Meus amigos e conhecidos sabem quanto sou palpiteiro. Alguns até se queixam e lhes dou toda razão. Sou um velho chato mesmo. E não é que nos primeiros dias de março fui convidado a ir ao Rio de Janeiro pela fundação Eva Klabin para fazer uma visita detalhada ao museu e dar palpites?!
Nababescamente
tratado num apartamento no Flamengo do tamanho de um campo de futebol com vista
panorâmica sobre a Urca e o Pão de Açúcar, almoço caprichado no Jockey Clube -
o novo chefe merece todos os elogios - visita do atelier do artista Jorge
Rodriguez-Aguiar na casa projetada por Sérgio Bernardes para sua família no
Leblon, descoberta do iogurte grego e concerto celebrando o aniversário de
Heitor Villa-Lobos, quem sou eu para ousar me queixar do calor e do custo dos
taxis?
Mas como é
linda esta cidade! Ampla, generosa, aristocrática, diversa e alegre apesar de
uma penca de governadores e prefeitos que dividem sua agenda entre palácios, hotéis
de luxo, templos pentecostais e penitenciárias, de todos os infernos ela consegue
escapar e continua vencendo pela sua mais deslavada sedução.
Outra
realidade enfrentei nos 23 quilômetros percorridos até chegar ao Museu Imagens
do Inconsciente no Engenho de Dentro, com direito a linhas amarelas, vermelhas
e muitas mais em vários tons de depressão, todas esgueirando-se entre cem
favelas e galpões arruinados mal embelezados por imensos grafites de qualidade
irregular. Sem falar nas anedotas inquietantes do motorista do Uber.
Mas valeu a
aventura. Lá está a obra singular de Nise da Silveira, contemporânea do compadre
Carl Jung, aquela mesmo a quem o Jair das Joias recusou o título de “Heroína da
Pátria” por total ignorância da trajetória desta destemida pioneira em
psiquiatria. Felizmente o Congresso derrubaria o veto absurdo. Se as duas partes deste modesto e respeitável
museu conseguem por milagre manter-se ativas, é visível a penúria geral do
quarteirão reservado a saúde mental dos esquizofrênicos crônicos de uma terra
que já foi dos tupinambás.
Das 350 mil
obras guardadas, só pude apreciar parte da farta produção de Emygdio de Barros
e Adelina Gomes. O suficiente para fechar minha estadia carioca com chave de
ouro. E também o suficiente para contextualizar a exposição que estarei organizando,
ainda este ano, na Aliança Francesa de Salvador e no Museu Eva Klabin do Rio de
Janeiro sobre o tema da Arte fora das normas.
A poucas
semanas de completar 87 anos de andanças por vales e lagoas, como não dar pulinhos
(simbólicos!) agradecendo a todos os deuses do planeta, desde os que habitam os
pagodes nipônicos e as pirâmides maias até os templos de Luxor e as mesquitas
de Sinan? Só me resta agora conhecer a arquitetura de barro do Iêmen, as igrejas
de Goa e Maracangalha.
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