O século 20 encarregou-se de retirar o nome do italiano Antonio Vivaldi (1678 – 1741) do mais completo esquecimento, transformando-o em um dos mais populares músicos do período barroco. Isso graças à sua numerosa obra instrumental, que inclui o celebérrimo ciclo de concertos batizado de ‘As Quatro Estações’.
Mas o Padre Ruivo de Veneza escreveu também muita música sacra notável – mais de setenta partituras. Nesse domínio, obra capital é o oratório ‘Juditha Triumphans’, o único que sobreviveu dos quatro compostos pelo autor. Ele é, numa palavra, espetacular. Apresentado na íntegra (em álbum de três CDs da etiqueta francesa Opus 111), tem mais de duas horas e meia de duração, desenrolando uma longa trama que se concretiza através de recitativos, árias e coros extraordinariamente coloridos.
Vivaldi compôs ‘Juditha Triumphans Devicta Holofernis Barbarie’ em 1716, quando Veneza corria o perigo de ser invadida por seus habituais inimigos, os otomanos. Subintitulado de ‘Oratório Sacro-militar’, esse oratório tinha por objetivo levantar o moral dos habitantes da cidade da laguna. Para tanto, partindo de um libreto de Giacomo Cassetti, construiu um impressionante afresco sonoro tratando da vitória da judia Judite sobre o assírio Holofernes. (Uma curiosidade: entre 1621 e o ano em que Vivaldi o abordou, o tema já havia sido tratado mais de 20 vezes por outros compositores).
O enredo de ‘Juditha Triumphans’ foi retirado do Livro de Judite, um dos 16 ‘Livros Históricos da Torá Judaica’, que os cristãos chamam de ‘Antigo Testamento’. Aí é contada a história dessa linda, jovem e rica viúva de Betúlia que, ao ver seu povo correndo o risco de ser massacrado pelas tropas de Nabucodonosor comandadas por Holofernes, resolve partir para a ação.
Com seus melhores trajes e acompanhada de uma fiel criada, Judite apresenta-se ao inimigo, enfeitiçando-o com seus múltiplos dotes. Depois de um banquete, consegue ficar a sós com Holofernes que, bêbado, adormece. Nesse momento, depois de rezar, Judite dá dois golpes na nuca do comandante e o degola. Levando a cabeça do inimigo à sua cidade, a jovem viúva consegue que as tropas inimigas debandem e que seu povo, vitorioso, saia em sua perseguição. No coro final do oratório, uma saudação a Judite é seguida de um voto: “Que Adria (Veneza) viva e reine em paz.”
A música que Vivaldi concebeu para essa triunfal Judite é bem sua, quer dizer, melodiosa, harmoniosa, movimentada e repleta de brilho. Como a partitura foi concebida para ser executada pelas cantoras e instrumentistas da Pietá, instituição veneziana dedicada às moças sem família, todos os papeis são encarnados por vozes femininas. Nesta gravação, brilham soberanas as sopranos e meio-sopranos Magdalena Kozena, Maria José Trullu, Mariana Comparato, Anke Herrmann e Tiziana Carrano.
As eletrizantes passagens corais são defendidas bravamente pelo Coro Juvenil da Accademia Nazionale di Santa Cecilia. Os muito ricos e coloridos acompanhamentos instrumentais ficaram a cargo da afinada e animada Academia Montis Regalis, da cidade de Mandovì que, sob a regência dinâmica de Alessandro De Marchi, executa essa música cintilante com o necessário brilho.
COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO. - Acabo de descobrir esta obra-prima do autor veneziano das Quatro Estações.
Mais que o triunfalismo histórico da vitória de Veneza sobre os turcos, é notável o vigor, o permanente entusiasmo do Vivaldi.
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