sexta-feira, 1 de maio de 2020

POR CAUSA DE UM RINOCERONTE

Origem da calçada portuguesa: tudo começou por causa de um rinoceronte

Como surgiu a tradição da calçada portuguesa? Foi por causa de um rinoceronte! O animal chamava-se Ganga e deu origem a um dos maiores símbolos de Portugal.
cidade mais bonita do mundo
Qual é a origem da calçada portuguesa? Apesar de os pavimentos calcetados terem surgido no reino por volta de 1500, a calçada à portuguesa, tal como a entendemos hoje, foi iniciada em meados do séc. XIX.A chamada calçada à portuguesa, em calcário branco e negro, caracteriza-se pela forma irregular de aplicação das pedras. Todavia, o tipo de aplicação mais utilizado hoje, desde meados do séc. XX, designado por calçada portuguesa, é aplicado com cubos, e tem um enquadramento diagonal.
Avenida da Liberdade - Lisboa
Calçada À portuguesa, e calçada portuguesa são coisas distintas. A calçada começou em Portugal de forma diferente da que hoje é, mais desordenada. S
ão as cartas régias de 20 de Agosto de 1498 e de 8 de Maio de 1500, assinadas pelo rei D. Manuel I de Portugal, que marcam o início do calcetamento das ruas de Lisboa, mais notavelmente o da Rua Nova dos Mercadores (antes Rua Nova dos Ferros).
Rossio
Nessa época, foi determinado que o material a utilizar deveria ser o granito da região do Porto, que, pelo transporte implicado, tornou a obra muito dispendiosa.
O objectivo seria que a Ganga, um rinoceronte branco, ricamente ornamentada, não sujasse de lama com o calcar das suas pesadas patas, o numeroso e longo cortejo, com figurantes aparatosamente engalanados com as novas riquezas e adornos vindas do oriente, que saía à rua em pleno inverno, aquando do seu aniversário a 21 de Janeiro.
Origem da calçada portuguesa
A comitiva ficava manifestamente suja, daí a decisão de calcetar as ruas do percurso como forma de dar resposta ao problema. Sendo a única vez no ano em que o rei se mostrava à população vem daí a expressão: Quando o rei faz anos…

O terramoto de 1755, a consequente destruição e reconstrução da cidade lisboeta, em moldes racionais mas de custos contidos, tornou a calçada algo improvável à época.
Calçada
Contudo, já no século seguinte, foi feita em Lisboa no ano de 1842, uma calçada calcária, muito mais próxima da que hoje mais conhecemos e continua a ser utilizada. O trabalho foi realizado por presidiários (chamados grilhetas na época), a mando do Governador de armas do Castelo de São Jorge, o tenente-general Eusébio Pinheiro Furtado.
O desenho utilizado nesse pavimento foi de um traçado simples (tipo zig-zag) mas, para a época, a obra foi de certa forma insólita, tendo motivado cronistas portugueses a escrever sobre o assunto.
Calçada
Em O Arco de Sant’Ana, romance de Almeida Garrett, também essa calçada na encosta do mesmo castelo seria referida, tal como em Cristalizações, poema de Cesário Verde.

A curiosa história do rinoceronte Ganga

Em 1514, Afonso de Albuquerque, fundador do Império Português no Oriente e governador das Índias Portuguesas, quis construir uma fortaleza em Diu, cidade situada no reino de Cambaia, governado pelo rei Modofar. Foi então Afonso de Albuquerque autorizado, pelo rei D. Manuel I, a enviar uma embaixada ao rei de Cambaia, solicitando autorização para construir a fortaleza.
O rei Modofar não cedeu ao pedido mas, apreciando as oferendas recebidas, deu a Afonso de Albuquerque um rinoceronte. Como era impossível mantê-lo em Goa, Afonso de Albuquerque decidiu enviar o rinoceronte ao rei D. Manuel I, como presente.
Ganga
A chegada do animal a Lisboa causou muita celeuma e curiosidade, não só em Portugal como no resto da Europa devido, sobretudo, ao seu aspecto – o rinoceronte pesava mais de duas toneladas e tinha uma pele espessa e rugosa formando três grandes pregas que lhe davam a estranha aparência de usar uma armadura. Era o primeiro rinoceronte vivo em solo europeu desde o séc. III.
O rinoceronte ficou instalado no parque do Palácio da Ribeira. Lembrando ao rei as histórias romanas sobre o ódio mortal entre elefantes e rinocerontes, D. Manuel I tinha agora a possibilidade de verificar se tal era verdade. Assim, foi organizado um combate entre os dois animais, a que assistiram o rei, a rainha e as suas damas de companhia, bem como muitos outros convidados importantes.
Quando os dois animais se encontraram frente a frente, o elefante, que parecia ser o mais nervoso, entrou em pânico e fugiu mal o rinoceronte se começou a aproximar.
Em 1515, o rei D. Manuel I decidiu organizar uma nova embaixada extraordinária a Roma, para garantir o apoio do Papa, na sequência dos crescentes sucessos dos navegadores portugueses no Oriente, e com vista a consolidar o prestígio internacional do reino. Entre as ofertas encontrava-se o rinoceronte, que usava uma coleira em veludo verde com rosas e cravos dourados. A nau partiu de Lisboa em Dezembro de 1515.
Ao largo de Génova surgiu uma violenta tempestade, tendo o navio afundado, perecendo toda a tripulação. O rinoceronte, embora soubesse nadar, acabou por se afogar, por causa das amarras. No entanto, foi possível recuperar o seu corpo.
Ao saber da notícia, D. Manuel I ordenou que o rinoceronte fosse empalhado e enviado ao Papa, como se nada tivesse acontecido. Mas este animal não fez tanto sucesso junto do Papa como anteriormente tinha feito o elefante!
Em Portugal o rinoceronte foi imortalizado, encontrando-se representado numa das guaritas da Torre de Belém e também no Mosteiro de Alcobaça, onde existe uma representação naturalista do animal de corpo inteiro, com função de gárgula, no Claustro do Silêncio. Foi também desenhado pelo grande mestre impressor Albrecht Dürer, baseando-se numa carta  de um mercador português que continha um desenho do rinoceronte.

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