O país inteiro assistiu estarrecido ao noticiário dando conta que 207 trabalhadores foram encontrados trabalhando na colheita de uvas em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha em condições de trabalho degradantes.
A fiscalização trouxe detalhes horrorosos ao enredo. Os trabalhadores teriam sido obrigados a trabalhar em horários superextensos, por 15 horas por dia para realizar a colheita de uva, pagando pelo local de alojamento e pelo transporte até a cidade gaúcha, onde já chegavam com dívidas.
Essas dívidas, aliás, só faziam crescer. A denúncia dá conta que um mercadinho local era usado por essas pessoas para comprar alimentos a preços maiores, aumentando as dívidas já existentes.
Os débitos sempre crescentes serviam para lembrar a estas pessoas que não poderiam ir embora quando quisessem, pois, teriam de pagá-los com o seu trabalho. Haveria, até mesmo vigilância armada, não para proteger patrimônio, como costuma ser, mas sim para evitar a fuga dessas pessoas.
Relatos dos resgatados revelam que, logo no início do dia, recebiam choques elétricos com armas de choque para acordarem e irem trabalhar. Isso é tortura.
A grande maioria das pessoas resgatadas era baiana
Essa característica parece ter agravado a própria situação dessas pessoas. Aliás, isso acabou sendo até mesmo televisionado. É possível ver esse pensamento em um discurso que um vereador de uma cidade da Serra Gaúcha fez, no qual deu voz a vergonhosas e xenófobas ideias, revelando muito dos reais motivos para isso tudo ter ocorrido.
O ódio aos baianos ganhou voz e rosto no político da região. Entretanto, não se enganem, ele revela muito do que se pensa sobre os baianos por muita gente. O imaginário revelado pelo vereador é que os baianos são pessoas sujas, que ficam na praia batendo tambor e só querem saber de carnaval e festas.
E os baianos resgatados?
Bem, os resgatados e maiores vítimas dessa situação já estão sendo devidamente pagos e muitas providências posteriores serão adotadas pela fiscalização do trabalho e também pelo Ministério Público do Trabalho e pela própria Justiça do Trabalho para indenizá-los. Os indivíduos envolvidos serão responsabilizados.
E isso é tudo?
E todos os outros baianos que foram também ofendidos pela submissão de pessoas à condição análoga de escravos? E toda a sociedade que assiste estarrecida e ofendida, ferida em seu sentimento de ser humano? E toda a marca que essa submissão de pessoas deixa em todos nós?
As pessoas encontradas nessa situação estavam, como já foi dito, participando da colheita de uvas em extensos parreirais, onde se retiravam os cachos para serem carregados em caminhões e depois utilizados em produtos que, diariamente, chegam aos supermercados e às mesas dos baianos.
Esses produtos são vinhos, espumantes e sucos e se propõem a serem comprados pelo mesmo povo baiano, mesmo povo que espoliou, ofendeu e explorou
As empresas envolvidas direta e indiretamente na contratação dessas pessoas querem chegar às prateleiras do varejo de toda a Bahia e depois entrar na casa de todas as pessoas do Estado mesmo após terem tratado seres humanos – principalmente baianos – de forma degradante e em condições análogas ao regime escravista.
A rede varejista de supermercados da Bahia precisa fazer algo a respeito. Os grandes, pequenos e médios supermercados podem e devem deixar de efetuar compras das marcas envolvidas na cadeia produtiva cujos trabalhadores baianos atuavam em condições análogas à de escravos. Podem e devem, também, devolver todos os produtos, retirando-os das prateleiras e remetendo aos produtores.
Nesse tema, aliás, a Bahia já deu ao país régua e compasso. Foi aqui que aconteceram a Revolta dos Malês e a Conjuração Baiana. A história é um elemento importante em todo esse episódio, já que mesmo fatos ocorridos há centenas de anos atrás, envolvendo a escravidão e suas práticas nefastas, influenciam até hoje o modo de pensarmos e agirmos no mundo. O povo baiano quer igualdade, dignidade, ontem, hoje e sempre e não tem, nem nunca teve, medo de lutar por isso, seja coletiva, seja individualmente. (Como disse a jornalista Jessica Senra, não nos deitamos para senhores de engenho).
As associações de supermercados e sindicatos que congregam centenas de mercados que vendem esses produtos podem contribuir bastante para isso, orientando e se posicionando, o que não foi feito até agora.
Já existe notícia que uma importante rede de supermercados no Estado do Rio de Janeiro, a rede Zona Sul, devolveu todos os produtos do seu estoque das vinícolas sob suspeita. A própria Apex Brasil – Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos também se posicionou e agiu suspendendo as empresas envolvidas.
E cada um de nós, simples consumidores?
Ora, aqui também vale o lema: o pessoal é político! Muito embora os mais imediatos impactos possam ser sentidos pela ação das empresas, os indivíduos podem sim atuar e possuem potencialmente, grande poder de transformação da realidade à sua volta, depositado em suas mãos.
Dessa forma, todas as pessoas também podem, ao fazer compras, deixar de comprar as marcas envolvidas na contratação espoliante desses baianos resgatados. Recusar-se a levar para casa esses produtos é uma mensagem forte e poderosa às vinícolas para que sejam responsabilizadas pelo ocorrido. A nossa indignação não pode ser uma mosca sem asas e não ultrapassar a janela de nossas casas.
Convocamos a todos pessoas jurídicas e físicas, mas igualmente detentoras de um grande poder, para que se mobilizem e recusem os vinhos, sucos e espumantes produzidos pelas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton.
Vamos manter longe das nossas prateleiras e mesas empresas que mantenham condições de trabalho degradantes!
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