sábado, 4 de abril de 2020

A DEMOCRACIA BRASILEIRA ESTÁ MORTA

A democracia brasileira está morta, por Fernando Horta

O exército não é uma instituição que cultive qualquer traço de democracia. Pelo contrário, é uma instituição autoritária, brutal, elitista e – agora sabemos – totalmente mal formada em termos cognitivos.

A informação é de que o General Braga Neto é o novo “acting president” do Brasil. Primeiro, esta figura jurídica não existe. Vivemos num presidencialismo e o poder do executivo está a cargo do presidente e do vice que foram sufragados. Segundo, que a figura de um “acting president” (presidente em exercício) subverte o pouco que existia das instituições, fecha o autoritarismo neo-militar no Brasil e consolida o sucesso do método das “aproximações sucessivas” que parece ser tudo o que os militares aprendem na academia.

Não era preciso qualquer doutorado para se saber que a figura nefasta e inepta de Bolsonaro não teria qualquer possibilidade de governar o país. A aposta das elites é que ele seria tutorado por uma tríade forte composta por Guedes, Moro e Mourão (ou Heleno). Todo o resto era desimportante e poderia ser deixado de lado para que Bolsonaro oferecesse os cargos a palhaços e palhaças com única função de entretenimento.
Desde o início o plano era esse. Ocorre que os idealizadores deste plano esqueceram que Bolsonaro havia sido expulso do exército exatamente por ser incapaz de obedecer regras e cumprir minimamente funções que lhe eram dadas. Os anos como deputado, ao invés de lhe darem algum senso de realidade, serviram apenas para que ele se convencesse de que era inteligente, sagaz e capaz liderar o país na limpeza contra o comunismo. Basicamente, ele se convenceu de que era um novo e melhorado Mussolini, mesmo sem saber nada do líder italiano.
Também não entenderam, os que apoiaram a derrocada do Brasil, que Guedes era conhecido no meio economicamente como uma pessoa tecnicamente fraquíssima e com sérios problemas éticos. Que Moro sempre foi incapaz juridicamente e só pode fazer o estrago que fez as instituições brasileiras porque o nosso judiciário tem cerca de 19 mil juízes que são ungidos à infalibilidade e onipotência a partir de um mísero concurso público, podendo, parar o país, empresas, prender ou soltar ao seu bel prazer. Especialmente se tiverem amigos e cúmplices nas instâncias superiores. Este foi o papel do TRF4. Moro não tinha qualquer legitimidade técnica na lava a jato. A operação foi um exemplo de violência institucional politicamente orquestrada que será estudada por anos e modelos de contenção e punição serão desenvolvidos.
Sobre a presença da “ala militar” no governo há um sério problema. O exército não é uma instituição que cultive qualquer traço de democracia. Pelo contrário, é uma instituição autoritária, brutal, elitista e – agora sabemos – totalmente mal formada em termos cognitivos. Todo general é o fruto mais bem acabado do trabalho institucional e quando um general diz que “o negro é malandro” ou o “índio indolente” vemos que a instituição não foi capaz de ensinar o mínimo de civilidade àqueles que deveriam ser o espelho vivo do trabalho institucional. Precisamos reformular toda formação do nosso exército ou ficaremos tomando golpes e mais golpes pelos próximos séculos. A “linha da Sourbonne” do exército atual foi afastada por Bolsonaro com a queda do general Santos Cruz. Indiscutivelmente é o general com maior capacidade cognitiva e compreensão social de todos os que infestam o poder executivo. A sua saída já representava a guinada à caserna e seus toques de “sentido” e “descansar” a tentar comandar a população.
Agora, em uma medida que já vinha sendo pedido pela mídia e setores ricos do Brasil, Bolsonaro é afastado do poder sem pompa nem circunstância. O General Braga Neto – aquele que estava no comando quando do fuzilamento do músico negro Evaldo dos Santos Rosa e sua família no Rio de Janeiro – assume o comando do Brasil “durante a crise”. Jornais internacionais já dão conta do “golpe” no Brasil e autoridades de outros países já foram comunicadas do “resguardo” de Bolsonaro e quem efetivamente agora dá as ordens.
Os que pensam esta solução, de novo, cometem alguns graves erros.
O primeiro erro é acreditar que Mourão, Heleno e outros vão aceitar este golpe e se conformar. A presidência brasileira é um ativo muito cobiçado e com o capitão fora da linha de comando efetiva e figurando como uma “rainha da Inglaterra”, teremos o mesmo ódio que Costa e Silva sentiu de Castelo Branco em 1964 de volta no país. Pelo lado de fora, o exército parece uma instituição disciplinada e sólida. Por dentro, é uma “casa da mãe joana” com fuxicos, traições, canalhices e disputas políticas sujas e baixas. A diferença é que todos se vestem quase iguais e não denunciam os absurdos de que são vítimas ou fazem parte.
O segundo erro é acreditar que o processo democrático é tão somente um mecanismo de escolha de quem vai ser presidente. Se democracia é apenas isto, pode-se manter Bolsonaro como marionete a acenar para as pessoas e ofender nas redes sociais e deixar “para os adultos” as decisões do país. Ocorre que democracia não é só isto. Há um dístico em qualquer democracia: representação e participação. E o primeiro ponto aqui é chave. Quem votou no capitão fascista é porque se sentia REPRESENTADO por ele. E este sentimento é tão forte que até o exército será moído pelos fascistas numa relação complexa mas que já foi mapeada na história. As primeiras oposições a Hitler e Mussolini vieram dos exércitos alemão e italiano. E o fascismo subverteu o exército com a facilidade com que acabou com a direita liberal e moderada naqueles países. O PSDB já deixou de existir. O fascismo fagocitou os eleitores de Aécio, Serra e Alckmin. Fará o mesmo com os soldados de papel-machê verde-oliva. É só uma questão de tempo.
Há ainda que se considerar os elementos desestabilizantes como os evangélicos neopentecostais e a sanha dos charlatões por poder. Será difícil acomodar Malafaias, Felicianos e outros em sua cruzada pelo poder. E mesmo que Olavo de Carvalho venha a “falecer” subitamente (como era costume em ditaduras nos seus primeiros momentos) há um sentido de “participação ativa” no fascismo brasileiro que ainda precisaria ser domado pelo próprio Bolsonaro para solidificar o regime. Sem o líder, estes “radicais livres” não poderão ser contidos.
Em pouco tempo o “capitão” será “convidado a se retirar” do governo. O termo é muito conhecido na caserna. Ele mostra a tentativa das bestas-fera armadas e fardadas de serem polidas e educadas o suficiente para serem aceitas pelas elites endinheiradas. Bolsonaro, ungido por uma facada controversa, será colocado no panteão dos heróis da pátria e vai “cair para cima” no novo planejamento do poder no Brasil. A questão é que um fascista santificado é ainda mais forte e quem está pensando nesta solução não tem conhecimento suficiente para saber que está criando um monstro ainda mais perigoso.
Tudo isto, acontecendo em meio à pandemia do coronavírus, à fome e violência urbana que surgirão em função da desorganização econômica mundial e num momento em que temos uma liderança mundial perversa. Noutros tempos os países poderosos e ricos se tornaram “lideranças benevolentes” procurando manter ordem, vida e contratos capitalistas que lhes permitissem manter o domínio por décadas vindouras. Foi assim com a Inglaterra no século XIX e com os EUA depois da segunda guerra. Agora, Trump é totalmente incapaz de compreender a função dos EUA no mundo e já se colocou em rota de guerra com a Venezuela e em atos de pirataria moderna, roubando equipamentos e mantimentos destinados à França, Alemanha e Brasil. “America first” de Trump é real e é uma pena que Bolsonaro tenha também batido continência à bandeira americana e colocado o Brasil de quatro para os EUA. Agora, diferentemente de 1964 é Bolsonaro – e não o exército – que é aliado dos EUA. Um golpe contra o fascista tem que levar em conta a oposição norte-americana.

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