quarta-feira, 22 de março de 2023

UGANDA E OS HOMOSSEXUAIS


 Ontem, 21 de março, o parlamento de Uganda na África oriental, votou com imensa maioria uma lei draconiana contra a homossexualidade. Indo além da lei do período colonial e nunca revogada que pune quem for preso por atos homossexuais com prisão perpétua, a nova legislação torna ilegal pela primeira vez a mera identificação como gay, e obriga amigos, familiares e membros da comunidade a denunciar às autoridades aqueles que têm relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. Ouros capítulos da lei determinam:

• Uma pessoa que é condenada por aliciar ou traficar crianças com o propósito de envolvê-las em atividades homossexuais enfrenta prisão perpétua;
• Indivíduos ou instituições que apoiam ou financiam atividades ou organizações de direitos LGBT, ou publicam, transmitem e distribuem material de mídia e literatura pró-gay, também enfrentam processo e prisão;
• Grupos de mídia, jornalistas e editores enfrentam processos e prisão por publicar, transmitir e distribuir qualquer conteúdo que defenda os direitos dos homossexuais ou "promova a homossexualidade";
• Pena de morte para "homossexualidade agravada", ou seja, abuso sexual contra uma criança, uma pessoa com deficiência ou pessoas vulneráveis, ou nos casos em que uma vítima de agressão homossexual estar infectada com alguma doença crônica;
• Proprietários de casas também correm o risco de serem presos se suas instalações forem usadas como um "bordel" para atos homossexuais ou qualquer outra atividade que evolva minorias sexuais.
Esta nova lei, que ainda aguarda o assentimento do presidente (que constantemente faz comentários homofóbicos), é provavelmente o mais cruel do mundo.
Por que Uganda? Não sei, mas me pergunto se não tem algo a ver com um episódio que ocorreu no início do período colonial, que ainda reverbera na vida e consciência contemporâneas de Uganda, mas cuja ausência na discussão me intriga.
Em 1884, o ano da partição formal da África entre os poderes coloniais, foi coroado o novo kabaka (rei) Mwanga XI, do povo Baganda, o grupo étnico que deu nome à nova colônia de Uganda. Na turbulência destes anos, o kabaka resistiu brutalmente às conversões ao cristianismo e ao islã, assassinando bispos, e jovens convertidos. Vinte e dois dos seus pajens, anglicanos e católicos, foram assassinados. Mas estes assassinatos tinham um outro motivo: a fúria do kabaka quando os pajens rejeitaram os seus avanços sexuais.
Logo em seguida, os treze pajens católicos mortos foram declarados mártires pela Igreja Católica. Em 1920 foram beatificados e em 1964 canonizados. Em 2014, Uganda comemorou 50 anos das canonizações dos Mártires de Uganda. O Santuário dos Mártires Munyonyo, monumento de ação de graças pela canonização, foi inaugurado em 3 de maio de 2015 pelo Núncio Apostólico em Uganda, Arcebispo Michael A. Blume, e pelo Cardeal ugandense Immanuel Wamala.
Pode haver uma relação entre a memória dos mártires dos meninos que recusaram satisfazer os desejos homossexuais do kabaka e a veemência da nova legislação? O fato de não haver nenhuma menção aos assassinatos do século 19 na atual onda de ódio contra os homossexuais pode significar que sim. Ou não? Afinal, é também uma história que nega a frequente afirmação de que não existem desejos e atos homossexuais na África tradicional.

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