Escuta Aí – Os ataques à imprensa e os monstros sem controle
Fernando Perlatto*
Ontem a Rede Globo publicou uma nota em solidariedade ao jornalista Wiliam Bonner, que vem sendo covardemente atacado por determinados grupos autoritários na internet. A mensagem repudia a campanha de intimidação contra o apresentador do Jornal Nacional, que decorre, em grande medida, da cobertura crítica que a emissora vem fazendo ao governo Bolsonaro, em especial de sua condução irresponsável no enfrentamento da pandemia do coronavírus. Os ataques, que contam com a anuência do presidente da República, não têm sido dirigidos somente à emissora, mas também têm como alvos outros órgãos da imprensa brasileira.
Diante das ofensas e insultos que recebem todos os dias por parte de bolsonaristas, os grupos O Globo e Folha de São Paulo decidiram suspender a cobertura jornalística na saída do Palácio do Alvorada. Hoje, a Folha de São Paulo publicou um editorial intitulado “Fascismo de segunda” no qual justifica esta decisão e critica as “hostes fanáticas” que “açuladas pelo presidente” colocam em risco o exercício do jornalismo. William Bonner, por sua vez, em entrevista concedida ontem a Pedro Bial, disse que se assustava com “a bile, com o ódio que escorre nas palavras, nas palavras mal escritas, nas palavras cuspidas” daqueles que o atacam.
Acredito que caiba a qualquer democrata convicto se solidarizar e defender os jornalistas que vêm sendo atacados pelos fanáticos bolsonaristas. Compete a todos cobrar a investigação de indivíduos e grupos que financiam e dão suporte a estas agressões e defender a liberdade da imprensa, sem a qual não é possível conceber uma sociedade democrática. Contudo, seria um equívoco perder a oportunidade aberta por estes lamentáveis episódios e não refletir no quanto determinados setores da imprensa brasileira, que hoje padecem com estas investidas autoritárias, contribuíram, anos atrás, para a disseminação deste clima de ódio do qual atualmente são vítimas. Esta raiva que atualmente é dirigida a eles – e contra o “sistema” em geral, aí incluídos o Legislativo e o STF – foi sendo gestada e alimentada durante os últimos anos, direcionada contra a esquerda, com a condescendência e muitas vezes com o silenciamento de vários destes setores que hoje são atingidos pelos ataques.
Em artigo publicado nesta revista em 2016, ao analisar a possibilidade da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, eu chamava a atenção para a irresponsabilidade de setores do Partido Republicano que, na ânsia de combater Obama e o Partido Democrata, silenciaram diante da retórica de ódio mobilizada pelo então candidato.[1] Fazia um paralelo com a situação do Brasil, na qual o PSDB, também motivado pelo enfraquecimento do PT, fazia ouvidos moucos às agressões direcionadas à esquerda. Dizia naquele artigo que “os segmentos conservadores vêm se comportando ao longo dos últimos anos como o aprendiz de feiticeiro – na feliz metáfora de Marx, no Manifesto Comunista –, dando impulso a determinadas forças mais à direita as quais eles não têm condições de controlar”.
No momento atual, lideranças do PSDB como o governador de São Paulo João Dória e setores da imprensa brasileira têm sido alvos de grupos de extrema-direita que se expandiram de forma significativa nos últimos anos, contando com a cumplicidade de seus silenciamentos. Reitero que a solidariedade com todos aqueles que são alvos de segmentos autoritários deve ser uma premissa para qualquer democrata. De todo modo, é importante que este momento sirva de lição no sentido de percebermos que uma vez alimentado o monstro fica muito difícil colocá-lo novamente na jaula. Ele devora seus inimigos, mas depois aparece para devorar aqueles que o nutriram. Um país que se quer democrático deve permanecer sempre vigilante para não alimentar os seus monstros.
* Fernando Perlatto é um dos Editores da Revista Escuta.
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