terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

ISTO É REFORMA AGRÁRIA?

De antigo império da soja à maior favela rural no interior do Brasil

Assentamento em MS é símbolo de reforma agrária fracassada, sem assistência técnica


Itamarati é alvo de especulação imobiliária e não garante renda aos trabalhadores rurais
Foto: Michel Filho / O Globo
Itamarati é alvo de especulação imobiliária e não garante renda aos trabalhadores rurais - Michel Filho / O Globo

PONTA PORÃ (MS) — O ex-militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Ilmo Ivo Braun, um catarinense de 64 anos, mal consegue caminhar. O pé inchado não o deixa andar pela lavoura de milho, plantada em seu pequeno lote de seis hectares, recebido a título de reforma agrária. Ele mora sozinho, sem filhos, na casinha sem reboco, construída com os R$ 15 mil recebidos do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), há 11 anos. Esse foi o único subsídio recebido desde que ele obteve a terra, depois de passar um ano acampado numa barraca de lona à espera do tão sonhado quinhão de terras. Sem apoio para plantar, Ilmo arrenda o lote para grandes fazendeiros da região. Dinheiro que complementa os R$ 678 que ganha de aposentadoria.
O arrendamento é ilegal. Mas foi a alternativa que encontrou para não cometer o mesmo crime de vizinhos, que aceitaram a tentadora oferta de R$ 150 mil para vender a propriedade.

— Lutei para ter este lote. Não vendo por nada. Seria pior se estivesse na cidade. Já teria morrido de fome. Aqui tenho uns porquinhos e umas galinhas. Vou morrer aqui — prevê Ilmo, um dos agricultores que receberam lotes no Assentamento Itamarati, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai, como parte do maior projeto de reforma agrária implantado no país.
Pequenos agricultores não têm crédito e assistência
Ilmo é um exemplo acabado de que a reforma agrária fracassou no local. O governo gastou R$ 245 milhões para desapropriar a área de 50 mil hectares da Fazenda Itamarati, que pertencia ao então “rei da soja” Olacyr de Moraes. Com o empresário à beira da falência, o local foi invadido pelos sem-terra em 2000 e lá foram assentadas pelo Incra a partir de 2002 um total de 2.837 famílias ligadas ao MST, à CUT, à Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetagri) e à associação dos ex-funcionários da propriedade. O Incra perdeu o controle da imensa área, jogando as 16 mil pessoas que lá habitam hoje a toda sorte de infortúnios.
Sem financiamentos ou assistência técnica, os pequenos agricultores não conseguem sobreviver da lida no campo. Até traficantes de drogas arrendam terras por lá. Tem fazendeiro que arrenda até 15 lotes. Para sobreviver, pelo menos 2.000 famílias de assentados recebem Bolsa Família, segundo o prefeito de Ponta Porã, Ludimar Novaes (PPS).
A pobreza do campo ganhou ares de favela na área de 400 hectares que o Incra reservou para ser a vila urbana do assentamento, hoje administrada pela Associação dos Moradores do Assentamento Itamarati (Ampai), com 360 famílias, que moram em barracos sem luz, sem água encanada e com ruas esburacadas. Quase todos ali são invasores, como diz o presidente da Ampai, José Roberto Roberval Barbosa Leila.
— O problema maior é a falta de apoio do Incra. Estou assentado aqui há oito anos e só no ano passado consegui um financiamento de R$ 21 mil do Pronaf. Muitos passam fome, vivem de Bolsa Família ou cestas básicas dadas pelas igrejas e acabam vendendo os lotes para morar na cidade e lá trabalhar como ajudante de pedreiro — resume Barbosa Leila.
O Incra promete iniciar este ano, com atraso de três anos, a titulação das terras, que ainda pertencem à União. Sem documentação, os bancos não liberam financiamentos.
Esse é o caso de José Brasil dos Santos, há oito anos no lote. Nunca conseguiu financiamentos.
— Meu pai pensa em arrendar a terra. Este ano meu tio plantou milho aqui, o que deu uma pequena renda, mas só para a gente não passar fome — diz seu filho José Carlos dos Santos.

MPF denunciou “imobiliária”
Além da dificuldade para a obtenção de empréstimos, o próprio Incra paralisou a análise de novos projetos no estado há três anos, depois que o órgão mergulhou numa profunda crise. O ex-superintendente Waldir Cipriano Nascimento, demitido em agosto de 2010, chegou a ser preso na “Operação Tellus”, desencadeada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF) contra a venda de lotes da reforma agrária no Sul do estado. O desvio apurado no esquema é de R$ 12 milhões. No Itamarati, o escritório do Incra está inativo há dois anos.
Os que conseguem sobreviver da agricultura e ter renda melhor são os que se dedicam à produção de gado e leite. Muitos venderam seus lotes. Estima-se que 1.200 famílias, ou 40% do total assentadas, já comercializaram lotes, mas o Incra só admite que 550 negociaram as terras. No fim do ano passado, o MPF denunciou integrantes do que chamou de uma “imobiliária” que comercializava lotes.
A antiga fazenda Itamarati, transformada no maior assentamento agrário do país, foi praticamente destruída. Silos e armazéns de grãos estão apodrecendo. A casa-sede da fazenda hoje é ocupada pelos padres do assentamento. A prefeitura de Ponta Porã aguarda até o dia em que o Incra conceda a área para o município. Ali, quer que nasça uma nova cidade.





Um comentário:

  1. Enquanto morador do Assentamento Itamarati, sinto-me na obrigação, de apontar alguns elementos concretos que possam ajudar a entender que a Reforma Agrária tem prosperado, e muito. Ao contrário do que profere a matéria intitulada “Do antigo império da soja a maior favela rural do interior do Brasil” em referência ao Assentamento Itamarati, hoje Distrito Nova Itamarati, o assentamento a cada dia que passa tem mostrado sua capacidade produtiva e elevado significativamente a renda da maioria das famílias assentadas.
    No entanto, mesmo mostrando na prática que a distribuição de terras é a saída para eliminar a fome no mundo, vários veículos de comunicação têm buscado a todo o momento desqualificar o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). E agora novamente, nossa comunidade é contemplada com essa “pérola” de reportagem que busca diminuir o assentamento lhe outorgando o título de “favela rural” no intuito de invisibilizar o programa e, principalmente, os protagonistas que aqui residem. Cabe ressaltar que é muito cômodo vir ao assentamento, ou mesmo sem vir deduzir informações sem conhecer, na essência, a luta cotidiana das famílias assentadas.
    É evidente que tanto o jornal “O Globo” quanto o “Blog Dimitri” tem total desconhecimento da realidade do assentamento e que veio ao mesmo com a intenção clara de desqualificar o programa de Reforma Agrária e de desqualificar os protagonistas que aqui residem. Nesse sentido, convido qualquer meio de comunicação que tenha interesse em conhecer o assentamento para entender o dia a dia das famílias. Mas que ao conhecer, ao publicar possíveis matérias, relate de forma verdadeira e não busque diminuir essas ações que tem mudado radicalmente o modo de produção de uma antiga fazenda que tinha seu modelo de produção pautado na monocultura e na exploração do trabalho para uma produção diversificada e em processo de transição do convencional para o agroecológico.

    Referências
    “Assentamento Itamarati” A Reforma Agraria Modelo Para O Futuro
    Site: http://poranews.com/?p=9686

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