Gosto de
programar viagens a partir de algum evento específico. Etiópia na Semana Santa
ou os festejos de Santo Antônio em Lisboa. Após ter descoberto no Memorial da
América Latina as pipas do Dia dos Finados nos cemitérios da Guatemala, desembarquei
em Antígua. Já contei em outras páginas o surreal rito das gigantescas arraias
de Sacatepequez.
No princípio
do milénio o país ainda sofria consequências da colonização selvagem da United
Fruit – a família Bush entre seus maiores acionistas - que desembocou numa longa
guerra civil.
Antígua, tombada pela Unesco em 1979. Apesar da beleza de seus monumentos e do encanto de suas ruas, poderia ser bem mais cuidada. Telhados de zinco, igrejas precisando de reparos urgentes e construções ilegais na calada da noite.Triste realidade de grande parte da América Latina, incluindo o centro histórico de Salvador.
Fui
conversar com o Iphan local. A Dra. Jesica me atendeu gentilmente, pintando um
quadro desanimador das limitações do escritório. Todo monumento ou sítio
declarado patrimônio da humanidade será, portanto meu. E seu também. Você é
dono de um pedaço da Torre Eiffel e do Tadj Mahal. Nunca hesite, mesmo que não
seja da área, em reclamar junto às autoridades competentes que são pagas por
nós, cidadãos e comunidades, para este propósito: cuidar com zelo de nosso
patrimônio.
Dentro do
roteiro escolhido, precisei de dois ou três ônibus imundos e carcomidos para
chegar a Panajachel, estação balneária à beira do lago Atitlan. Decepção. Na
manhã seguinte embarquei numa lancha lotada de índios sorridentes para
descobrir Santa Cruz, um pedaço de paraíso. O Hotel Arca de Noé afogado em
árvores e flores, teria sido inventado para minha total e absoluta felicidade?
O quarto decorado com uma imensa janela sobre as águas calmas do lago, esqueci
Monet e Gauguin.
No final da
tarde, o sol desaparecendo por trás de três vulcões deu um espetáculo exageradamente
barroco. Alan, fotógrafo da capital, me explicou que naquela época do ano, um
fenômeno químico entre a umidade do lago, o calor dos vulcões e a posição do
sol costumava produzir esta festa. Logo resolvi ficar três noites.
Gerador
apagado, o jantar foi servido à luz de velas numa longa mesa de madeira maciça.
Conversa geral, amável e banal. Mergulho com prazer na minha sopa. Vinho tinto
razoável, pão caseiro. Mas nada, mesmo no melhor dos mundos, nada é perfeito. Como
a conversa desviou? De repente um americano sentado à minha frente começou a
falar da recente eleição de Bush. Me foi impossível segurar minha raiva. Explodi.
Quase aos berros proibi ao coitado de falar de política dos EUA naquela mesa.
O silêncio
que seguiu meu grito durou a eternidade de muitos segundos.
Belo texto, e com um final como um por de sol para poucos assistirem, e. se quiserem ouvirem também, parabéns.
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