Como a filha do ex-presidente de Angola saqueou as riquezas do país
José Eduardo dos Santos morreu na sexta-feira (8), mas os impactos financeiros de seus 38 anos na presidência perduram.
Kerry A. Dolan
O presidente de longa data de Angola, José Eduardo dos Santos, morreu na sexta-feira (8), aos 79 anos, após anos lutando contra problemas de saúde. Santos, que estudou engenharia de petróleo no Azerbaijão soviético e serviu como ministro das Relações Exteriores depois que Angola conquistou a independência em 1975, tornou-se presidente em 1979. Ele manteve o poder por 38 (tumultuados e controversos) anos, que viram a economia de Angola despencar, prejudicada pela guerra civil em curso e as políticas socialistas de Santos.
Um cessar-fogo foi formalmente declarado em 2002 – momento em que o presidente Santos abraçou uma forma de capitalismo do tipo “pegue o que você puder”. Ao longo da década seguinte, Angola foi uma das economias que cresceu mais rápido no mundo. Mas pouco do ganho inesperado chegou aos angolanos – a maioria da população ainda vivia na pobreza.
Entre 2007 e 2010, pelo menos US$ 32 bilhões em receitas do petróleo desapareceram do livro-caixa federal, de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que posteriormente rastreou a maior parte do dinheiro para “operações parafiscais”. Foi nesse cenário que a filha de Santos, Isabel dos Santos, se tornou a mulher mais rica da África, com uma fortuna que chegou a US$ 3,7 bilhões em seu auge, em 2014.
Seu império começou a desmoronar depois que seu pai se aposentou do cargo. Seus bens foram congelados e ela foi acusada de peculato e lavagem de dinheiro. A Forbes a removeu do ranking de bilionários em 2021. Além disso, um tribunal de arbitragem internacional ordenou que ela devolvesse, em julho de 2021, suas ações da empresa portuguesa de energia Galp avaliadas em US$ 500 milhões. Isabel dos Santos negou qualquer irregularidade e se defendeu de todas as acusações dizendo que são politicamente motivadas.
Aqui está a reportagem da Forbes de 14 de agosto de 2013, que ganhou um prêmio Loeb, sobre como Isabel dos Santos usou o caminho mais curto para se tornar a mulher mais rica da África, republicada na íntegra.
Garota do papai: como uma ‘princesa’ africana ganhou US$ 3 bilhões em um país que vive com US$ 2 por dia
Por: Kerry A. Dolan e Rafael Marques de Morais
Em dezembro de 2012, Isabel dos Santos comemorou dez anos de casamento com o empresário congolês Sindika Dokolo com uma festa. Sutileza não estava no menu. Ela trouxe dezenas de amigos e parentes de lugares distantes como Alemanha e Brasil, que se juntaram a centenas de convidados locais em Angola para três dias de abundância, incluindo uma festa na Fortaleza de São Miguel, na capital Luanda, e um domingo à beira-mar com brunch na elegante península de Mussulo. O convite, segundo um dos convidados, veio em uma caixa branca e elegante, prometendo uma celebração de “uma década de paixão/ uma década de amizade/ uma década que vale cem anos. …”
Uma década no valor de US$ 3 bilhões. Aos 40 anos, Santos é a única mulher bilionária da África e também a mais jovem do continente. Ela conquistou rápida e sistematicamente participações significativas nas indústrias estratégicas de Angola – bancos, cimento, diamantes e telecomunicações – tornando-a a empresária mais influente em sua terra natal.
Mais de metade dos seus ativos são de empresas portuguesas de capital aberto, o que lhe dá certa credibilidade internacional. Quando a Forbes noticiou seu status de bilionária em janeiro de 2013, o governo divulgou a notícia como um tema de orgulho nacional, uma prova viva de onde este país de 19 milhões chegou.
A história real, no entanto, é de como Santos – a filha mais velha do presidente angolano José Eduardo dos Santos – adquiriu sua fortuna.
Desde o ano passado, a Forbes vem traçando o caminho de Isabel dos Santos até a riqueza, revisando uma série de documentos e conversando com dezenas de pessoas envolvidas. O que foi possível rastrear mostrou que todos os grandes investimentos angolanos detidos por Santos vem de tirar um pedaço de uma empresa que queria fazer negócios no país, ou de um golpe da caneta do presidente (seu pai) lhe dando ações. Sua história é uma rara janela para a mesma narrativa trágica e cleptocrática que predomina em países ricos em recursos naturais em todo o mundo.
Para o presidente Santos, é uma maneira infalível de extrair dinheiro de seu país mantendo uma suposta distância. Se o presidente de 71 anos for derrubado, ele pode recuperar os bens de sua filha. Se ele morrer no poder, ela mantém a fortuna na família.
Isabel pode, se for generosa, decidir dividir um pouco com seus sete meio-irmãos. Ou não. Os irmãos são conhecidos em Angola por se desprezarem.
“Não é possível justificar esta riqueza, que é exibida descaradamente”, disse à Forbes o ex-primeiro-ministro angolano Marcolino Moco. “Não há dúvida de que foi o pai que gerou tal fortuna.”
Isabel dos Santos se recusou a falar com a Forbes para esta reportagem. Os seus representantes não responderam às perguntas detalhadas enviadas há meses, mas na semana passada divulgaram esta declaração:
“A Sra. Isabel dos Santos é uma empresária independente e uma investidora privada que representa apenas os seus próprios interesses. Os seus investimentos em empresas angolanas e/ou portuguesas são transparentes e foram conduzidas por meio de transações envolvendo entidades externas, como bancos e escritórios de advocacia de renome.”
O porta-voz de Isabel dos Santos também acusa o co-autor desta reportagem, Rafael Marques de Morais, jornalista de investigação angolano, de ser um ativista com agenda política. O governo angolano prendeu Marques de Morais em 1999 por uma série de reportagens críticas ao regime e apresentou novas acusações criminais de difamação contra ele por seu livro, “Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola”, lançado em 2011.
Um representante da sra. Santos disse que quaisquer alegações de transferências ilegais de riqueza entre ela e o governo são “infundadas e completamente absurdas”. Isso poderia muito bem ser verdade. Quando seu pai comanda o show e pode ditar quais ativos nacionais são vendidos e a que preço, o que é roubo de recursos públicos em um país pode ser legalizado com um toque de caneta.
O presidente José Eduardo dos Santos não foi encontrado para comentar. Isso é lamentável, porque os Santos, como observa o ex-primeiro-ministro, têm “algumas explicações a dar”.
A história de Angola
Durante três séculos, os portugueses extraíram riquezas deste país rico em minerais na costa sudoeste da África. Quase imediatamente após a independência de Angola, em 1975, várias facções internas começaram a lutar entre si pelo direito de fazer exatamente a mesma coisa.
Desse caos, que durou 27 anos, Santos, que estudou engenharia de petróleo no Azerbaijão soviético e serviu como ministro das Relações Exteriores após a independência, acabou emergindo como presidente em 1979. Ele se manteve no poder desde então, tornando-se o terceiro chefe de estado não-real mais antigo do planeta.
O presidente conheceu sua primeira esposa (ele foi casado pelo menos duas vezes), Tatiana Kukanova, enquanto estudava no Azerbaijão, e sua primeira filha – Isabel – nasceu lá.
Aos 6 anos, Isabel dos Santos já morava no palácio presidencial de Angola e, embora o estilo de vida da família não fosse exagerado para os padrões dos ditadores africanos (exceto os flertes do presidente – pelo menos cinco de seus filhos são de várias amantes), a família trouxe árvores de Natal de Nova York e US$ 500 mil em espumante importado de um restaurante de Lisboa. Havia decadência o suficiente para Isabel ganhar o apelido de “princesa”.
Durante a infância e adolescência de Isabel, a economia angolana estagnou, prejudicada por dois fatores: a guerra civil em curso e as políticas socialistas de Santos. “Na década de 1980, você ia ao supermercado e só havia macarrão nas prateleiras. Não havia muito lá”, diz o professor associado emérito da Universidade do Sul da Califórnia Gerald Bender, que estuda Angola desde 1968.
Para a enclausurada Isabel, essa realidade era provavelmente invisível; ela frequentou a universidade King’s College, em Londres, onde sua mãe – agora cidadã britânica – mora, e obteve um diploma de graduação em engenharia.
No entanto, com a retomada da guerra civil no final de 1992, Isabel partiu para a capital de Angola, Luanda, às pressas, após receber ameaças de morte em Londres.
No final da década de 1990, quando a guerra civil estava terminando – um cessar-fogo foi formalmente declarado em 2002 – o presidente Santos, como os soviéticos com quem ele havia estudado na década de 1960, estava adotando uma forma de capitalismo do tipo “pegue o que você puder”.
Ao longo da década 2000-2010, Angola foi uma das economias que mais cresceram no mundo. O PIB cresceu a um ritmo anual de 11,6% de 2002 a 2011, impulsionado pela produção de petróleo, que mais que dobrou, para 1,8 milhão de barris por dia. O orçamento do governo em 2013 era de US$ 69 bilhões, quase dez vezes mais que os US$ 6,3 bilhões de uma década atrás.
Mas, previsivelmente, muito pouco do inesperado ganho chegou à população. Cerca de 70% dos angolanos viviam com menos de US$ 2 por dia em 2013. E pela própria contagem do governo, 10% da população do país lutava por comida devido à seca e ao descaso burocrático.
Então para onde está indo o dinheiro? Comece com um presidente paranóico vitalício. O aparato de segurança do Estado suga mais fundos do orçamento do que saúde, educação e agricultura juntos.
Muito é claramente roubado: entre 2007 e 2010, pelo menos US$ 32 bilhões em receitas do petróleo desapareceram do livro-caixa federal, de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), que posteriormente rastreou a maior parte do dinheiro para “operações parafiscais”.
Em 2013, Angola estava em 157º lugar entre 176 nações classificadas pelo Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional. Fica atrás de grandes defensores da democracia participativa, como o Iêmen e o Quirguistão. E é nesse ambiente que Isabel dos Santos surgiu com um patrimônio líquido estimado em US$ 3 bilhões.
Os primeiros negócios de Isabel dos Santos
A experiência empresarial de Isabel dos Santos veio em Miami Beach. Não a cidade da Flórida, mas sim um bar e restaurante rústico e chique à beira-mar em Luanda, que tenta imitar seu homônimo até na comida medíocre e no serviço indiferente. Em 1997, o proprietário, Rui Barata, estava tendo problemas com inspetores sanitários e fiscais. Sua solução: trazer Isabel dos Santos, então com 24 anos, como sua sócia, com a ideia, dizem os contemporâneos, de que seu nome manteria os reguladores do governo à distância.
O investimento inicial de Isabel foi insignificante, de acordo com uma fonte com conhecimento do negócio, e o restaurante prosperou: dezesseis anos depois, ainda é um ponto badalado no fim de semana.
A lição – a participação acionária disponível para aqueles com nome dourado – não poderia ter passado despercebida por Isabel dos Santos, que estava entrando na idade adulta exatamente ao mesmo tempo em que as riquezas de Angola estavam sendo desbloqueadas. Aqui está o que se seguiu:
Primeiro, pegue os diamantes
Angola é o quarto maior produtor mundial de diamantes, vendendo cerca de US$ 1 bilhão em gemas todos os anos de minas situadas no nordeste do país. A concessionária exclusiva das minas é a estatal Endiama.
Em 1999, o presidente Santos empurrou a Endiama a formar uma parceria de venda de diamantes. Três comerciantes de diamantes israelenses, incluindo Lev Leviev, que a Forbes agora estima valer US$ 1,5 bilhão, prometeram contatos e experiência.
Por trás do empreendimento, de acordo com documentos da Justiça britânica, estava o traficante de armas russo Arkady Gaydamak – um ex-confidente do presidente Santos durante a guerra civil de 1992-2002. A nova empresa se chamaria Ascorp.
Leviev e seus sócios, incluindo Gaydamak, acabariam com 24,5% da Ascorp. O governo ficaria com 51%. Surpreendente, a maior acionista? Isabel dos Santos, que surgiu com uma participação de 24,5% por meio de uma empresa de investimento de Gibraltar, a Trans Africa Investment Services (TAIS), que ela fundou junto com sua mãe, segundo o relatório anual da TAIS. (Leviev não respondeu a um pedido de comentário e Gaydamak não pôde ser contatado até o momento.)
A Constituição angolana de 2010 proíbe o presidente de roubar dinheiro público e atos de corrupção, o que também o impediria de usar seu cargo para o enriquecimento privado de sua família. Mas não importa: o Conselho de Ministros de Angola, controlado por Santos, aprovou o acordo com a Ascorp mesmo assim.
“Em um país com separação de poderes e democracia real, essas ações presidenciais para enriquecer sua família teriam levado a processos de impeachment”, diz o advogado Salvador Freire, presidente do grupo de direitos humanos Mãos Livres. “Em Angola, ele é a lei.”
A Ascorp era uma vaca leiteira, rendendo milhões de dólares em dividendos por mês, de acordo com documentos judiciais britânicos, mas como o negócio de “diamantes de sangue” atraiu escrutínio internacional em meados dos anos 2000, Isabel dos Santos transferiu para sua mãe o controle total da TAIS, agora renomeada Iaxonh Limited, de acordo com os dados do Registro de Empresas de Gibraltar acessados pela Forbes.
É um belo presente, seguro sob o controle de um cidadão britânico, com Isabel dos Santos convenientemente morando em Angola e única herdeira. A mãe não foi encontrada para comentar.
Telecom: siga o conselho de seu pai
Em 1997, o presidente dos Santos emitiu um decreto sobre o espectro de telecomunicações cada vez mais valioso que controlava: “O governo deve realizar um processo de licitação pública para novas licenças de telecomunicações”.
Dois anos depois, ele desafiou seu próprio decreto — e emitiu um novo. O governo poderia conceder tal licença sem concurso público, desde que o recipiente do contrato fosse uma joint venture com o estado.
Onze meses depois, o presidente, respaldado por seu Conselho de Ministros, concedeu à Unitel o direito de ser a primeira operadora privada de telefonia móvel do país – com a condição de que ele tivesse o poder exclusivo de aprovar o projeto e decidir sobre a participação acionária da empresa, uma vez que o negócio envolvia fundos estatais.
A estatal de petróleo ficou com 25% de participação, e Isabel surgiu com uma participação própria de 25%. Um porta-voz de Isabel dos Santos disse que ela contribuiu com capital para sua participação na Unitel, mas se recusou a especificar quanto. Um ano depois, a Portugal Telecom pagou US$ 12,6 milhões por mais 25% de participação.
Foi um baita investimento. Os celulares revolucionaram a África e, como uma das duas únicas redes de celulares em Angola, a Unitel acumulou 9 milhões de assinantes. A receita de 2012 foi de US$ 2 bilhões, fazendo da Unitel a maior empresa privada de Angola. A participação de Isabel vale pelo menos US$ 1 bilhão, com base em discussões com vários analistas que acompanham a Portugal Telecom.
Banco: um amigo na Europa
À medida que Isabel dos Santos diversificou os seus interesses empresariais angolanos, em 2005 ela também diversificou a sua rede de patronos poderosos. Entrou Américo Amorim, um bilionário português com fortuna de US$ 4,3 bilhões que passou a vida expandindo o império empresarial da sua família da cortiça para imóveis, turismo e, sobretudo, petróleo.
O bilionário, que não respondeu a perguntas da reportagem, foi um dos primeiros a fazer negócios em Angola após o fim das hostilidades da guerra civil.
Quando o clã Santos entrou no setor bancário em 2005, a família contou com a parceria com Amorim e Fernando Teles, outro português que tinha sido CEO de um banco angolano. Eles abriram formalmente o Banco Internacional de Crédito, conhecido como BIC, mostram os relatórios anuais da empresa.
A mão do pai de Isabel voltou a ter um papel: o presidente Santos, como chefe do Conselho de Ministros, autorizou formalmente o investimento estrangeiro no capital do banco. Os detalhes de como o financiamento foi feito são obscuros, porque não há registros públicos mostrando quem colocou dinheiro no banco.
O relatório anual do BIC de 2012 mostra que Amorim detém 25% do banco. Vários documentos revelam que outros 25% são detidos por um veículo de investimento controlado por Isabel dos Santos. Seu porta-voz diz que ela foi membro fundadora do banco e tinha meios independentes para comprar sua participação nos primeiros empreendimentos do negócio.
Independentemente disso, o BIC foi um sucesso, em grande parte por causa de um acordo para emprestar dinheiro ao governo angolano. O BIC fez empréstimos ao Estado no valor de US$ 450 milhões, além de mais de US$ 350 milhões concedidos para empreendimentos privados. O banco tinha ativos de US$ 6,9 bilhões em 2012. A participação de Isabel dos Santos vale pelo menos US$ 160 milhões, estima a Forbes, com base no valor contábil do banco registrado no relatório anual de 2012. Os funcionários do BIC não foram encontrados para comentar.
Petróleo: uma estranha parceria
O petróleo é o maior bem natural de Angola. O país produz 650 milhões de barris por ano, a maior parte para exportação. A petrolífera estatal Sonangol é tão lucrativa que foi apenas uma questão de tempo até que a família Santos começasse a procurar maneiras de pegar carona em seu sucesso. O sócio bancário de Isabel, o bilionário Américo Amorim, ficou com o papel principal.
Em 2005, Amorim constituiu uma subsidiária, a Amorim Energia. Ele iria controlá-la com uma participação de 55%. Os 45% restantes, pelo menos inicialmente, foram para a Sonangol através de uma holding holandesa chamada Esperaza Holding B.V., segundo relatos da imprensa.
No final daquele ano, a Amorim Energia foi às compras, adquirindo 33,3% da Galp Energia, a antiga petrolífera estatal portuguesa, por cerca de US$ 1 bilhão, segundo a imprensa. No final de 2006, de acordo com a consultoria sem fins lucrativos Global Witness, 40% da participação da Sonangol na Esperaza acabou com uma empresa suíça chamada Exem Holding.
Não foram encontrados documentos que ligassem definitivamente Exem Holding a Isabel dos Santos, mas as suas impressões digitais estão por toda a parte.
Seu marido, Sindika Dokolo, foi colocado no conselho da Amorim Energia a pedido da Esperaza, segundo a Global Witness. E o presidente da holding de Isabel dos Santos também faz parte dos conselhos da Fidequity, subsidiária da Exem Holding, e das entidades chamadas Exem Energy e Exem Oil & Gas, de acordo com registros públicos.
Em 2012, a Amorim Energia pagou 726 milhões de dólares por mais 5% da Galp. A participação de Isabel na Galp, estimada em 6,9%, vale US$ 924 milhões.
Cimento: cuidando do “interesse público”
Durante a maior parte do reinado do presidente Santos, houve apenas uma fábrica de cimento em Angola, propriedade de uma empresa chamada Nova Cimangola. Em meados de 2004, o governo detinha 39,8% do negócio, o banco cativo da petrolífera estatal Sonangol, BAI, detinha 9,5%, e os 49% restantes eram detidos pela empresa suíça Scanang, que estava em vias de ser adquirida pela cimenteira portuguesa Cimpor.
O governo começou a exigir uma participação maior, argumentando que a fábrica era um ativo estratégico para a reconstrução nacional após a guerra.
Em 29 de outubro de 2006, a Resolução 78/06 do Conselho de Ministros do presidente aprovou um pagamento de US$ 74 milhões para comprar a Cimpor, declarando que a despesa era necessária para salvaguardar o “interesse público, restaurar a legalidade e manter o controle acionário da Nova Cimangola por entidades nacionais, constituídas em Angola.”
O pagamento de US$ 74 milhões, segundo um jornal angolano, partiu do BIC, o banco detido por Amorim e Isabel dos Santos. O governo passaria a deter 89%, enquanto o BAI e empresários angolanos controlariam os restantes 11%.
O que se seguiu, no entanto, mostrou que o objetivo maior não era dar a Angola uma participação maior, mas sim a alguns angolanos. Antes da aprovação do conselho, uma empresa chamada Ciminvest foi constituída em Angola. A Ciminvest foi inicialmente chefiada pelo ex-assessor jurídico do presidente, de acordo com o contrato social que ele assinou.
A certa altura, o bilionário português Américo Amorim detinha cerca de 30% da Ciminvest, mas seu representante confirma que ele transferiu sua participação em 2009. Ele não quis comentar quem assumiu a participação ou o quanto foi pago por ela.
Os verdadeiros proprietários são amplamente conhecidos como Isabel dos Santos e seu marido, embora os documentos detalhando a propriedade não estejam disponíveis publicamente. No entanto, Isabel admite no currículo que preside a administração da Nova Cimangola, que controla através da Ciminvest. Sem muita enrolação, e sem maiores repercussões, a empresa que, por ordens do presidente, deveria ser controlada por “entidades nacionais” passou a ser controlada por Isabel dos Santos.
As participações de Isabel dos Santos são mais do que apenas ativos guardados para serem desenterrados em caso de turbulências. Eles geram grandes dividendos que lhe permitem comprar ainda mais ativos em negócios aparentemente não relacionados à exploração de propriedades angolanas, como a sua participação de US$ 500 milhões na empresa de mídia portuguesa ZON.
Enquanto isso, seu pai tomou medidas para se proteger legalmente de todas as acusações de corrupção. De acordo com a lei angolana, a decisão do presidente Santos de conceder uma licença à Unitel para benefício pessoal da sua filha pode ser considerada um abuso de poder. Para resguardar-se de um eventual processo judicial, em 1992 o presidente alterou a lei, que passou a proibir duas práticas: aceitar propina ou trair o país. Tecnicamente – ele pode argumentar –, nenhuma das duas ocorreu no caso da Unitel.
A estratégia maior, porém, é retratar Isabel como uma heroína. Em janeiro de 2013, depois de a Forbes a ter declarado bilionária, o Jornal de Angola (único jornal diário do país, que porta-voz do regime angolano), afirmou que “enquanto damos o nosso melhor por Angola sem pobreza, estamos exultantes com o fato de a empresária Isabel dos Santos tornar-se uma referência no mundo das finanças. Isso é bom para Angola e enche de orgulho os angolanos.” Os angolanos devem estar mortificados, não orgulhosos.
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