domingo, 17 de julho de 2022

A POLÍTICA EM RAJADAS

de metralhadora e tiros de pistola


Em 23 de março de 1919, cerca de cem pessoas se reuniram em Milão para declarar guerra ao socialismo. Treze dias depois, um grupo de amigos de Mussolini, o principal dirigente dos Fasci di Combattimento criados na ocasião, invadiu o escritório do jornal socialista Avanti, destruindo todo o maquinário, matando quatro pessoas e ferindo 39.
Em 1919 o fascismo era apenas um movimento de arruaceiros, mobilizados na base do ódio e do ressentimento, que gravitava em torno de um líder e gritava contra o socialismo, a democracia e o parlamento. Três anos depois, era uma potência de milhares de membros pavimentando o caminho ao poder.
Citando Hegel, Marx disse que todos os grandes fatos e personagens da história acontecem, por assim dizer, duas vezes, acrescentando que a primeira como tragédia, a segunda como farsa. Bolsonaro encarna Mussolini, aspirando copiar sua performance, tentando criar as condições para eliminar os opositores, a começar pelos petistas. Na campanha de 2018, em passagem pelo Norte, apanhou o tripé de uma câmera e simulou uma arma, gritando ao microfone: “vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”. Já presidente, não cessou de proferir discursos de ódio, sugerindo aos seguidores a eliminação da esquerda.
Segundo o Observatório da Violência Política e Eleitoral do Grupo de Investigação Eleitoral (GIEL) da UNIRIO, no primeiro semestre de 2022 foram registrados 214 casos de violência política, um incremento de 23% em relação ao último ano eleitoral em 2020. Depois da Ditadura, a violência política tornou-se episódica e residual, relativa a disputas eleitorais nos rincões. Quase desconhecida da maioria dos brasileiros que residem nas grandes cidades, tal violência voltou a fazer parte do cotidiano do país quando Bolsonaro e sua retórica de ódio passaram a ocupar o poder.
O episódio do último sábado em Foz do Iguaçu, quando o petista Marcelo Arruda foi assassinado a tiros pelo bolsonarista Jorge Guaranho, devia acender o alerta do país, onde as instituições assistem a tudo estupefatas, mas sem condições de reagir. Incapaz de prestar solidariedade à família do petista morto, enquanto seu filho Eduardo sopra velinhas num bolo adornado com um revólver e capsulas esculpidas em glacê, o presidente busca reduzir os danos à sua campanha de reeleição, tentando atrair os irmãos da vítima, seus apoiadores, para darem uma versão no interesse dos seus fanáticos.
Com as armas da sua imensa inteligência, em 1921, Gramsci escreveu: “O que é o fascismo visto em escala internacional? É a tentativa de resolver os problemas da produção e da troca através de rajadas de metralhadora e tiros de pistola.” O fascismo não se resume à violência, mas esta vem a ser sua marca de nascença, inscrita no seu DNA. As condições de explosão da violência política no país estão dadas, resta saber se o fascismo triunfará.

Carlos Zacarias de Sena Júnior
(Professor do Departamento de História da UFBA)
A Tarde, Salvador, 15/07/2022


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