Meu bairro é um vilarejo dos montes sabinos com uma igreja em cada ponta. Uma ilha estreita e comprida com uma vista imensa sobre outros continentes. A rua principal se acha a rainha do pedaço. E é. Ontem sonhei que, por um dia, um dia só, se tirassem todos os carros, as Kombis, as motos e até as bicicletas da Rua Direita e das duas praças para transformar o bairro do Santo Antônio em efêmero, mas esplendoroso Império da Música.
Imaginem a
Banda de Frevos e Dobrados do Fred Dantas saindo do Largo do Carmo e desfilando
até o Largo de Santo Antônio enquanto os Pandeiros de Itapuã fazem o caminho
inverso. De uma das janelas do convento, Eneida Lima canta a Traviata, a qual, de
uma sacada oposta, responde o sargento/tenor Carlos Lima. No pátio, Teca e Tota
detalham chorinhos. De uma fachada da Cruz do Pascoal, o Raimundo Sodré sacode
os transeuntes. Já me disponho, incondicionalmente, a emprestar as janelas de
minha casa para uma orquestra de câmara. Villa-Lobos, Pixinguinha. Mais
adiante, Gereba lembra o Bendegó e os esquecidos da Casa da Música da Bahia. Na
escadaria, quebrada pela Conder, da Igreja do Boqueirão, um pouco de
BainaSystem porque ninguém de ferro. Na padaria Flor de Santo Antônio, o
flautista João Liberato e cúmplices. Mais samba nas janelas da Pousada das Artes.
Da sacada da Fundação Alexei Belov, um pouco de Mozart. Fanfarra no coreto do
largo, música sacra na igreja – que tal um belo concerto barroco? - sem
esquecer o Grupo Botequim e toda a sonoridade dos berimbaus no Forte da
Capoeira.
Nada de
nomes que atraiam multidões devassas. Controle absoluto do volume sonoro. Aqui
não é lugar para farras, gritarias, mãozinhas pra cima, paredões e amo esta
galera maravilhosa, mas para curtição de expressões musicais mais intimistas,
algo como um momento de antologia musical em total harmonia com o espírito do
bairro.
Você não
gostaria de passear por um dia, finalmente dono incontestado da rua, deixando
as crianças correrem livres e soltas, entre diversos conjuntos musicais? Cada
casa podendo colocar mesas na calçada, como em Lisboa durante os dias juninos
da Santo Antônio, e oferecer as iguarias feitas em família, os licores caseiros
e as batidas reabilitadas. Viva Diolino! Até o Bill Gates, o Lewis Hamilton e respectivos
agregados sairiam do conforto do Rosewood Rio Branco Palace Hotel para curtir
um pouco de baianidade autêntica e provar uma empada ouvindo Dorival Caymmi e
Paulo Costa Lima. Grande chamariz para o turismo cultural, sem dúvida alguma, e
sem perder a identidade.
Como estamos
acostumados, tupinicamente, aos superlativos, já estou adivinhando a manchete entusiasta
da revista Forbes elogiando a iniciativa: O Maior Evento Musical de Rua das
Américas!
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 9 de julho 2022
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