação da subfamília Casesalpinia das Leguminosas, pelo qual o pau-de-tinta brasileiro passa a ter nova classificação botânica: Paubrasilia echinata. Justa homenagem ao nosso país neste momento tão carente de ações que elevem seu amor próprio. (Registre-se que este Museu do Meio Ambiente, casa de ciência e cultura, está ameaçado de extinção pois querem transformar seu belo prédio num hotel para turistas).
O MAIS NOVO, MAIS VELHO PAU-BRASIL
Agora, em fins deste ano 2020, dia 22 de novembro, foi descoberto o estimado como o mais velho exemplar de pau-brasil, conforme a imprensa divulgou amplamente. Vejamos a história da descoberta.
Na segunda metade do século XX aumentou a preocupação com a questão ambiental no Brasil e no mundo. A extinção de espécies, o aquecimento global, a queimada de florestas, a perda da biodiversidade e aumento das pandemias daí oriundas, enfim, tudo isso junto tem levado o mundo a entender a necessidade do estabelecimento de um sistema de convivência com a natureza e não a sua simples destruição. Daí o surgimento de ambientalistas, ecologistas e outros preservacionistas, ao lado do desenvolvimento de pesquisas e estudos de caráter científico. Ao mesmo tempo muitos parques têm sido instituídos, especialmente na destruída Mata Atlântica – além da, ainda grande Amazônia, pulmão do mundo.
Diretamente ligado ao pau-brasil registre-se duas reservas na região do extremo sul da Bahia. Primeiro, por iniciativa do então prefeito de Santa Cruz Cabrália, Alcides Lacerda, que resultou na formação do Parque Experimental do Pau-brasil, que nasceu sob a administração da CEPLAC. E ali bem perto, em área vizinha, o Parque Nacional Pau Brasil, administrado pelo ICM-Bio. Conhecemos ambas. O Parque, fizemos uma visita em outubro de 1919, quando, muito bem assessorados pelo seu diretor, biólogo Fábio André Faraco e pelo analista ambiental Lauro Henrique de Paiva Jr., percorremos principalmente a Trilha do Pau-brasil. Ali, numa pequena área, se encontram centenas de árvores, muitas delas já frondosas, e quem sabe milhares de filhotes. Uma das características do pau-brasil é que, diferentemente de outras árvores que, em seu desenvolvimento genético dotam suas sementes de “asas” para que, uma vez desprendidas dos frutos elas possam “voar” para mais distante impulsionadas pelo vento, a fim de disseminar a espécie e não concorrer com a mãe pelo mesmo alimento. O pau-brasil, não. Suas sementes caem exatamente embaixo da sua copa. Portanto, encontra-se embaixo de cada árvore já crescida, dezenas de filhotes dos mais variados tamanhos. Essa característica de sua concentração, por certo facilitou sua extração quando a força “ombral” (o ombro dos índios), transportava as toras por eles abatidas no seio da floresta para os pontos de embarque no litoral. No Parque se encontram árvores seculares. Uma em especial tem sua idade estimada de mais de 500 anos. Outro exemplar de uma árvore já morta de há muito, cujos tampos foram serrados e servem de mesa, é estimado em 1500 anos.
Pesquisas mais recentes (2018) desenvolvidas pelo biólogo Ricardo Cardim e equipe, do Museu da Casa Brasileira, em São Paulo, alcançaram extensas áreas da Mata Atlântica em todo o Brasil, e resultaram no belíssimo livro Remanescestes da Mata Atlântica: as grandes árvores da floresta original e seus vestígios. Estiveram no extremo sul da Bahia, onde percorreram os municípios de Porto Seguro, Eunápolis, Itamaraju. E foi neste último que foram encontrar os maiores e mais velhos exemplares de pau-brasil.
O Príncipe e o Rei, localizados no Assentamento Pau-brasil, já conhecidos pelos agricultores assentados possuem as seguintes características:
- Príncipe: 4,20m de CAP (Circunferência à altura do peito, 1.30m)
- Rei: 4,60m de CAP. Acrescenta o livro: Este é o maior exemplar nativo da espécie que se tem notícia.
Mas agora em 2020, foi encontrada no mesmo Assentamento por um agricultor da comunidade, Manoel dos Santos, uma nova árvore, mais velha ainda, e mais exuberante, a qual foi visitada pelo biólogo Ricardo Cardim. Como se chamará esta deusa da floresta?
- Deusa da floresta: 7,30 metros de CAP; tronco enrugado com 40 metros de altura, idade estimada em 600 anos.
A descoberta ganhou a mídia, até notícia no Jornal Nacional em 10 de dezembro, que apresentou uma reportagem de Mauro Anchieta, repórter especial da TV Bahia, que também entrevistou o agricultor descobridor do espécime e o biólogo Ricardo Cardim.
E AGORA, QUE FAZER?
Se não me engano é Bernardino José de Souza em seu livro citado, quem nos dá uma informação curiosa: na Califórnia, Estados Unidos, uma laranjeira, cuja muda foi levada da nossa Bahia, é cultuada como símbolo da grande riqueza que passou a ser a produção de laranja naquele estado norte-americano, a partir daquele exemplar. Ou seja, num país civilizado, a descoberta duma árvore deste tipo, implicaria, por si só, como já o disse o próprio biólogo responsável pela sua descoberta, na criação de uma reversa especial para preservá-la para a posteridade.
O Assentamento Pau-brasil tem em suas mãos uma grande oportunidade. O turismo de aventura, de paisagem, ambiental, na bela região itamarajuense da Pedra do Pescoço, pode ser um grande filão econômico. O povo clama pelo reencontro com suas origens. E nelas encontramos com lugar de honra o pau-brasil. Para quem já tinha o Príncipe e o Rei, agora com essa Deusa, está com seu futuro assegurado relembrando nosso passado. Casamento perfeito.
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* Autor, entre outros, de: Porto Seguro: história de uma esquecida capitania (Alba Cultural, 2018). Atualmente pesquisa a madeira no extremo sul da Bahia para escrever a saga que foi sua história.
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