quinta-feira, 30 de março de 2023

O PESO DE UM SACO DE CIMENTO

Quem não conhece o expediente decisivo em véspera de eleição? Longe de mim pensar que argumentos deste tipo foram usados para convencer parte dos moradores de Boipeba em aceitar como maná caído do céu a transformação de 20% da ilha em condomínio, com supressão de 330 mil m2 de Mata Atlântica. Mixaria.

Não, a empresa não ofereceu um frízer para aquele restaurante de que tanto precisava, nem uma mega tevê o casal de velhinhos tão humildes, ou uma vela nova o pescador, porque a outra, coitada...

Mas o fato é que todo o litoral da Bahia vem sendo abocanhado pela especulação imobiliária. Sempre começa na ponta dos pés. Não vamos agredir a natureza. Viemos para contribuir! Não, não teremos mais um campo de golfe (por enquanto), porque aqueles 18 buraquinhos não engolem só a bolinha, mas também milhares de litros de água por dia. É tudo sorriso e tapinhas nas costas. Seremos quase invisíveis. Somente 69 lotezinhos. Bobagem. E 25 casinhas pequeninas.

E mais duas pousadinhas, cada uma de 25 quartinhos. Sem piscina, claro! Para mochileiros paraenses e bolivianos ou para globais cariocas e influencers paulistas que virão passar um fim de semana zen com seu avião particular? Haverá restaurante. Um só! Rango vegano? Of course, dear! Ah! E o lixo será todo reciclado. Zero rato, zero barata. E a fauna todinha - raposa, jupará, papagaio, maria-velha, martim-pescador, tatu, periquito, garça-branca e cinza, pato d´agua, colibri, lontra, sabiá, cuiba, pica-pau, sanhaço, cubango, cardeal, papa-capim, macaquinho, canário, anu preto, juriti e maçarico médio – todos respeitadíssimos.

Terminará como a Praia do Forte: um shopping center a céu aberto.

Adeus, silêncio das praias desertas. Viva os jet-skis, os iates de fibra de vidro, aço e alumínio, todas as estrelas do último São Paulo Boat Show.

Os “a favor” lembram com emoção o progresso que vai enfim chegar. Um tsunami de empregos. Sim, porque todos terão sua fatia de paraíso. Adeus pescador, lavrador, marisqueira, curandeira.... Agora você será promovido a segurança, lavador de pratos, faxineira, varredor da pista do aeroporto, carregador de malas. Mas.... Sorria, você ainda está em Boipeba!

Não entendo por que quem ganha um milhão de reais por mês ou tem alguns bilhões nos bancos da vida, precisa bombardear com seus verdinhos uma ilha que até a data só tinha coqueiros, passarinhos e meia dúzia de pousadas perdidas entre as goiabeiras.

Posso lembrar - pedindo perdão pelo eurocentrismo – o francês Conservatoire du Litoral que comprou mais de 1.600 km de praias, beira de rios e lagos para deixá-los selvagens, sem que ninguém pudesse agredi-los?

Algo ainda está faltando em matéria de civismo nas altas rodas do poder. Seja ele político ou financeiro.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, 1 de abril 2023

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