Em dez dias
os chineses construíram um hospital de 25 mil metros quadrados para mil leitos.
A Conder deveria ter contratado o mesmo pessoal para resolver o projeto de
restauração dos passeios do centro histórico de Salvador, projeto bem modesto que
vem se arrastando há cinco ou seis anos! Lembro-me de ter assistido no Cinema
Glauber Rocha a uma manhã inteira de constrangedoras vênias e humilhantes beija-mãos
dos cortesãos do governador no lançamento dessa proposta, com direito aos
Tambores de Jesus, dramaticamente desafinados, na saída do evento.
O elefante
branco pariu a malfeita e constrangedora “adequação” dos passeios da Rua Chile,
maltratando as pedras portuguesas sem sequer tirar os famigerados postes que
agridem o visual de um bairro pretensamente “Patrimônio da Humanidade”
incluindo dois grandes hotéis de luxo recém-inaugurados.
Sem avisar
ninguém nem esperar passar o carnaval, uma empresa terceirizada pela Conder
começou a esburacar a Ladeira do Boqueirão. Logo após a quarta-feira de Cinzas,
foi a vez da Rua Direita de Santo Antônio ser transformada em trincheira.
Barulho, poeira e lama passaram a ser o pão nosso de cada hora. O cronograma de
trabalho é um insondável mistério. Um dia tem um monte de gente trabalhando,
outro dia, ninguém à vista, ouvindo-se
ao longe alguma fantasmagórica escavadeira isolada. Isto é, sem que
absolutamente nenhum órgão governamental tivesse feito o que seria normal:
informar moradores e comerciantes do projeto, duração do incômodo e custo da
obra. Afinal somos nós que pagamos técnicos, material e mão de obra. Um
panfleto, alguns painéis explicativos na Cruz do Pascoal ou no Largo de Santo
Antônio não nos parecem exigência descabida.
Mas nesta
curiosa interpretação da democracia, as decisões vêm lá de cima e nós assinamos
os cheques sem saber do que se trata e sem o direito de reclamar.
Algumas
aberrações preocupam quem observa com atenção essa pretensa “requalificação”.
Por exemplo: qual é a necessidade de retirar os belos meios-fios de granito
vermelho que aqui estão desde a primeira metade do século passado, talhados a
mão, para serem substituídos por banais peças industrializadas de concreto?
O
IPHAN nada tem a declarar sobre o assunto? Só para lembrar: o granito data do
tempo geológico – ou seja, alguns bilhões de anos – e é praticamente
indestrutível. Quantos anos de vida útil terão as peças de concreto? É evidente
que algo está errado nesta decisão, além da agressão à memória da rua. Ou os
costumeiros engenheiros envolvidos não consultaram os arqueólogos idôneos, ou
existem interesses financeiros tão subjacentes quanto escusos.
Dimitri Ganzelevitch
Jornal A Tarde
Sábado 30/05/20
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