Pouco conhecimento de brasileiros sobre o continente africano leva a estereótipos, nota pesquisador
O pesquisador, nascido e criado em Brasília, já esteve em 27 países do continente e diz que se sente mais seguro em Pretória do que em algumas capitais brasileiras. Carvalho lembra que não há conflitos armados onde ele vive – há, sim, violência urbana, como a que todos os brasileiros das grandes centros também experimentam.
“Estatisticamente, cidades sul-africanas são tão violentas quanto cidades brasileiras. Não entendo como brasileiros, às vezes, ficam com essa paranoia com a África do Sul. Vivemos uma realidade muito parecida”, observa.
Mas nem todos os parentes e amigos dele se convenceram disso ainda. Gustavo já perdeu a conta de quantas vezes o perguntaram, em tom de espanto, “o que ele está fazendo na África”. O pesquisador pisou no continente pela primeira vez em 2007 para fazer um estágio de oito meses em uma organização internacional, em apoio à União Africana.
Dos 10 conflitos mais preocupantes do mundo, três estão na África
Pós-graduado em Estudos Africanos pela universidade de Oxford, em 2008 ele viveu cerca de 2 meses em Burundi para uma pesquisa sobre o papel das Nações Unidas e da União Africana no país. As notícias sobre conflitos dentro da capital causavam preocupação na família. “Eu falava: mãe, a possibilidade de algo acontecer comigo aqui é, talvez, menor do que eu ser vítima de violência nas ruas de uma cidade brasileira”, contou. “Falta de conhecimento gera medo.”
É fato que há conflitos em andamento no continente causando mortes e fazendo milhares de pessoas se tornarem refugiadas nos próprios países ou nos vizinhos, assim como em outras partes do planeta. O ACLED, projeto que monitora conflitos armados pelo mundo, divulgou no início do mês uma lista com os 10 conflitos considerados mais preocupantes em 2021. Na relação, aparecem três no continente africano: os que ocorrem no Sahel, em Moçambique e na Etiópia, país onde fica a sede da União Africana e para o qual o pesquisador viajava com frequência até antes da pandemia.
O brasileiro acaba de começar a cursar doutorado em Administração na Universidade da Cidade do Cabo. Ele disse que normalmente causa espanto alguém destacar, no Brasil, estudos nas universidades africanas – resultado do grande desconhecimento sobre o continente, na visão do pesquisador. “Se no dia a dia já não conhecemos muito o continente, obviamente se você falar que uma universidade no Egito ou da África do Sul esteja entre as 200 melhores do mundo, sempre será uma surpresa”, disse.
Combate à Covid-19
A pandemia mudou bastante a rotina de Carvalho nos últimos meses. Os seminários que organiza agora são virtuais, assim como as inúmeras reuniões com pessoas de diferentes partes do continente. Enquanto trabalha de casa, o brasileiro não vê a hora de poder se vacinar contra o novo coronavírus. Na avaliação dele, governos africanos tomaram medidas necessárias e na hora certa. “Tivemos o lockdown muito cedo, o que de certa forma conseguiu segurar um pouco a situação, até que o sistema de saúde pudesse comportar o maior número de casos. Mas o sistema de saúde aqui nunca entrou em colapso”, ressalta, destacando como exemplos a África do Sul e a Etiópia.
Carvalho defende ser necessário incluir mais conteúdo sobre o continente africano na educação básica no Brasil. “O entendimento que a gente tem do continente é extremamente limitado, às vezes até estereotipado. Essa falta de conhecimento que se tem no Brasil é, para mim, uma ignorância da nossa própria história”, salienta. Ele destaca que em Moçambique e em Angola, principalmente, as pessoas são muito bem informadas sobre o noticiário brasileiro. “O continente africano vê o Brasil de uma forma muito positiva. É até vergonhoso o pouco que a gente sabe sobre o continente”, conclui.
E o distanciamento entre o Brasil e a África se acentua cada vez mais, nota o pesquisador. Ele lembra que, nos anos 2000, a mudança de postura da diplomacia brasileira em relação aos africanos gerou grande expectativa. “Foi uma época em que o Brasil começou a expandir muito suas relações governamentais com o continente. Embaixadas foram abertas, existia um processo de cooperação técnica com países africanos", relembra. "Na época, ter o Brasil como um líder gerou muitas expectativas, que foram frustradas, e não só pela mudança de direcionamento de foco de política externa brasileira. Quando essa interação não se prolonga, ou não é tão sustentada como se espera, gera uma frustração”, sublinha.
Mas Carvalho considera que o Brasil não poderá ignorar a África por muito mais tempo, principalmente se quiser conquistar uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, em 2022. “Mais de 50% das questões discutidas e boa parte das resoluções do Conselho de Segurança são sobre a África. Se for, e quando for eleito, vai ter que trabalhar com uma grande quantidade de temas africanos”, diz.
Um dos grandes desejos do pesquisador é ver ainda o Brasil reproduzir no continente africano o que fez no Haiti, país caribenho onde a missão de paz brasileira atuou por 13 anos para restaurar a ordem. “Na África, o Brasil pode entender um pouco mais da sua capacidade como ator em desenvolvimento e as suas respostas dentro das Nações Unidas e outros organismos internacionais”, afirma.
A experiência de vida e profissional do pesquisador o faz concluir que, além das estreitas ligações históricas, o Brasil e o continente africano estão mais próximos do que muitos brasileiros pensam. “A gente tende a olhar muito para os países desenvolvidos, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, e a gente olha muito pouco para o lado, para quem está numa situação semelhante à nossa”, analisa.
Guilherme de Carvalho mostra algumas das belas paisagens que já admirou na África, como em um passeio de balão no Quênia.
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