Uma tarde de primavera em Cambridge. As cores brilham.
Dominante de verdes como o gramado que corre até o rio, pontuado de pequenas
margaridas amarelas. No parapeito da janela, três pedras completam o quadro.
Pergunto a razão ao dono da casa, ex-diretor do Tate. Quando passeio e noto
alguma com forma ou cor que me agrada, levo para casa.
A gente se constrói a partir de influências e emoções.
Sessenta anos mais tarde, seixos e pedras pontuam mesas e estantes de minha
casa. Esta, achei no templo de Luksor. É um fóssil. Parece o olho de Hórus.
Seria o direito, o Sol? Ou o esquerdo, a Lua? Calor silencioso de maio, poeira
do deserto, gigantismo das colunas.
Numa prateleira da biblioteca, aquela, longa e tri-facetada,
me esperava ao pé de outro templo, em Tikal. Desisti da escada íngreme. Nem
tanto pela subida que pela descida, mesmo “de bunda” sentando em cada degrau. Já
não tinha idade.
Um seixo, longamente trabalhado pelo oceano de Boipeba.
Alguém me falou que pegar seja o que for na natureza é ecologicamente
incorreto. Será que um dia, torturado pelo remorso, o devolverei à bem chamada
Praia das Pedrinhas?
Não sei onde guardei outra, listrada de tons vermelhos e
amarelos, as cores de Petra, encontrada perto do nabateu Mosteiro (Al Dair),
após interminável escalada por um caminho arriscado até para cabras. Uma hora
para enfrentar 800 degraus irregulares. Cruzávamos com turistas que voltavam.
Nos encorajavam. Só faltam 40 minutos...25 ... Ainda um quarto de hora...
Em outra ilha baiana, andava ao norte de Mar Grande, pelos
lados da capela de Santo Antônio dos Velasques, tão bonita e tão abandonada.
Era maré baixa. No meio das rochas planas cobertas de algas, avistei-a,
majestosa na sua unicidade, estranhamente arredondada, como a solidificação de
algum descomunal molusco. Não hesitei em carregar estes exatos 4.870 gramas até
a Pousada do Gaúcho, que não existe mais.
A ilha de Dafné é um
vulcão surgido em pleno Pacífico como as outras dezoito dos Galápagos. Enquanto
tentava chegar a dupla cratera, lá embaixo, perto do barco que eu alugara,
quatro tubarões prateados dançavam no azul profundo. Ainda são evidentes as
ondas de lava neste singular suvenir. Descansou numa gaiola deslizando pelo rio
Amazonas até o carnaval de Salvador. Duas semanas mais tarde se aposentou na
minha casa de Cascais. Anos mais tarde faria o caminho inverso, agora para, na
mesa de entrada, acolher os visitantes de meu refúgio na rua Direita de Santo
Antônio. Tenho outras, muitas outras. Todas foram fieis companheiras de
inúmeras vivências. Cada uma tem sua identidade, sua razão de repousar entre
livros e objetos. Nem sempre me lembro da origem de algumas. Não faz mal. Elas
se lembram.
Dimitri Ganzelevitch
Jornal A Tarde
Sábado 16/05/20
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