Quem não conhece o expediente decisivo em véspera de eleição? Longe de mim pensar que argumentos deste tipo foram usados para convencer parte dos moradores de Boipeba em aceitar como maná caído do céu a transformação de 20% da ilha em condomínio, com supressão de 330 mil m2 de Mata Atlântica. Mixaria.
Não, a empresa
não ofereceu um frízer para aquele restaurante de que tanto precisava, nem uma
mega tevê o casal de velhinhos tão humildes, ou uma vela nova o pescador, porque
a outra, coitada...
Mas o fato é
que todo o litoral da Bahia vem sendo abocanhado pela especulação imobiliária.
Sempre começa na ponta dos pés. Não vamos agredir a natureza. Viemos para
contribuir! Não, não teremos mais um campo de golfe (por enquanto), porque
aqueles 18 buraquinhos não engolem só a bolinha, mas também milhares de litros
de água por dia. É tudo sorriso e tapinhas nas costas. Seremos quase
invisíveis. Somente 69 lotezinhos. Bobagem. E 25 casinhas pequeninas.
E mais duas
pousadinhas, cada uma de 25 quartinhos. Sem piscina, claro! Para mochileiros
paraenses e bolivianos ou para globais cariocas e influencers paulistas que
virão passar um fim de semana zen com seu avião particular? Haverá restaurante.
Um só! Rango vegano? Of course, dear! Ah! E o lixo será todo reciclado. Zero rato,
zero barata. E a fauna todinha - raposa, jupará,
papagaio, maria-velha, martim-pescador, tatu, periquito, garça-branca e cinza,
pato d´agua, colibri, lontra, sabiá, cuiba, pica-pau, sanhaço, cubango,
cardeal, papa-capim, macaquinho, canário, anu preto, juriti e maçarico médio –
todos respeitadíssimos.
Terminará
como a Praia do Forte: um shopping center a céu aberto.
Adeus, silêncio das praias desertas. Viva os
jet-skis, os iates de fibra de vidro, aço e alumínio, todas as estrelas do
último São Paulo Boat Show.
Os “a favor” lembram com emoção o progresso
que vai enfim chegar. Um tsunami de empregos. Sim, porque todos terão sua fatia
de paraíso. Adeus pescador, lavrador, marisqueira, curandeira.... Agora você
será promovido a segurança, lavador de pratos, faxineira, varredor da pista do
aeroporto, carregador de malas. Mas.... Sorria, você ainda está em Boipeba!
Não entendo por que quem
ganha um milhão de reais por mês ou tem alguns bilhões nos bancos da vida,
precisa bombardear com seus verdinhos uma ilha que até a data só tinha
coqueiros, passarinhos e meia dúzia de pousadas perdidas entre as goiabeiras.
Posso lembrar - pedindo
perdão pelo eurocentrismo – o francês Conservatoire du Litoral que comprou mais
de 1.600 km de praias, beira de rios e lagos para deixá-los selvagens, sem que ninguém
pudesse agredi-los?
Algo ainda está faltando em
matéria de civismo nas altas rodas do poder. Seja ele político ou financeiro.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, 1 de abril 2023
Terminará como a Praia do Forte: um shopping center a céu aberto.
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