Excelentíssimo Senhor,
Antônio Carlos Peixoto de
Magalhães Neto
Prefeito do Município de
Salvador
Praça Thomé de Souza s/n
Senhor Prefeito,
O Instituto de
Arquitetos do Brasil Departamento da Bahia (IAB/BA), fundado em abril de 1954,
é uma instituição sem fins lucrativos, de livre associação e de utilidade
pública no âmbito estadual e municipal. Ao longo desse mais de meio século de
atividades atua entre o conjunto das organizações voluntárias que desenvolvem
ações de interesse público naqueles aspectos relativos a apreensão da nossa
realidade, contribuindo e zelando pelos interesses da sociedade baiana,
sobretudo nos campos de conhecimento da arquitetura, urbanismo e meio ambiente.
Assim, diante do
quadro de pandemia do coronavírus (2019nCoV), numa perspectiva de cooperação
proativa, externa publicamente a V.Ex.ª, as suas preocupações e encaminha propostas
frente à proteção da vida e a precariedade urbana de Salvador, orientadas para
desacelerar a transmissão do vírus e seu contágio. Neste sentido, o IAB/BA
desde já se coloca à disposição da PMS, ao tempo em que disponibiliza a sua
sede social, no Ed. dos Arquitetos, localizada à Ladeira da Praça, n.º 9, para
abrigar algum aparato logístico no período de campanha do combate ao 2019nCoV.
Preliminarmente,
saliente-se que nesse contexto as autoridades estadual e municipal, se
posicionaram firmemente sobre o falso dilema da “mercadoria da dúvida”, fundado
entre salvar as economias e/ou salvar vidas, situando a prioridades das suas
ações nas pessoas para controlar a pandemia. Como observou o Prêmio Nobel da
Economia Joseph Stiglitz, “se você não salvar as pessoas, a economia será
devastada...”. Sem dúvida, o enfrentamento
do 2019nCoV, que é um fato social, poderá exigir medidas radicais, para seu
confronto, além dos esforços instituídos no campo das medidas médico
hospitalares, do atendimento clínico, de tratamentos, entre outras.
Nessa perspectiva e
diante do avanço inexorável da primeira epidemia de um mundo globalizado, o
IAB/BA, recentemente, manifestou-se em apoio às prudentes medidas para conter o
avanço da pandemia preconizadas pela Prefeitura Municipal de Salvador, frente
ao risco eminente de contaminação de parcelas expressivas de seus cidadãos e
colapso no sistema local de saúde. Agora, ao dirigir-se à V.Ex.ª, acredita
também que os prognósticos relativos ao crescimento da pandemia em nosso Estado
e, particularmente, no município de Salvador, com quase 3 milhões de habitantes
impõem, cada vez mais a necessidade de construir-se um ambiente de
solidariedade e cooperação.
Compreendemos que o
enfrentamento ao vírus exige medidas extremas. A situação escancara as
desigualdades, discriminação e divisão de nossa sociedade clarificando a
desafiadora precariedade urbana de Salvador, já trágica em tempos normais. Nos
segmentos de 0 a 3 SM de renda domiciliar a coabitação (existência de mais de
uma família por domicílio) alcança valores que podem ultrapassar 80 mil
domicílios do município. O grau de rusticidade das estruturas físicas das
moradias o contingente de população que vive em cômodos cedidos ou alugados é expressivo
e representativo desse quadro. São inquietantes também a taxa de desemprego no
município (estimada em 17%), ao lado de indicadores sociais como aumento do
índice de envelhecimento e, do ponto de vista do urbanismo e da arquitetura, as
altas densidades residências encontradas, entre as quais a de 910 hab./ha, na
localidade de Nova Constituinte, no Subúrbio Ferroviário. Completam esses
indicadores sociais e urbanísticos, dados que em 2015, 10% aproximadamente das
residências não eram abastecidas por água potável e quase 30% não possuíam
esgotamento sanitário.
Visando ao
aprofundamento do conhecimento da realidade local, para o adequado
enfrentamento do 2019nCoV, o IAB/BA encaminha à PMS sugestões de processos
políticos e sociais inovadores para fazer frente a situações mais agudizadas
dessas desigualdades.
Desse modo, frente à construção da
solidariedade e de ações coletivas propõe:
1
A potencialização pela PMS do trabalho voluntário como auxilio às suas ações. Segundo definição das Nações Unidas, “voluntário é o
jovem ou o adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico,
dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diversas formas de
atividades, organizadas ou não, de bem-estar, ou outros campos ...”;
2
A convocação pela PMS dos setores organizados da sociedade civil para auxiliar
e imprimir uma dinâmica social mais cidadã nas ações de combate a propagação do
2019nCoV. Assim, entende-se que a crise sanitária e humanitária possa contar
com mais um instrumento social para preservar a saúde pública, replicando e
gerenciando, as diretrizes gerais do Centro de Operações de Emergência do
Ministério da Saúde, desdobramento do Plano Nacional de Respostas à Emergência
de Saúde Pública. Lançar mão de uma alternativa auxiliar como o Trabalho
Voluntário é lançar mão de uma vertente adicional passando a contar com a ajuda
extra de pessoal e alimentar um processo de mobilização social como reforço as
ações do poder local. Atuar junto e com a população é requerer a cooperação
proativa da sociedade face ao momento que enfrenta, contribuindo para potenciar
as diversas iniciativas locais já em curso;
3
Priorizar junto as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) as linhas da
Estratégia de Saúde da Família que recebeu o nome de Programa de Saúde da
Família (PSF) face a sua expertise de atuação na atenção primária. As equipes
de Saúde da Família, através dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), vão aos
ambientes nos quais os cidadãos vivem, portanto, estão presentes nas
comunidades pobres e são “chaves” no conhecimento das condições sanitárias
desses aglomerados de população. O município conta também com um bem
estruturado Plano Municipal de Saúde 2018–2021, e faz parte da rede de Centros
de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde, através do CIEVS Salvador,
criado há dez anos. Centro cujo papel é o de acompanhar “a situação de saúde de
Salvador no âmbito das emergências em saúde pública”;
4
Constituir grupos da Agentes Voluntários (AVs) formados por de membros da
sociedade civil, (médicos/arquitetos/assistentes sociais/engenheiros/ etc., e
estudantes dessas áreas e afins), atuando em sintonia com os agentes de saúde
municipal constituídos por que atuarão de forma sistemática para aprofundamento
do reconhecimento desses aglomerados visando a ações emergenciais. Um outro
grupo com profissionais remunerados de apoio: pedreiros, hidráulicos,
eletricistas, auxiliares de campo, entre outros. Em ação conjunta com as
organizações locais esses grupos agirão territorialmente nas ZEIS, no sentido
de:
a
verificar in loco as condições do esgotamento cloacal, lançamento in natura de
esgoto nas ruas, encostas, etc. Após constatação lançar os agentes químicos
adequados para a desinfecção (assepsia) dessas áreas de moradias, melhorando
emergencialmente as condições de salubridade geral, portanto, ambiental;
b
verificar in loco as condições de oferta de água tratada. Na ausência de água
encanada ou insuficiente, improvisar formas de coleta das águas de chuva que
ficariam acondicionadas em recipientes específicos, fechados, distribuídos em
locais previamente estabelecidos, para uso em limpeza; outra ação seria
abastecimento de outras cisternas com água potável tratada enviada em
caminhões-pipa. Os reservatórios plásticos existentes no mercado poderiam ser
adaptados para o
oferecimento
de água potável;
c
promover visitas aos domicílios e levantar de forma ágil os contingentes de
idosos e doentes, (dados parcialmente de domínio dos ACS do PSF) e verificar as
condições de salubridade em geral: infiltrações, presença de insetos e
roedores, e demais aspectos sanitários. Verificar o grau possível de isolamento
físico dos idosos e condições a serem superadas face aos níveis de coabitação;
d
ao verificar as condições objetivas de acomodação dos idosos e doentes,
deslocar (na medida do possível) aqueles em situação mais precária para abrigos
provisórios perto dos locais de residência. Esses locais poderiam ser as escolas
que tem uma identificação (de pertencimento) com a comunidade;
e
garantir aos idosos e doentes alimentação adequada e pronta. Nesse sentido é
bom observar que para certos segmentos sociais, e respectivas faixas etárias
seria melhor fornecer a comida pronta para consumo do que “cesta básica” para
terceiros prepararem. Com o crescente aumento do custo do gás de cozinha muitas
famílias não têm como preparar os alimentos. Para tanto se poderia aproveitar
as cozinhas das escolas municipais;
f
os AVs poderiam realizar pequenas melhorias nas moradias, em alguns casos divisórias
melhorando o isolamento de doentes, e outras benfeitorias emergenciais nas moradias;
g
todas essas ações além de dirigidas ao combate ao coronavírus, teriam como
objetivos também reduzir o nível de propagação de outros quatro surtos
epidêmicos que se manifestam nesse período estacional e no seguinte inverno:
Dengue, Zika, Chikugunya e Influenza.
Contudo,
assevere-se a distância do proposto com o que a história das cidades nos revela.
Quando evocando as “melhorias sanitárias”, os pobres foram desarraigados,
gerando o cruel esgarçamento social, aprofundando a segregação socioespacial na
maioria das cidades e destruindo-se um complexo sistema de relações solidárias
que em momentos como este se apresentam como condição de ação contra o 2019CoV.
Evidente, que essas
ações visam contemplar a periferia da cidade e seus bolsões de pobreza, numa
espécie de “profilaxia urbanística” emergencial. Uma verdadeira batalha de
prevenção e melhoria das condições ambientais que se alcançadas, em graus
satisfatórios, serão essenciais para enfrentamento do pós-pandemia e nos
aproximarmos do cumprimento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
da Agenda 2030/ONU, bem como, através do engajamento dos cidadãos um acesso
renovado e transformado à vida urbana – o Direito à Cidade.
Atenciosamente,
Arq. Luiz Antonio de Souza
Presidente do IAB/BA
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